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REVISTA DA ARMADA | 556


































              Fig. 2 – A primeira viagem de circum-navegação

              fi rme vontade e a perseverança do capitão-general português a   Não tendo granjeado fortuna nas suas andanças pelo Oriente
              garanƟ r que a viagem não terminava antes de começar.  (1505-1513) e pelo Norte de África (1514), por duas vezes Maga-
               De resto, o piloto basco nem sequer é mencionado no relato de   lhães solicitou, em audiência com D. Manuel, o aumento da sua
              Antonio PigafeƩ a, o cronista da expedição, embora alguns historia-  tença, tendo em conta os serviços prestados. E por duas vezes o
              dores espanhóis – menos dados à autofl agelação do que muitos dos   rei rejeitou o pedido com brusquidão, provavelmente agastado
              seus colegas portugueses – insinuem que a versão difundida, datada   com a ousadia do seu interlocutor, à qual se juntavam rumores
              de 1525 (o diário original foi perdido), terá sido condicionada pelo   de conduta imprópria na distribuição dos despojos da guerra em
              editor francês de modo a diminuir a glória de Espanha. Se assim   terras marroquinas. Humilhado pelo desprezo a que era votado
              foi, a coroa castelhana não se terá mostrado, na altura, muito preo-  pelo monarca – que não lhe deu sequer a mão a beijar – Maga-
              cupada com este suposto apagamento do nome do seu súbdito.   lhães ainda pediu permissão para oferecer os seus serviços a
              Para já, e salvo melhor opinião, os escritos do italiano consƟ tuem a   outro soberano, ao que D. Manuel lhe terá dito, secamente, que
              versão mais imparcial da viagem. Foi graças a eles que perdurou o   fi zesse o que lhe aprouvesse.
              nome de um herói mal-amado pelas duas nações que serviu.  Ficava o navegador, deste modo, livre das suas obrigações para
                                                                  com a coroa portuguesa. É, no entanto, inegável que a sua oferta
              MAGALHÃES FOI UM TRAIDOR?                           a Carlos I de Espanha, no senƟ do de lhe garanƟ r a posse das ilhas
                                                                  Molucas, prefi gurava um claro atentado contra os interesses por-
               Antes de respondermos a esta pergunta, convém ter presente   tugueses. Este facto tornou Magalhães, durante muito tempo,
              que o conceito de Pátria ainda não exisƟ a no século XVI, havendo,   uma fi gura “maldita” na historiografi a nacional, tendo os seus
              sim, a noção de fi delidade a um soberano.           méritos sido, entre nós, tardiamente reconhecidos.
                                                                    Porém, nem mesmo em Espanha o seu nome encontrou glória
                                                                  imediata, já que os conspiradores sobreviventes fi zeram valer a
                                                                  sua versão da história. Mas também estes não se viram enalteci-
                                                                  dos, apesar do branqueamento das suas acções, já que os objec-
                                                                  Ɵ vos da viagem não Ɵ nham sido aƟ ngidos.

                                                                  UMA MISSÃO FALHADA
                                                                    Um aspecto que temos de ter em conta, ao utilizar a expres-
                                                                  são “Primeira Viagem de Circum-Navegação”, é que o objec-
                                                                  tivo da expedição não era circum-navegar o Globo, mas sim
                                                                  atingir as Molucas por Ocidente – naturalmente, contando,
                                                                  para o efeito, com a esfericidade da Terra – e reclamar a sua
                                                                  posse para Espanha, uma vez provado, como julgavam os pro-
                                                                  motores da aventura, que se situava no hemisfério que o Tra-
                                                                  tado de Tordesilhas atribuíra a Castela. As instruções deixadas
                                                                  por Carlos I a Magalhães eram claras no sentido de não entrar
                                                                  nos espaços marítimos sob jurisdição portuguesa e é provável
                                                                  que este tencionasse regressar pelo mesmo caminho da via-
                                                                  gem de ida.


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