Page 14 - Revista da Armada
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14      A NACIONALIDADE DO NAVIO E O


                  PRINCÍPIO DO ESTADO DE BANDEIRA




                     m dos princípios enquadradores mais nucleares do   bandeira. Os navios possuem a nacionalidade do Estado
                  Udireito do mar é a exigência jurídica de que os navios   cuja bandeira estejam autorizados a arvorar. Deve exisƟ r
                  devem navegar sob a bandeira de um determinado Estado   um vínculo substancial entre o Estado e o navio”, estabe-
                  e, sem prejuízo do expresso em acordos ou tratados inter-  lecendo o nº 2 do preceito que “Todo o Estado deve forne-
                  nacionais, estar submeƟ dos, em alto mar, à jurisdição exclu-  cer aos navios a que tenha concedido o direito de arvorar a
                  siva desse Estado. É por esta razão que a essencialidade de   sua bandeira os documentos perƟ nentes”. É precisamente
                  toda a construção legal em matéria maríƟ ma assenta na   devido àquela exigência do vínculo substancial, a que já
                  existência de um vínculo substancial entre o Estado e o   supra aludimos, que a doutrina mariƟ mista  idenƟ fi ca,  e
                  navio, daí decorrendo todo o inerente processo documen-  estuda, a questão das bandeiras standard e bandeiras subs-
                  tal, cerƟ fi caƟ vo e inspecƟ vo. É a bandeira que confi gura   tandard, isto é, os Estados cumpridores das obrigações
                  o regime a que o navio está obrigado, onde quer que se   resultantes das convenções internacionais, e que exercem
          DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
                  encontre acostado ou a navegar, pelo que a premissa do   a sua jurisdição e controlo de modo efecƟ vo, e aquelou-
                  Estado de Bandeira (Flag State) é um princípio preponde-  tros que, numa determinada perspecƟ va, têm uma relação
                  rante, que admite muito poucas excepções na sua aplicabi-  muito menos substanƟ va e próxima para com os navios que
                  lidade jurídico-material.                       neles estão registados e por esses Estados são cerƟ fi cados.
                   A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar   O preceito enformador das obrigações do Estado de Ban-
                  (CNUDM), no âmbito de toda a sua caracterização funda-  deira é o arƟ go 94º do CNUDM, sendo este o normaƟ vo em
                  mentadora, estabelece o conjunto de preceitos relaƟ vos ao   que se estabelece a efecƟ vidade do vínculo, sistemaƟ zando
                  regime do Flag State (FS) e o quadro obrigacional dele resul-  a Convenção as questões a regular em âmbito administra-
                  tante, fazendo-o precisamente na Parte VII, na qual se dedica   Ɵ vo, técnico e social. Mas estes designaƟ vos do legislador
                  ao enquadramento e regulação do Alto Mar, em especial os   convencional envolvem, usando outra Ɵ pologia de aborda-
                  arƟ gos 91º a 94º – estatuindo ainda um dos princípios do   gem, os processos de registo, cerƟ fi cação, qualifi cação, con-
                  FS, adiante, no arƟ go 217º –, sendo que, atenta a estrutura   trolo e inspecção, e inquérito. Em termos dos mecanismos
                  normaƟ va da Convenção, caberia perguntar porque não foi   jurídicos aplicáveis à questão obrigacional do FS, são estes
                  dedicado ao(s) princípio(s) do FS uma parte inicial, even-  5, afi nal, os âmbitos a considerar, os quais, em Portugal, são
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                  tualmente logo em sede da Parte I. Mas a lógica da CNUDM   assegurados em sede da administração maríƟ ma nacional
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                   Com efeito, o direito do mar é, em essência, um direito   Especifi cando: em âmbito técnico-administraƟ vo e regis-
                  regulador de espaços e de obrigações que eles impõem à   tral, existe a obrigação de manter um processo de registo
                  navegação; a Convenção estabelece-os sequencialmente   de navios, bem como um processo de inscrição e controlo
                  (nas Partes II a XI), isto é, Mar Territorial, Zona Conơ gua,   sobre os inscritos maríƟ mos (capitão, ofi ciais e tripulação);
                  Estreitos, Zona Económica Exclusiva, Plataforma ConƟ nen-  em âmbito técnico-documental, o Estado de Bandeira deve
                  tal, Alto Mar, Ilhas, Mares fechados e semi-fechados e toda   assegurar a inspecção e cerƟ fi cação – iniciais e subsequen-
                  a designada Área, dedicando as suas 3 Partes fi nais às ques-  tes – que garantam as imprescindíveis condições de nave-
                  tões da protecção e preservação do meio marinho (Parte   gabilidade em segurança dos navios, bem como conceder
                  XII), invesƟ gação cienơ fi ca marinha (Parte XIII), e desenvol-  os respecƟ vos  cerƟ fi cados e documentos comprovaƟ vos;
                  vimento e transferência de tecnologia marinha (Parte XIV).   em âmbito técnico-social, devem estar garanƟ das as medi-
                  A CNUDM, portanto, foi concebida numa lógica em que   das necessárias à composição, condições de trabalho, for-
                  privilegia a regulação do espaço, até pela óbvia e determi-  mação dos tripulantes e sua qualifi cação, e regime laboral
                  nante questão geopolíƟ ca que esteve inerente aos trabalhos   a bordo implementado e executado nos termos das con-
                  de estudo e projecto desde os anos 60 e 70 (Séc. XX), res-  venções da InternaƟ onal MariƟ me OrganizaƟ on (IMO) e da
                  salvando como preponderantes as grandes problemáƟ cas   InternaƟ onal Labour OrganizaƟ on (ILO); em âmbito inspec-
                  que o moderno direito internacional do mar elegeu como   Ɵ vo, o Estado de Bandeira deve assegurar um sistema de
                  essenciais no seu processo construƟ vo, como a protecção   inspecção e controlo dos seus navios, designado como Flag
                  dos ecossistemas marinhos e as questões tecnológicas e de   State Control (FSC), o qual assenta num mesmo sistema
                  invesƟ gação.                                   de premissas técnicas e periciais que, atento o estabele-
                   Ora, nesta estrutura normaƟ va, havia que encontrar o   cido nas convenções internacionais, esse Estado garante
                  trecho adequado para acolher os princípios reguladores do   perante navios de outras bandeiras, num quadro inspecƟ vo
                  FS, sendo que tal apenas faria senƟ do na supramencionada   no âmbito do Port State Control (PSC).
                  lógica legislaƟ va, onde, por conceito, não existe uma juris-  É, ainda, imprescindível, que existam no Estado estrutu-
                  dição efecƟ va de qualquer Estado, ou seja, o Alto Mar. Daí,   ras adequadas que assegurem os necessários mecanismos
                  o enquadramento das premissas basilares nos arƟ gos 91º   de invesƟ gação técnica de acidentes ocorridos com navios
                  a 94º.                                          da bandeira, bem como os processos de inquérito que, em
                   Estatui o nº 1, do arƟ go 91º, da Convenção que “Todo o   âmbito próprio, garantam, designadamente, as avaliações
                  Estado deve estabelecer os requisitos necessários para a   de factos, causas, circunstâncias materiais, análises peri-
                  atribuição da sua nacionalidade e navios, para o registo de   ciais, preservação de meios de prova, medidas de salva-
                  navios no seu território e para o direito de arvorar a sua   guarda e quadros de apreciação que possam fundamentar,
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