Page 20 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 554

              nas economias, e principalmente os EUA,
              ao perderem a capacidade de estrangular o
              comércio e o abastecimento energéƟ co chi-
              nês, japonês e coreano. Tal acarretará uma

              séria perda de influência dos EUA na região.

              DUELO EM CURSO
               Temos assim que duas realidades geográ-

              ficas, um estreito e um istmo, geografi ca-

              mente conơguas embora poliƟ camente  e
              geoestrategicamente separadas, disputam
              entre si a supremacia na ligação entre os
              Oceanos Índico e Pacífico. Até hoje a pai-

              sagem natural, o estreito, tem prevalecido,
              porque o istmo, para se consƟ tuir  como

              alternaƟva, tem de ser aberto e nele cons-
              truído, com custos elevados, um canal.
               Este duelo, aqui definido como uma con-


              tenda ou conflito entre duas enƟ dades,
              assume diversos níveis de relevância desi-                                                           DR
              gual. Num nível mais macro, o duelo insere-
              -se no contexto de uma crescente compeƟ ção entre a China e os   CONCLUSÕES
              EUA; num nível médio, corresponde ao embate entre a Tailândia
              e outras potências locais pela liderança do sudeste asiáƟ co; fi nal-  Com uma jusƟficação económica poderosa – a saturação do


              mente a nível micro, dará azo a uma luta pela atração de indústrias   estreito de Malaca e o desenvolvimento económico que propi-

              de construção e reparação navais, de serviços de logísƟca e trans-  ciaria a grande parte do Sudeste AsiáƟco – o canal de Kra aca-


              portes e de todo um cluster ligado ao mar.          bará, seguramente, por se concreƟzar. A questão que se coloca é
               A estratégia dos apoiantes do estreito tem sido a mesma ao longo   de saber se será iniciado nos próximos anos, em resultado duma
              dos séculos: impedir a construção do canal. Para isso têm recorrido   resolução firme e defi niƟva da Tailândia, ou se este país conƟ -


              a todo o Ɵpo de armas –  diplomáƟcas, económicas e políƟ cas. Até   nuará a ceder às pressões americanas e dos estados do estreito,


              ao início do século XXI, as potências com capacidade fi nanceira e   protelando uma decisão favorável.

              técnica para fazer a gigantesca obra dominavam, de uma forma ou   Não tendo a Tailândia os meios, financeiros e humanos, neces-
              outra, o estreito, pelo que a sua moƟvação era baixa.   sários, precisa de um parceiro que a apoie neste empreendi-


               A parƟ r  de  finais do século XX, a emergência da RPC como   mento de dimensões gigantescas. A RPC surge como a única

              potência económica exportadora mas dependente da importa-  alternaƟva; tem músculo em termos de capitais e de recursos
              ção de hidrocarbonetos, cuja rota passa pelo estreito dominado   humanos especializados e tem vontade em construir uma alter-


              por potências hosƟs, veio alterar os dados da equação. Surgia um   naƟva que lhe permita evitar o estreito de Malaca e garanƟ r a
              Estado com real moƟvação e com músculo financeiro e técnico   segurança do seu abastecimento energéƟco e do seu comércio




              para levar a cabo esse desígnio.                    maríƟmo com o Médio Oriente e a Europa.
               Em simultâneo, a globalização veio colocar enorme pressão sobre   A concreƟzar-se a construção do canal, ele levará a uma alte-

              o estreito que viu o tráfego crescer de forma robusta nas úlƟ mas   ração relevante no equilíbrio de forças no sudeste asiáƟ co, com
              décadas, aproximando-se do ponto de saturação. Acresce que o   a Tailândia a assumir um papel mais preponderante, a China a

              transporte maríƟmo, da Ásia para o Médio Oriente e para a Europa   aumentar a sua influência e, em contraparƟ da, assisƟr-se-á a um


              enfrenta hoje a concorrência do caminho de ferro modernizado e   declínio de Singapura e da Malásia e a uma redução da infl uência
              alargado no âmbito da rota da seda. Finalmente, a cada vez maior   americana em toda a Ásia.
              importância dos navios de grande dimensão, cujo calado não per-  A composição do governo será sempre decisiva para determi-

              mite a circulação no estreito de Malaca. A simples racionalidade   nar se a Tailândia avança ou se conƟnua a adiar o projeto que
              económica empurra para a construção do canal, que daria uma   poderá moldar o seu futuro por muitas décadas.
              nova compeƟƟvidade ao transporte maríƟmo, diminuindo custos



              e tempos de transporte das mercadorias.                                              Jorge Fonseca de Almeida
               Pressões internacionais têm impedido a Tailândia de tomar                           Doutorando em Sociologia

              uma decisão defi niƟva em relação a este dossier. As divisões

              políƟcas internas, a presença de um confl ito separaƟ sta no seu
              território, de alguma forma apoiado pela Malásia e um sistema   Notas

              políƟco prisioneiro de um ciclo ditadura militar – democracia (até   1  Expressão anglo-saxónica designadora dum ponto de estrangulamento geográfi co
              2014) – ditadura militar muito contribuem para essa paralisia.   em ambiente maríƟ mo.

               O recente retorno à democracia na Tailândia (no seguimento   2  Este valor tem vindo a crescer nas úlƟmas décadas (SeaNews, 2018).

              das eleições de 2019 que, porém, não levaram ao fi m completo   3 4  Acrónimo de Ship ReporƟng System in the Strait of Malacca and Singapore.
                                                                      A Seventh Fleet, em termos de meios de combate, é consƟtuída por 50 a 70 navios e


              do regime militar), a situação de congesƟonamento do estreito, o   submarinos e 140 aviões. Em terra e no mar dispõe dum efeƟvo de 20.000 marinhei-

              apoio da China, são elementos que podem contrariar a estratégia,   ros. Conta ainda, em prol da sua autossufi ciência, com cerca de 50 navios de apoio

              até hoje bem sucedida por parte dos apoiantes do estreito, de impe-  logísƟco, quer próprios quer contratados, na sua maioria baseados em Singapura.
                                                                      Shimada, 2015.
                                                                    5
              dir o istmo de se dotar de um canal. Se assim for, o duelo termina e   6  Sulong, 2012.
              abrir-se-á uma fase de coexistência das duas rotas maríƟ mas.
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