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de obter mais meios materiais e humanos Quando, em 27 de Março de 1112, a e da construção das Nações ibéricas.
–, assegurar, por outro lado, a cooperação rainha Urraca faz uma importante doação D. Henrique, embora tenha casado em
dos condes portucalenses evitando que es- à Catedral de Oviedo, inclui a expressão
tes apoiassem as pretensões aragonesas e, “infanta D. Teresa, minha irmã”, o que 1095 com D. Teresa, somente utilizou o tí-
ainda, ultrapassar uma fase especialmente constitui um reconhecimento jurídico de tulo de conde em 1098, aparecendo mais
sensível em termos político-militares em grande importância e que era revelador tarde, em sucessivas referências, como
que D. Urraca estava, claramente, em per- que a partilha da herança de Afonso VI es- “conde de Portugal e de Coimbra”. D. Te-
da – em especial desde a morte de Afonso tava, ainda, em discussão. resa, como é sabido aliás, usou pouco este
VI –, sendo notória a progressiva fragilida- título (condessa), porquanto, ao abando-
de da sua autoridade régia. Depois de vencer Urraca no sítio do nar o uso do título de “infanta”, passou a
Sabroso, o Papa Pascoal II enviou carta a intitular-se “rainha de Portugal”. Há vá-
Tarasia, estava, em definitivo, envolvida D. Teresa, em 18 de Junho de 1116, dirigi- rios documentos em que – por exemplo
no processo político norte-ibérico com a da à “rainha D. Teresa”. Ora, sabendo-se em doações várias – Tarasia se refere aos
irmã Urraca, promovendo conflitos regio- do cuidado que, nos finais do Séc. XI e nos destinatários tratando-os como vassalos,
nais, e fomentando autoridades dispersas alvores do Séc. XII, a Santa Sé incutia aos como no caso da doação a Adosinda Gon-
nas aristocracias terra-tenentes, bem no aspectos da relação com as realezas, não çalves, elemento histórico que não pode
seio das monarquias leonesa e castelha- parece lícito concluir que aquele tratamen- deixar de ser revelador. Toda a política de
na. to seria, tão só, uma dignidade coloquial D. Teresa foi, inclusive, representativa de
concedida a uma princesa filha de rei. Anos um contexto de poder próprio de um reg-
Em finais de 1114, Maurício Burdino, mais tarde, o arcebispo Gelmírez, de San- num e da legitimidade que dele emana,
arcebispo de Braga, conseguiu do Papa tiago de Compostela, em 1127, dirige-lhe corporizada em privilégios a sedes episco-
Pascoal II as pretensões de Braga sobre as uma carta em que a trata por “Venerável pais, fixação de feudos monásticos, doa-
dioceses de Astorga e Coimbra7, anulando rainha”, a propósito do destino dos corpos ções a membros da aristocracia, amparo
os direitos do arcebispo de Toledo sobre de Afonso VII e da irmã Sancha. dos habitantes de núcleos urbanos, entre
Braga8, e confirmando à Igreja minhota o outras manifestações de auctoritas. Tam-
estatuto pretendido de sede arquiepisco- Em Maio de 1117, a propósito de uma bém na formalidade e na praxis dos actos,
pal, pela famosa Bula Sicut Injusta Poscen- doação a Soeiro Guterres (Arazede, actual Tarasia foi rainha.
tibus, de Dezembro de 1114. Montemor-o-Velho), D. Teresa utiliza – se-
gundo alguns pela primeira vez – o título Dr. Luís da Costa Diogo
de rainha “regina Tarasia de Portugal”. Chefe do Gabinete Jurídico da DGAM
Existem, contudo, outros documentos –
11149 – em que já eram utilizadas formas N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
similares àquela, como sejam “Domna Ta-
rasia imperante Portugal”, havendo sobre Notas
tais títulos a leitura de que eram actos em
que transparecia o exercício de reinar em 1 N ome que consta de documentos medievais, figu-
terras portucalenses, até porque a prima rando, também, como Tarasia.
rainha Urraca sabia – e eventualmente as- 2 “ Pelagio Suariz, maiordomo da casa de illes comes
sumiria – isso, e não apenas ser aquela uma confirmo.”
mera alusão a se tratar de uma infans filha 3 “ Nunnu Pelaiz armiger comes confirmo”.
de rex-imperator10. Este é, aliás, um assun- 4 C erca do ano de 1095, as forças de Raimundo fo-
to que tem suscitado profundos estudos e ram atacadas pelos muçulmanos o que implicou a
análises até do foro jurídico-institucional, perda da cidade de Lisboa, que era absolutamente
sendo fundamental atentar nos superiores fundamental para os esforços que Afonso VI tinha
contributos de Alexandre Herculano, Paulo efectuado para manter as fronteiras da chamada
Merêa, Marcello Caetano e Espinosa Go- Cristandade até à foz do Tejo. A 13 de Novembro
mes da Silva, bem como os humildes con- daquele ano, Afonso VI havia concedido carta de
tributos que o autor aduziu em 2007. foral a Santarém, o que favorecia a sua defesa, es-
tratégia que havia de ser repetidamente assumida
De uma forma ou de outra que se pre- pelos condes de Portugal.
tenda avaliar e interpretar a assunção do 5 P aulo Merêa defende, no seu “De Portucale ao
título, a sua existência terá, historicamen- Portugal de D. Henrique”, História e Direito, e ain-
te, na forma e na praxis, 900 anos, e con- da “Escritos Dispersos”, Tomo I, Coimbra, 1967,
figura, institucionalmente, a emanação de que terá existido senhorio hereditário, entendi-
poder de um monarca, sendo ainda revela- mento que determinados autores castelhanos não
dor de um exercício de uma auctoritas po- prosseguem, optando pela visão que terá existido
lítica e territorial própria, não obstante ter tenência hereditária.
toda a envolvente própria da Reconquista 6 A 11 de Setembro de 1111, Afonso Raimundes ha-
via sido coroado rei da Galiza.
7 B ula Quanti Criminus, de Novembro de 1114.
8 B ula Pro Injuris, de Novembro de 1114.
9 S egundo alguns, 1115.
10 S obre isto, adensámos alguns comentários em
“Noções e Conceitos Fundamentais de Direito”,
QuidJuris, 2007.
20 FEVEREIRO 2016