Page 20 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 546


              A EMERGÊNCIA DO PODER MARÍTIMO



              NOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


                 esde a Guerra Civil Americana, também   daqueles parques para o aprovisionamento   meira vez em décadas, a aproximação de
              Dconhecida como Guerra da Secessão,   de carvão, a nível global. Possuindo coura-  forças navais poderosas ameaçava seria-
              assumiram os líderes americanos que o seu   ças e armamento de grande calibre e maior   mente o território americano: a Califórnia
              país estava protegido pela boa fortuna pelo   alcance, os navios britânicos e alemães   é ameaçada pelas forças navais dos países
              facto de terem um oceano a Leste e outro   eram tecnologicamente superiores aos seus   sul-americanos e as Caraíbas fi cam expos-
              a Oeste, além de Estados fracos a Norte e   congéneres americanos.    tas às Marinhas europeias, que a parƟ r de
              a Sul. A geografi a conferia-lhes assim                                    aí podem dominar todo o comércio,
              o privilégio de poderem viver sem o                                       e, mais grave ainda, podem vir a colo-
              ónus de gastos com a defesa. O equi-                                      car em perigo a costa Oeste dos EUA,
              líbrio de poderes na Europa e a polí-                                     com a concreƟ zação do já perspeƟ -
              Ɵ ca de comércio livre do Reino Unido                                     vado canal no istmo do Panamá.
              implementada pela Royal Navy man-                                          O desenvolvimento do poder marí-
              Ɵ nha os mares abertos ao comércio                                        Ɵ mo americano, defi nido como a
              dos Estados Unidos da América (EUA).                                      capacidade de usar o mar para  fi ns
              Assim, com estes beneİ cios,  larga-                                      militares e comerciais e impedir um
              mente fora do controlo americano,                                         inimigo de o usar para os mesmos fi ns,
              os EUA apenas necessitavam de uma                                         começou a fazer caminho em 1897,
              Marinha modesta para alcançar obje-                                       com a nomeação de Theodore Roo-
              Ɵ vos pouco ambiciosos.                                                   sevelt como secretário assistente da
               De facto, as missões da Marinha                                          Marinha na administração de William
              limitavam-se à defesa costeira, que,                                      McKinley. O legado daquela Adminis-
              juntamente com a arƟ lharia de costa                                      tração e da posterior, de Theodore
              do Exército eram sufi cientes  para                                        Roosevelt, após o assassinato de
              defender o país de uma possível inva-                                     Mackinley, foi a emergência dos Esta-
              são, pelo que, no pensamento da                                           dos Unidos da América como grande
              elite dirigente, não havia qualquer                                       potência maríƟ ma, através da cons-
              necessidade de exercer o controlo                                         trução de uma esquadra oceânica
              do mar para alcançar a prosperidade                                       (Blue Water BaƩ le  Fleet). Este facto
              económica.                                                                infl uenciou profundamente as presi-
               Contudo, na década de 1880, com                                          dências seguintes, em parƟ cular a de
              as inovações tecnológicas resultantes                                     Woodrow Wilson e a de Franklin Roo-
              do advento da máquina a vapor e dos   RADM Alfred Thayer Mahan            sevelt, permiƟ ndo que em 1945, fruto
              desenvolvimentos políƟ cos  interna-                                      de uma políƟ ca baseada numa forte
              cionais, foi necessário repensar o papel da   Por outro lado, o equilíbrio de pode-  visão estratégica, num grande poder indus-
              Marinha. Com a propulsão autónoma, os   res na Europa, sobre o qual repousou a   trial e esforço logísƟ co, o maior oceano do
              navios  fi cavam dependentes dos parques   paz durante boa parte do século XIX, deu   mundo se tenha transformado num lago
              de armazenamento de carvão para reabas-  lugar à compeƟ ção entre os velhos impé-  americano e colocado os EUA no primeiro
              tecimento, verifi cando-se uma crescente   rios, o que, em grande medida, se refl eƟ u   lugar do pódio, na corrida pela ascensão a
              procura, por parte da Royal Navy e da Deuts-  na compeƟ ção pelo domínio das vias de   grande potência mundial.
              che Marine, no estabelecimento e controlo   comunicação maríƟ ma. Assim, pela pri-  De relevar, no entanto, que as origens
                                                                                    de uma elite intelectual de liderança naval
               USS Delaware                                                         dos EUA remontam ao estabelecimento
                                                                                    do Naval War College em Newport, Rhode
                                                                                    Island, em 1884. Quando o seu primeiro
                                                                                    presidente, o comodoro Stephen B. Luce,
                                                                                    defi niu como missão educar os ofi ciais dos
                                                                                    mais altos escalões da hierarquia, na con-
                                                                                    dução da guerra, encontrou no capitão-de-
                                                                                    -mar-e-guerra Alfred Thayer Mahan, um
                                                                                    porta-voz enérgico e determinado em esta-
                                                                                    belecer as bases do pensamento naval que
                                                                                    infl uenciaria, de forma marcante, as gera-
                                                                                    ções de líderes das várias marinhas durante
                                                                                    a primeira metade do século XX.

                                                                                                            Piedade Vaz
                                                                                DR                             CFR REF


              20   DEZEMBRO 2019
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