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REVISTA DA ARMADA | 506
sistematicamente capturados), a defesa John Taylor, que chegou a navegar, a co- combate é intenso, mas inconclusivo e os
da Baía não tarda a tornar-se insustentá- berto da neblina, entre alguns navios de navios acabam por recolher ao porto. A
vel. Com a população maioritariamente a guerra portugueses (um dos quais a nau cidade rende-se a 18 de Novembro.
favor da causa de D. Pedro, cresce, entre “D. João I”) e se atreveu mesmo a efectuar
os defensores, a convicção de que a inde- patrulhas junto à barra do Tejo, durante A situação de guerra entre Portugal e
pendência do Brasil é inevitável. As forças as quais apresou mais alguns navios mer- o Brasil manteve-se até 29 de Agosto de
portuguesas optam, assim, por abando- cantes. Em suma: para a Marinha Brasilei- 1825. No entanto, não voltaram a registar-
nar o país. ra foi um acontecimento épico, enquanto -se acções navais dignas de registo, a não
para a Armada Portuguesa se tratou de ser algumas incursões efectuadas por cor-
A 2 de Julho larga da Baía um comboio um registo humilhante. Dos 65 que ti- sários brasileiros em águas portuguesas.
de 48 navios mercantes, escoltados por 17 nham largado da Baía, chegam ao Tejo 16
navios de guerra e transportando 5335 mi- navios de guerra e 23 mercantes. 10 na- Teria sido possível manter a posse do
litares e 870 civis. Os brasileiros flagelam- vios mercantes tinham desertado e outros Brasil ou, pelo menos, da Baía com um
-nos desde o início da viagem. Regista-se, 16 tinham sido capturados ou destruídos. desempenho mais combativo e, sobretu-
então, a deserção de dez dos navios mer- do, mais inteligente por parte da esqua-
cantes, possivelmente tripulados por ho- De volta às costas do Brasil, Cochrane dra nacional? Num exercício meramente
mens fiéis a D. Pedro, que voltam para trás. dirige-se ao Maranhão com a “D. Pedro especulativo, poderíamos dizer que sim,
O comboio, muito heterogéneo, manobra I” e obtém a rendição da guarnição por- mesmo que mais não se conseguisse do
com dificuldade e não consegue reagir aos tuguesa, apresando o brigue “Infante que adiar o inevitável. A verdade é que os
repetidos ataques da força de Cochrane, D. Miguel”, a escuna “Emília” e oito lan- ventos da História sopravam, já, definiti-
que utiliza a táctica popularmente conhe- chões artilheiros. Depois de guarnecer o vamente, no sentido da completa inde-
cida por “toca-e-foge”. Para agravar a situ- brigue (rebaptizado “Maranhão”), envia- pendência dos estados latino-americanos,
ação, o mau tempo dispersa os navios. Na -o, então, ao Pará, onde este, simulando ou não estivessem nela empenhadas duas
confusão, alguns navios mercantes (quinze a presença próxima do resto da esquadra grandes potências como a Inglaterra e os
ao todo) são capturados e a galera “Grão- brasileira, consegue obter a rendição das E.U.A. e não fosse irreversível o processo
-Pará” abordada e inutilizada. forças portuguesas e apresar uma fragata de transformação política em curso nas
em construção (baptizada como “Impera- suas antigas metrópoles. Seja como for,
Já longe das costas do Brasil, Cochrane triz”), a charrua “Gentil Americana” e vá- estes acontecimentos mostram como
volta para trás e incumbe a fragata “Nite- rios navios mercantes. uma marinha de guerra pode ser decisi-
rói” (acompanhada, no início, por alguns va quer para ganhar uma guerra de inde-
navios mais veleiros) de continuar a per- Em Montevideu a guarnição da cidade pendência quer para perder um extenso e
seguição, mas esta já poucos estragos mantivera-se leal a Portugal, mas as forças rico território ultramarino.
consegue fazer. Deste episódio fica-nos militares em redor, comandadas pelo ge-
a impressão de ter sido algo empolado neral Lecor, herói da guerra contra Artigas, Moreira Silva
pelo nacionalismo brasileiro (embora os tinham aderido à causa brasileira e posto CFR
louros caibam, efectivamente, aos oficiais cerco à capital do estado. Também as for-
britânicos ao serviço do Imperador), pois, ças navais, constituídas por uma fragata, N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
na prática, tratou-se, essencialmente, de sete escunas e duas barcas, se tinham
um acompanhamento à distância, sendo declarado pelo Imperador, estabelecen- Bibliografia
que o comboio, embora escoltado por um do bloqueio à cidade. Mas a guarnição da
significativo número de navios de guerra, escuna “Maria Teresa”, seguida pelas das BOITEUX, Lucas Alexandre, A Marinha de Guerra
tinha como único objectivo chegar a salvo corvetas “Conde dos Arcos” e “General Brazileira nos Reinados de D. João VI e D. Pedro I
a águas portuguesas, não constituindo, Lecor” (mais tarde rebaptizada “Restau- (1807-1831), Rio de Janeiro, Imprensa naval, 1913.
portanto, uma verdadeira força de com- radora”) e do brigue “Liguri” tinham-se ESPARTEIRO, António Marques, Três Datas que Im-
bate. Acresce o facto de este estar bastan- revoltado (Janeiro de 1823) e levado os portam à Independência do Brasil (1808-1815-1922),
te limitado na sua capacidade de mano- navios para dentro do porto. Em Outubro, comunicação ao colóquio “A Marinha e a Indepen-
bra, enquanto a fragata, mais ágil, tinha por ordem do comandante da guarnição dência” efectuada no Rio de Janeiro em Agosto de
plena liberdade de movimentos, podendo e tendo em vista a reabertura das comu- 1972, Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1972.
ora aproximar-se ora afastar-se conso- nicações com o exterior, saem para dar MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino, Batalhas e
ante o perigo. No entanto, há que dar o combate aos navios do bloqueio, apesar Combates da Marinha Portuguesa, vols. VII (1669-
devido crédito à ousadia do comandante, de estarem em inferioridade numérica. O 1807) e VIII (1808-1975), 1ª ed., Lisboa, Livraria Sá da
Costa Editora, 1989.
PEREIRA, José António Rodrigues, A Marinha Portu-
guesa na Época de Napoleão, vol. II (1807-1823 – A
Armada e o Brasil), Lisboa, Tribuna da História, 2005.
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