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sistematicamente capturados), a defesa         John Taylor, que chegou a navegar, a co-      combate é intenso, mas inconclusivo e os
da Baía não tarda a tornar-se insustentá-      berto da neblina, entre alguns navios de      navios acabam por recolher ao porto. A
vel. Com a população maioritariamente a        guerra portugueses (um dos quais a nau        cidade rende-se a 18 de Novembro.
favor da causa de D. Pedro, cresce, entre      “D. João I”) e se atreveu mesmo a efectuar
os defensores, a convicção de que a inde-      patrulhas junto à barra do Tejo, durante        A situação de guerra entre Portugal e
pendência do Brasil é inevitável. As forças    as quais apresou mais alguns navios mer-      o Brasil manteve-se até 29 de Agosto de
portuguesas optam, assim, por abando-          cantes. Em suma: para a Marinha Brasilei-     1825. No entanto, não voltaram a registar-
nar o país.                                    ra foi um acontecimento épico, enquanto       -se acções navais dignas de registo, a não
                                               para a Armada Portuguesa se tratou de         ser algumas incursões efectuadas por cor-
  A 2 de Julho larga da Baía um comboio        um registo humilhante. Dos 65 que ti-         sários brasileiros em águas portuguesas.
de 48 navios mercantes, escoltados por 17      nham largado da Baía, chegam ao Tejo 16
navios de guerra e transportando 5335 mi-      navios de guerra e 23 mercantes. 10 na-         Teria sido possível manter a posse do
litares e 870 civis. Os brasileiros flagelam-  vios mercantes tinham desertado e outros      Brasil ou, pelo menos, da Baía com um
-nos desde o início da viagem. Regista-se,     16 tinham sido capturados ou destruídos.      desempenho mais combativo e, sobretu-
então, a deserção de dez dos navios mer-                                                     do, mais inteligente por parte da esqua-
cantes, possivelmente tripulados por ho-         De volta às costas do Brasil, Cochrane      dra nacional? Num exercício meramente
mens fiéis a D. Pedro, que voltam para trás.   dirige-se ao Maranhão com a “D. Pedro         especulativo, poderíamos dizer que sim,
O comboio, muito heterogéneo, manobra          I” e obtém a rendição da guarnição por-       mesmo que mais não se conseguisse do
com dificuldade e não consegue reagir aos      tuguesa, apresando o brigue “Infante          que adiar o inevitável. A verdade é que os
repetidos ataques da força de Cochrane,        D. Miguel”, a escuna “Emília” e oito lan-     ventos da História sopravam, já, definiti-
que utiliza a táctica popularmente conhe-      chões artilheiros. Depois de guarnecer o      vamente, no sentido da completa inde-
cida por “toca-e-foge”. Para agravar a situ-   brigue (rebaptizado “Maranhão”), envia-       pendência dos estados latino-americanos,
ação, o mau tempo dispersa os navios. Na       -o, então, ao Pará, onde este, simulando      ou não estivessem nela empenhadas duas
confusão, alguns navios mercantes (quinze      a presença próxima do resto da esquadra       grandes potências como a Inglaterra e os
ao todo) são capturados e a galera “Grão-      brasileira, consegue obter a rendição das     E.U.A. e não fosse irreversível o processo
-Pará” abordada e inutilizada.                 forças portuguesas e apresar uma fragata      de transformação política em curso nas
                                               em construção (baptizada como “Impera-        suas antigas metrópoles. Seja como for,
  Já longe das costas do Brasil, Cochrane      triz”), a charrua “Gentil Americana” e vá-    estes acontecimentos mostram como
volta para trás e incumbe a fragata “Nite-     rios navios mercantes.                        uma marinha de guerra pode ser decisi-
rói” (acompanhada, no início, por alguns                                                     va quer para ganhar uma guerra de inde-
navios mais veleiros) de continuar a per-        Em Montevideu a guarnição da cidade         pendência quer para perder um extenso e
seguição, mas esta já poucos estragos          mantivera-se leal a Portugal, mas as forças   rico território ultramarino.
consegue fazer. Deste episódio fica-nos        militares em redor, comandadas pelo ge-
a impressão de ter sido algo empolado          neral Lecor, herói da guerra contra Artigas,                                              Moreira Silva
pelo nacionalismo brasileiro (embora os        tinham aderido à causa brasileira e posto                                                             CFR
louros caibam, efectivamente, aos oficiais     cerco à capital do estado. Também as for-
britânicos ao serviço do Imperador), pois,     ças navais, constituídas por uma fragata,     N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
na prática, tratou-se, essencialmente, de      sete escunas e duas barcas, se tinham
um acompanhamento à distância, sendo           declarado pelo Imperador, estabelecen-           Bibliografia
que o comboio, embora escoltado por um         do bloqueio à cidade. Mas a guarnição da
significativo número de navios de guerra,      escuna “Maria Teresa”, seguida pelas das         BOITEUX, Lucas Alexandre, A Marinha de Guerra
tinha como único objectivo chegar a salvo      corvetas “Conde dos Arcos” e “General            Brazileira nos Reinados de D. João VI e D. Pedro I
a águas portuguesas, não constituindo,         Lecor” (mais tarde rebaptizada “Restau-          (1807-1831), Rio de Janeiro, Imprensa naval, 1913.
portanto, uma verdadeira força de com-         radora”) e do brigue “Liguri” tinham-se          ESPARTEIRO, António Marques, Três Datas que Im-
bate. Acresce o facto de este estar bastan-    revoltado (Janeiro de 1823) e levado os          portam à Independência do Brasil (1808-1815-1922),
te limitado na sua capacidade de mano-         navios para dentro do porto. Em Outubro,         comunicação ao colóquio “A Marinha e a Indepen-
bra, enquanto a fragata, mais ágil, tinha      por ordem do comandante da guarnição             dência” efectuada no Rio de Janeiro em Agosto de
plena liberdade de movimentos, podendo         e tendo em vista a reabertura das comu-          1972, Lisboa, Centro de Estudos de Marinha, 1972.
ora aproximar-se ora afastar-se conso-         nicações com o exterior, saem para dar           MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino, Batalhas e
ante o perigo. No entanto, há que dar o        combate aos navios do bloqueio, apesar           Combates da Marinha Portuguesa, vols. VII (1669-
devido crédito à ousadia do comandante,        de estarem em inferioridade numérica. O          1807) e VIII (1808-1975), 1ª ed., Lisboa, Livraria Sá da
                                                                                                Costa Editora, 1989.
                                                                                                PEREIRA, José António Rodrigues, A Marinha Portu-
                                                                                                guesa na Época de Napoleão, vol. II (1807-1823 – A
                                                                                                Armada e o Brasil), Lisboa, Tribuna da História, 2005.

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