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REVISTA DA ARMADA | 546


              NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA                                                                        81



              O Vazio…


























                                                                                   “O Vazio ocupa um espaço imenso…”
                                                                                                  Frase de autor anónimo

                 vazio é um estado de alma. Usado de forma correta, pode ser o   do orçamento da Direção de Saúde, quer muitas vezes, indireta-
              O  princípio do autoconhecimento, ou a medida – muito pessoal e   mente, através de termos de responsabilidade passados pelo Hos-
              individualizada – do sofrimento pessoal. Os médicos existem, gene-  pital da Marinha, por todos os tratamentos necessários fora da
              ricamente, por uma única razão: o alívio do sofrimento humano.   Marinha, mesmo a anƟ gos marinheiros, já na reforma. O Hospital
              Assim, eu procurei sempre estar atento ao vazio do paciente indi-  da Marinha, estrutura que possuía muitas camas, teve – verifi quei-o
              vidual, que me procurou ao longo de uma vida clínica. Na posição   frequentemente – também um papel importante em cuidados con-
              que agora – por ironia do desƟ no e pela superior vontade da Mari-  Ɵ nuados/paliaƟ vos. Este apoio permiƟ a à família procurar uma solu-
              nha – ocupo, procuro atender ao vazio de toda uma insƟ tuição, que,   ção defi niƟ va e ao militar a preservação da sua dignidade.
              no que diz respeito à saúde, me procura por variadíssimos aspetos,   Muitos desses velhos militares fi cam surpresos – apesar de toda a
              quase sempre para além da capacidade atribuída ao lugar que,   informação pública sobre a Reforma da Saúde Militar – com a ine-
              humildemente, procuro honrar…                       xistência de soluções para estes problemas, no contexto restrito da
               Na verdade, existem muitos fatores de perplexidade atual, no que   Saúde Naval. Na maior parte dos casos, a única coisa que se pode
              à Saúde diz respeito aos Marinheiros. Em primeiro lugar, parece   fazer é o recurso a amigos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), na
              incompreensível a quem já não está no aƟ vo e que, dadas as reco-  tentaƟ va de tentar minorar as aludidas difi culdades. Sim, como o lei-
              nhecidas insufi ciências do Hospital das Forças Armadas, tem recor-  tor atento já percebeu, em termos de cuidados conƟ nuados/paliaƟ -
              rido ao setor convencionado, as sucessivas ameaças de reputadas   vos, o SNS permite um acesso muito mais facilitado do que o atual
              insƟ tuições privadas de cancelamento da prestação de serviços pela   Sistema de Saúde Militar (que não tem resposta para tanta procura).
              Assistência na Doença aos Militares (ADM), por – de acordo com   Assim, daqui recomendo a todos os anƟ gos marinheiros que pro-
              as referidas insƟ tuições – falta de pagamento… A incompreensibili-  curem estar inscritos no Centro de Saúde da sua área de residência.
              dade, claro, vem sobretudo do facto de que os militares passaram a   Aconselho, também, a que façam visitas regulares ao seu médico
              contribuir signifi caƟ vamente com os seus descontos para a ADM…  de família, que futuramente lhes poderá abrir caminhos no SNS, a
               Frequentemente, enquanto prestei Serviço no HFAR, fui confron-  que os militares são geralmente alheios (para não dizer avessos).
              tado com os pedidos de militares, ou dos seus familiares e amigos,   Na verdade, este é o único conselho honesto que deste fórum lhes
              que haviam sido admiƟ dos em insƟ tuições privadas, usando os   posso fornecer, lamentando o sofrimento e perplexidade a que são
              acordos de convenção com a ADM, acreditando que não se tratava   sujeitos e aceitando as culpas de um sistema que não controlo, nem
              de situação grave. Mais tarde, a situação clínica acaba por evoluir   tenho capacidade real para resolver.
              para um inevitável internamento. Esse internamento, quer em cui-  Perdoo-lhes o insistente recurso à Direção de Saúde da Marinha. Afi -
              dados intensivos quer, noutros contextos, em cuidados paliaƟ vos,   nal apenas seguem o que, enquanto no Serviço AƟ vo, lhes terá sido
              implica despesas não suportadas pelos acordos de convenção que   transmiƟ do: que a Marinha cuidaria deles na  Saúde e na Doença, na
              afetam inúmeros marinheiros – de todos os postos e idades – já que   Juventude e na Velhice. Acreditam que deveria ser assim, como com-
              os preços, não fi ltrados pela convenção, raramente são suportados   pensação pelos muitos riscos a que a vida naval os sujeitou… Lamento
              pela maior parte de nós (aliás como acontece com a maioria dos   que a minha resposta tenha que ser sempre um vazio “nada posso
              portugueses…).                                      fazer” … Posso apenas, hoje e aqui, afi rmar que aquela frase também
               Muitos destes pedidos, geralmente desesperados, de ajuda, ainda   aumenta a minha perplexidade, aumenta o meu Vazio… e que, sim,
              acabam na Direção de Saúde. Acredito que provém de uma cultura   de facto o Vazio ocupa um espaço imenso na minha alma…
              de outrora, em que a Marinha se responsabilizava por praƟ camente
              todas as despesas de saúde, quer enquanto no aƟ vo, diretamente                                     Doc


                                                                                                      DEZEMBRO 2019  29
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