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REVISTA DA ARMADA | 554
ALMIRANTE VIEIRA MATIAS (1939-2020)
no âmbito de um novo conceito estraté- sua notável presidência na Academia de
gico nacional. A obra, que contou também Marinha. Aí testemunhei o seu interesse
com o apoio da Fundação Gulbenkian pela História Militar, na dupla vertente do
e do Oceanário de Lisboa, foi publicada conhecimento e da homenagem, que só a
em 2010 (PolíƟcas Públicas do Mar, Lis- memória exacta pode servir. O seu empe-
boa, Esfera do Caos). Os 17 contributos nho foi fundamental, por exemplo, para
de especialistas e as 7 linhas de acção ali a publicação em Portugal do excelente
traçadas, conƟnuam válidas hoje, como estudo do historiador militar norte-ameri-
o eram há uma década. Durante esses cano John P. Cann: A Marinha em África. As
dois anos de trabalho regular, o Almirante Campanhas Portuguesas em Águas Inte-
nunca deixou de escutar atentamente os riores de 1961 a 1974. Cann, ele próprio
membros da nossa equipa. Jamais colo- um aviador naval reformado, surpreende
cou em cima da mesa a densidade da sua pela quanƟdade prodigiosa de informação
biografia como argumento de autoridade, que reúne, muita colhida junto de deze-
num sinal de rara grandeza moral. nas de veteranos, delineando num fresco
Outra aposta de Vieira MaƟas foi a vida bem estruturado, a estratégia operacional e global tendente a evitar o colapso civi-
académica, traduzida em parƟ cular na da luta travada nas águas interiores da lizacional que a conƟnuação do actual
Guiné, de Angola e Moçambique, modelo de economia e da presente orga-
pela Marinha Portuguesa. Cann nização do sistema internacional – se
mostra como se criou, de modo ambos não sofrerem reformas profundas
inteligente e flexível, um conceito – necessariamente implicará. Para o Almi-
inovador de Marinha para as águas rante Vieira MaƟas, o trabalho na FOA
interiores, que em 1970 chegou a inseria-se, naturalmente, no seu percurso
incluir 143 unidades. de vida, em prol de uma visão integrada
O meu contacto mais intenso do mar, como realidade estratégica, eco-
com o Almirante reanimou-se a lógica, económica, social e cultural. As
parƟr de 2017, com o nosso tra- suas qualidades humanas fi caram bem
balho conjunto no âmbito do patentes, para todos os que com ele tra-
Conselho de Curadores da Funda- balharam, no modo como, enfrentando já
ção Oceano Azul (FOA), insƟ tuída um diİcil quadro clínico, jamais teve um
nesse ano, mas radicando num gesto de autocomiseração, ou deixou que
longo trabalho anterior. A Mis- a doença entrasse na agenda de trabalho.
são da FOA traduz-se em acções Se é verdade, como nos ensina Aristóte-
concretas projectadas em diver- les, que a virtude implica o hábito, então
sos planos: cienơfi co, ambiental, a aƟ tude como o Almirante Vieira MaƟ as
pedagógico, educaƟ vo, conver- enfrentou a forma suprema de adversi-
gindo na necessária protecção dade revela que nele habitava generosa-
ecológica dos Oceanos. A acção mente a virtude da coragem.
da FOA insere-se no quadro dos
esforços de muitos actores e insƟ - Professor Doutor Viriato Soromenho-Marques
tuições em todo o mundo, visando
uma mudança nacional, europeia N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co
UM PATRIOTA, UM ATLANTISTA,
UM CAVALHEIRO
omo escrevi na minha homenagem género de eventos. Mas – o que já não é Lembro-me exactamente das razões que
Cpessoal a Almirante Vieira MaƟ as nada frequente – conƟnuámos a conver- me deslumbraram nesse primeiro contacto
no jornal Observador, em 15 de Junho, sar insistentemente e sem interrupção. com Almirante Vieira MaƟas, há 24 anos.
recordo sem hesitação que o meu primeiro Ao cabo talvez de uma hora, vozes amigas Havia desde logo a postura nobre de um
contacto com Almirante Vieira MaƟ as alertaram-nos para que devíamos tentar gentleman, que imediatamente me caƟ -
ocorreu em 1996, por puro acaso, numa conversar com os outros convidados, em vou. E havia mais. Eu Ɵnha acabado de
recepção na residência do Embaixador vez de ficarmos em intensa ‘reunião’ a regressar de uma estadia de 4 anos em
americano em Lisboa. Começámos a con- dois. Assim fizemos, contrariados, e trocá- Inglaterra e de 2 anos na América. Tinha aí
versar por acaso, como é frequente neste mos rapidamente os nossos contactos. descoberto uma nobre tradição maríƟ ma
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