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REVISTA DA ARMADA | 554
                                                      ALMIRANTE VIEIRA MATIAS (1939-2020)




               Era um excelente contador
              de histórias e havia duas que
              o entusiasmavam parƟ cular-
              mente – a da célebre Batalha
              Real a que agora, dizia ele, se
              teimava erradamente em cha-
              mar de Aljubarrota e o facto
              de não aceitar que o primeiro
              Almirante Ɵvesse sido Manuel

              Pessanha, o genovês, pois
              para ele Ɵnha sido Dom Fuas

              Roupinho, um bom português.
               Toda esta profusão de exten-
              sos conhecimentos que natu-
              ralmente emergiam das suas
              conversas, levava-me por ve-
              zes a ver nele um príncipe da
              renascença, mas com os pés
              bem assentes no século XXI.
              A sua preocupação em man-
              ter-se atualizado levava-o a
              acompanhar os temas da de-
              fesa e da segurança nacional
              e internacional, mas também
              as áreas do futuro como a
              biotecnologia, as engenharias
              İsica e química, sendo um

              entusiasta dos avanços do di-
              gital. E o mar, sempre o mar,
              sua preocupação maior, de
              que era um paladino defen-
              sor. Escreveu muito e os seus
              escritos foram publicados,

              consƟtuindo excelentes refe-                                                                            Fotos SAJ A Ferreira Dias
              rências deste tema.
               Todas estas suas caracterísƟ -
              cas fizeram com que, já refor-

              mado,  Ɵvesse sido convidado a lecionar   dobradas e singelas, passou a indicar a   que fosse criada uma nova Comissão Par-


              no InsƟtuto de Estudos PolíƟcos da Uni-  hora do início das sessões, lembrando o   lamentar para os Assuntos do Mar. E de

              versidade Católica e sido eleito membro   modelo usado a bordo para assinalar o   novo lutou até ao fim, sempre com a espe-

              da Academia Portuguesa da História e da   tempo decorrido desde o início dos quar-  rança de vencer mais esta batalha da sua
              Academia das Ciências de Lisboa. Ocupou   tos, antes, e mesmo depois, da invenção   vida. E muitas vezes o ouvi dizer: “tanta
              ainda altos cargos na Sociedade de Geo-  do cronómetro de bordo. Estou certo que   emboscada que eu venci na Guiné e esta

              grafia de Lisboa, na Liga dos Combatentes   esta tradição perdurará.   agora está mais diİcil de ultrapassar”.

              e na Sociedade Histórica para a Indepen-  Já sob a minha presidência acompa-  Só que o combate agora era desigual.
              dência de Portugal. Até ao fi nal pertenceu   nhou, enquanto pôde, as sessões da Aca-  Não era uma emboscada montada por

              ao Conselho de Curadores da Fundação   demia. Sempre intervenƟvo, era dos pri-  homens… era de outra dimensão.
              Oceano Azul.                       meiros a pedir a palavra. Foi um homem   Mas o exemplo da luta, dos princípios, da
               Toda esta vivência fez dele um muito   notável que nos vai fazer muita falta. Mas   amizade, da sã ligação familiar que man-
              presƟgiado Presidente da Academia de   será sempre lembrado como sucede a   teve ao longo da sua vida e do seu exem-

              Marinha, cargo que exerceu durante cerca   quem deixa marca, e principalmente por   plar profi ssionalismo, ficará para sempre.

              de sete anos. Nesse período foi clara a   mim que o Ɵve por chefe direto por três   À Maria Francisca, sua mulher, ao João

              dinamização introduzida, trazendo rigor e   vezes e quis o desƟ no,  Ɵ vesse  também   e à Ana Francisca, seus filhos e aos seus

              um pouco mais do sal da nossa experiên-  vindo ocupar esses mesmos lugares por   netos Rita, Maria e Manuel, deixo a minha


              cia como oficiais da Armada, temperando   onde Ɵnha passado, para além do úlƟ mo,   amizade de muitos anos.
              o puro academismo com os conhecimen-  a Presidência da Academia.       Descanse com a merecida paz depois
              tos práƟcos dos homens que conhecem   Sempre foi um homem de causas pelas   desta tão prolongada e inglória luta. Até

              e viveram o mar. Não posso esquecer o   quais se baƟa com convicção. Lembro   sempre amigo.

              pequeno, mas importante detalhe, tão   apenas a sua revolta quando se aceitou
              marinheiro, de ter trazido para a Acade-  que o 1º de d ezembro pudesse deixar          Francisco Vidal Abreu
              mia um sino que, com as suas badaladas   de ser feriado, ou quando se bateu para                Almirante
                                                                                                        AGOSTO 2020  13
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