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REVISTA DA ARMADA | 546
Chegada do NC-4 a Lisboa em 27 de maio de 1919.
estas infraestruturas nos Açores e ceder a gem e organização dos serviços de aviação da Belle Époque. Eis a génese do Decreto
sua uƟ lização a outros países, nos termos dos Açores” e “para a organização dos por- nº 5787-MMM, de 10 de maio de 1919.
defi nidos pelo governo português. Evita- tos aéreos conforme as conveniências do
va-se assim uma eventual perda tanto de tráfego aéreo internacional”. EXEMPLOS ESTRANGEIROS
soberania sobre as ilhas, como de dividen-
dos aeroportuários. Promulga-se, no dia 20 UM DESAFIO Pilotado pelo comandante Albert C. Read
de março de 1919, o Decreto n.º 5300, que (US Navy), o NC-4 vai ser a primeira aero-
atribui uma verba generosa para a “monta- Este Decreto disponibilizou recursos fi nan- nave a atravessar o AtlânƟ co, seguindo a
ceiros para o invesƟ mento em projetos de rota dos Açores e uƟ lizando 21 destroyers
desenvolvimento da aviação comercial em para balizar a sua navegação. Duas semanas
Portugal, algo que não passou desperce- depois, os britânicos John Alcock e Arthur
bido a Sacadura Cabral, que Ɵ nha já uma Brown fazem o primeiro voo transatlânƟ co
visão muito clara do potencial geostraté- sem escala e vencem, assim, o desafi o do
gico que Portugal poderá ter nas futuras Daily Mail.
redes comerciais aéreas transatlânƟ cas, i.e., Nestas tentaƟ vas de travessia, em 1919,
sobre a posição geoestratégica de Portugal esƟ veram envolvidas seis aeronaves; ape-
no emergente quadro de navegação aérea nas três a concreƟ zaram - duas perdem-se
internacional e das vantagens económicas por insufi ciência dos métodos de navega-
que esta poderia proporcionar ao país. Da ção aérea uƟ lizados e a terceira por falha de
mesma forma que os Açores poderiam ser motor. Prova-se assim que, embora as aero-
uƟ lizados como aeroporto de escala e Lis- naves Ɵ vessem autonomia sufi ciente para
boa como aeroporto terminal para a nave- atravessar o AtlânƟ co, não têm capacidade
gação aérea da rota do AtlânƟ co Norte; Cabo para o executar em segurança. Os motores
Verde, e novamente Lisboa, poderiam ser não eram ainda sufi cientemente fi áveis e
uƟ lizados na rota do AtlânƟ co Sul. Esta rota era necessário desenvolver um método
seria parƟ cularmente vantajosa para Portu- seguro de navegação aérea.
gal uma vez que o Brasil era o nosso princi- Sacadura Cabral perceciona rapidamente
pal parceiro económico, para além de que que tem que superar este dois desafi os
reforçava a posição de Lisboa como principal para ter sucesso na sua travessia Lisboa-Rio.
aeroporto terminal do AtlânƟ co oriental. RelaƟ vamente ao método de navegação
Terão sido estes os argumentos que Saca- aérea, ao que tudo indica não considerou
dura Cabral uƟ lizou para convencer o Minis- outra hipótese que não a de solicitar a cola-
tro da Marinha a aprovar e fi nanciar o seu boração do seu amigo e anƟ go chefe das
projeto para efetuar uma travessia aérea campanhas geodésicas de África, o coman-
entre Lisboa e o Rio de Janeiro, com um dante Gago CouƟ nho.
prémio para o primeiro aviador que concre- Começou assim aquela que viria a ser a
Ɵ zasse este voo em menos de uma semana. mais notável epopeia aeronáuƟ ca portu-
Na atualidade pode parecer estranho, mas guesa.
que em 1919 era perfeitamente aceitável
e, até mesmo, incenƟ vado; afi nal estavam BapƟ sta Cabral
Decreto nº 5787-MMM, 10 de maio de 1919, que torna
ofi cial o projeto da Travessia Aérea do AtlânƟ co Sul a renascer desafi os da aviação dos tempos CFR
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