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REVISTA DA ARMADA | 526


          mitem caraterizar a cultura estratégica   seja, combate naval),  mariƟ me  security   No respeitante à economia do mar, gos-
          portuguesa como eminentemente marí-  (ou seja, segurança maríƟ ma)  e interna-  taria de vos deixar com dois grandes indi-
          Ɵ ma, tendo sublinhado a importância   Ɵ onal  engagement (ou seja, empenha-  cadores que – devidamente arredonda-
          dessa cultura estratégica maríƟ ma  para   mento internacional). Naturalmente, a   dos – também nos aproximam do número
          qualquer grande estratégia nacional.  importância e o peso relaƟ vo de cada uma   3. EfeƟ vamente, um estudo efetuado
           Naturalmente, qualquer grande estra-  destas funções vai variando em função da   pela Organização para a Cooperação e o
          tégia formulada na atualidade tem que   evolução do ambiente estratégico, com o   Desenvolvimento Económico (OCDE) esƟ -
          atender à globalização, a qual, por sua   Prof. Eric Grove a concluir que o aumento   mou que as aƟ vidades económicas ligadas
          vez, assenta no comércio maríƟ mo rápido   da possibilidade de confl itos inter-estatais   ao mar foram responsáveis, em 2010, por
          e efi ciente. E a este propósito, o Prof. Mar-  veio colocar a função de combate naval no   aproximadamente 2,5% do Valor Acres-
          Ɵ n MoƩ e recordou as palavras de Mon-  centro das preocupações das marinhas.  centado Bruto da economia mundial.
          tesquieu, que – retomando a ideia dos                                Já a nível nacional e segundo o InsƟ tuto
          oceanos como “res communis omnium” –                                 Nacional de Estaơ sƟ ca (INE), através da
          defendeu, no século XVIII, que o comércio   CONSIDERAÇÕES FINAIS     sua Conta Satélite do Mar, as aƟ vidades
          maríƟ mo promovia a paz entre as nações.   E antes de concluir esta minha breve   relacionadas com o mar representaram,
          Contudo, essa afi rmação foi quesƟ onada,   intervenção, gostava de vos deixar com   em Portugal e no período compreendido
          devido às tentaƟ vas de apropriação vio-  um número, que penso sinteƟ zar  muito   entre 2010 e 2013, 3,1% do Valor Acres-
          lenta dos oceanos e de fragmentação do   do que aconteceu hoje: o número 3.  centado Bruto, como foi referido pelo
          mar, regularmente verifi cadas nos úlƟ mos   Com efeito, Ɵ vemos três painéis. O pri-  Prof. João Confraria.
          500 anos. Nessa linha, segundo o orador,   meiro dedicado ao quadro legal de gover-  Passando, agora, para a vertente securi-
          o século XXI assisƟ rá a uma redefi nição   nação do mar, o segundo focalizado na   tária, cabe aqui referir que a sistemaƟ za-
          dos equilíbrios maríƟ mos,  caraterizada                             ção em três elementos tem antecedentes
          por alguma confl itualidade, tendo em                                 disƟ ntos entre os maiores estrategistas
          vista uma redistribuição dos beneİ cios da                           militares da história. Por exemplo, Clau-
          globalização.                                                        sewitz via a guerra como uma “maravi-
           Ao ouvir esta comunicação,  não pude                                lhosa trindade” consƟ tuída por “três ten-
          deixar de me lembrar do livro de um com-                             dências”: primeiro, a paixão primária da
          patriota do Prof. MarƟ n MoƩ e, o escritor                           população; segundo, as probabilidades e o
          Maurice Joly que, em 1864, publicou Diá-                             acaso, que tornam a guerra imprevisível; e,
          logo no inferno entre Maquiavel e Mon-                               terceiro, a razão da liderança políƟ ca, que
          tesquieu. Nesse livro, Maquiavel é repre-                            procura que a guerra tenha um objeƟ vo
          sentado segundo a visão tradicional que                              ou um propósito. Também Mahan enten-
          faz dele um apologista do uso da força                               dia o sea power (ou seja, o poder no mar)
          na políƟ ca, pelo que não arriscarei muito                           como uma tríade, integrando: em primeiro
          em dizer que Maquiavel está, claramente,                             lugar, a produção – que leva à necessidade
          a ganhar este diálogo com o humanista                                de trocas comerciais; em segundo lugar,
          Montesquieu, conforme foi evidenciado                                os navios mercantes – que concreƟ zam as
          pelo Prof. MarƟ n MoƩ e e, também, pelo                              trocas comerciais; e, em terceiro lugar, as
          Prof. André Panno Beirão, que ouvimos                                colónias e os mercados, como fontes de
          durante a manhã.                                                     matérias-primas e como desƟ no comercial
           E foi neste quadro de tendência para                                para os produtos transformados.
          um recrudescimento das disputas marí-                                  Hoje, foi-nos recordada a célebre siste-
          Ɵ mas, que o Prof. Eric Grove defendeu                               maƟ zação ternária do Prof. Ken Booth,
          que, apesar das evoluções tecnológicas,                              posteriormente atualizada pelo próprio
          as funções das marinhas têm-se manƟ do   economia do mar e o terceiro incidindo   Prof. Eric Grove e recentemente revista na
          mais ou menos inalteráveis, pelo menos   na vertente securitária.    doutrina estruturante da estratégia marí-
          desde que, em 1977, o Prof. Ken Booth as   RelaƟ vamente ao quadro legal de gover-  Ɵ ma britânica. Comum a todas estas sis-
          sistemaƟ zou num triângulo, cujos vérƟ ces   nação do mar, foi aqui enfaƟ zada a impor-  temaƟ zações está a colocação do uso do
          representavam a função militar, a função   tância da Convenção de Montego Bay,   mar como elemento central dos corres-
          diplomáƟ ca e a função policial. Poste-  que resultou da terceira Conferência das   pondentes triângulos, pois trata-se da ver-
          riormente, no seu livro The Future of Sea   Nações Unidas sobre Direito do Mar, cujos   dadeira razão de ser das marinhas: permi-
          Power, o próprio Prof. Eric Grove atuali-  trabalhos decorreram entre 1973 e 1982.   Ɵ r que se possa usar o mar de acordo com
          zou esse triângulo, designando o vérƟ ce   De facto, após as convenções acordadas   os interesses nacionais e globais.
          policial como constabulary role. O termo   na Primeira Conferência das Nações Uni-  Gostaria, por isso, de terminar este semi-
          “constabulary” não tem equivalência na   das sobre Direito do Mar, realizada em   nário com esta mensagem, que penso
          língua portuguesa mas pode ser tradu-  1958, em Genebra, e depois do fracasso   dever ser central a qualquer estratégia
          zido por “imposição da lei”, que parece   da segunda conferência, realizada em   maríƟ ma para o século XXI: a de que as fun-
          uma designação mais adequada para esta   1960, também em Genebra, à terceira   ções das marinhas, independentemente
          função do que a proposta pelo Prof. Ken   foi possível defi nir uma nova e robusta   das suas nuances, se subsumem num ele-
          Booth, a qual pode levar a alguns mal-  geografi a dos espaços maríƟ mos,  uma   mento agregador que é o uso do mar, obje-
          -entendidos. Em tempos mais recentes, a   verdadeira “consƟ tuição dos oceanos”,   Ɵ vo implícito em tudo o que fazem.
          BriƟ sh MariƟ me Doctrine de 2011 proce-  que permanece como o momento mais

          deu a uma revisão deste triângulo, atua-  determinante do direito do mar contem-         Sardinha Monteiro
          lizando as funções para: war-fi ghƟ ng (ou   porâneo.                                              CMG


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