Page 19 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 554
Porém, os EUA mantêm uma forte presença no DR
estreito e patrulham intensamente a região, atra-
vés de meios da sua 7ª esquadra , que opera quer
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a parƟr de Diego Garcia, quer de outras bases
parƟlhadas com as Forças Armadas de Singa-
pura – principalmente Paya Lebar e a base naval
de Changi no estreito de Johor. A Austrália tem
uma base militar em BuƩerworth, na Malásia.
Os ingleses, por seu turno, dispõem de uma base
naval no porto de Sembawang, em Singapura.
É, pois, nesta região, plena de diversidade,
rica de culturas, com línguas e religiões diferen-
tes, atravessada por conflitos inter e intra esta-
tais, que se situa o estreito de Malaca, fonte de
riqueza para a Malásia, a Indonésia e, principal-
mente, Singapura. A eventual construção de um Estreitos que separam os oceanos Índico e Pacífi co.
canal no estreito de Kra na Tailândia, ligando os
dois oceanos, alteraria profundamente as dinâmicas regionais: não diretamente beneficiam (Singapura, Malásia e Indonésia).
só colocaria a Tailândia como potência local predominante, mas Para a Tailândia é uma oportunidade para a instalação e desen-
também implicaria um certo declínio para Singapura, a Malásia e volvimento de indústrias navais, e de logísƟca, que são fontes de
mesmo a Indonésia. prosperidade em Singapura e na Malásia. Logo a parƟr das pri-
meiras escavações seriam expectáveis, localmente, surtos indus-
RACIONALIDADE ECONÓMICA DA triais e económicos.
CONSTRUÇÃO DO CANAL DE KRA Mianmar e o Vietname também lucrariam, ao reposiciona-
rem os seus portos em concorrência direta com Singapura, fruto
A construção de um caminho de ferro entre a China e a Europa, das vantagens derivadas da proximidade das entrada e saída do
no âmbito da Nova Rota da Seda, despoletou um debate sobre a canal. Também o Laos sairia a ganhar; sendo um país encravado,
rapidez de transporte entre a Ásia e a Europa por ferrovia e por via todo o seu comércio externo passa pela Tailândia, que passaria
maríƟma, colocando muita pressão em economias exportadoras a dispor de melhores infraestruturas. Ter-se-ia assim um impacto
de bens como a japonesa ou a coreana. As companhias de trans- posiƟ vo em grande parte do Sudeste AsiáƟ co.
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porte maríƟmo procuram agora explorar todas as possibilidades Tudo indica, pois, que a construção do canal de Kra tem por trás
de reduzir milhas e dias de navegação nos trânsitos. O canal de uma poderosa racionalidade económica, para além das razões
Kra poderia poupar 648 NM e até 3 dias de navegação, “cuƫ ng securitárias de que a China, seguramente, usufruirá ao reduzir a
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the cost of a 100,000-ton cargo ship voyage by about $300,000” . sua exposição ao estreito de Malaca – vital para a sua economia e
O canal atrairia igualmente os maiores e mais modernos navios para o seu abastecimento energéƟco, mas dominado pelos EUA.
e mesmo os superpetroleiros, que não podem passar pelo
estreito de Malaca e se vêm obrigados a passar por Lombok, EXEQUIBILIDADE
bastante mais a sul. Evitando Lombok, as poupanças seriam da
ordem dos 3500 Km e até 5 dias de navegação. A Tailândia, o estado que mais tem a ganhar com o canal, não
O número de navios que atravessam o estreito de Malaca está tem nem recursos financeiros, nem humanos para, por si só, o
a aproximar-se rapidamente do ponto de saturação o que pode construir. Assim terá sempre de recorrer ao invesƟ mento estran-
ser um sério problema para o desenvolvimento económico da geiro. O único país que, nesta matéria, tem simultaneamente
generalidade dos países asiáƟcos, incluindo os que dele mais músculo financeiro e, objeƟvamente, um interesse coincidente
com a Tailândia na abertura do canal, é a RPC.
DR A escavação e construção do canal é, em si mesma,
um forte desafio de engenharia, embora perfeita-
mente ao alcance da tecnologia atual.
VENCEDORES E PERDEDORES
A construção do canal dará sempre azo a vence-
dores e perdedores. Do lado dos vencedores alinha-
rão: a Tailândia, que se afirmará como a potência
económica da região, vendo o seu poderio consi-
deravelmente aumentado; a China que se libertará
dos constrangimentos do estreito de Malaca; países
próximos como Mianmar, o Laos e o Vietname, que
sairão beneficiados do ponto de vista económico; e
até o Japão, a Coreia e mesmo as Filipinas e Taiwan,
ao poderem beneficiar da redução do custo do trans-
porte de energia e do transporte maríƟmo dos seus
produtos para a Europa e para a Ásia ocidental.
Do lado dos perdedores alinharão: a Malásia e Singa-
pura, dado o impacto negaƟ vo, signifi caƟvo, do canal
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