Page 26 - Revista da Armada
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31 A QUESTÃO DA PASSAGEM INOFENSIVA
PARTE II
ABORDAGEM TAXATIVA rias, as normais internacionais relacionadas com a prevenção
OU EXEMPLIFICATIVA de abalroamentos no mar. Aduzem, ainda, aqueles autores,
que reforçam este seu entendimento as condições referidas
grande questão que se tem colocado quanto à caracte- nos arƟ gos 27º e 28º, respecƟ vamente, quanto ao exercício
A rização jurídica da passagem relaciona-se com o âmbito da jurisdição penal e civil, a bordo de um navio no mar terri-
normaƟ vo das situações reguladas no nº2 do arƟ go 19º, torial pelas autoridades do Estado costeiro.
designadamente se os casos ali previstos são meramente
exemplifi caƟ vos ou, ao contrário, de cariz taxaƟ vo. Auto- ABORDAGEM SISTÉMICA.
res como Marques Guedes , Túlio Treves, Ronziƫ e Lynce
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de Faria defendem a doutrina do carácter exemplifi caƟ vo, A TIPOLOGIA DELIMITATIVA
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sendo que, por outro lado, alegam que o elenco é taxaƟ vo Autores há que, ponderadamente, entendem que nenhuma
Carlos Piernas e Joaquim Zenha Rela. Optamos, claramente, das duas posições defendem, por si, o real senƟ do do que
pela primeira doutrina , não apenas pelo contexto norma- se pretende com o normaƟ vo, devendo ser entendida como
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DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
Ɵ vo do que se pretende e defi ne no nº1 do preceito , mas delimitaƟ va porque somente tal qualifi cação pode tornar
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sobretudo pelo teor jurídico que se entendeu dar à alínea os elementos interpretaƟ vos harmónicos entre si. O preten-
l), a qual é expressiva, ainda que não lhe dediquemos uma der conseguir-se uma maior segurança jurídica - que está
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análise meramente literal . Importa, contudo, pela relevân- obviamente subjacente ao próprio conceito introduzido pela
cia, atender ao debate teórico sobre esta questão. Convenção de 1982 - estará, na opinião daqueles, potencial-
mente em confl ito com a Ɵ pologia exemplifi caƟ va do arƟ go
A DOUTRINA DO CARÁCTER 19º. De facto, assumindo-se um grau signifi caƟ vo de discri-
cionariedade, poder-se-ia - dizem - quesƟ onar onde esta-
NÃO EXEMPLIFICATIVO ria o limite para a actuação dos Estados, inclusive porque,
Parecerá que o conteúdo - claramente de senƟ do amplo como tem sido analisado e verifi cado em variados casos, em
- da alínea l), do nº2, do arƟ go 19º, aponta para o teor exem- situações de grande urgência de actuação das autoridades, o
plifi caƟ vo e parece, também, que a adopção de uma redac- fenómeno da segurança tende a sobrepor-se ao princípio da
ção taxaƟ va esvaziaria de conteúdo o nº1 do preceito no qual liberdade, elemento de análise que não pode ser descurado
está defi nido o conceito geral aplicável. Aduzem alguns auto- quando estão em causa poderes soberanos.
res, contudo, que o caso poderá não ter uma leitura tão sim- Por outro lado, a Ɵ pologia taxaƟ va chocará com o enqua-
ples. Desde logo porque a alínea l), defendem, só se arƟ cula dramento sistemáƟ co que é dado pelo nº2 do arƟ go 19º,
com o nº1 do mesmo arƟ go se se enveredar por uma Ɵ po- pois não se entenderia a uƟ lidade da referência autónoma
logia delimitaƟ va, ou seja, os casos de passagem inofensiva do nº1 quanto aos valores a proteger. A referida alínea l)
podem ser ampliados, mas em sede de analogia legis que implica directamente com o senƟ do da Ɵ pologia delimita-
terá como referência os Ɵ pos previstos no nº2 do arƟ go 19º. Ɵ va, porque permite a ampliação dos casos de passagem
A base de interpretação de outros casos terá que ser sempre não inofensiva, mas nos termos da analogia legis dos Ɵ pos
encontrada nos Ɵ pos já previstos, numa lógica sistémica de previamente estabelecidos, e que representarão acƟ vidades
aplicação da Convenção. que não estão directamente relacionadas com a passagem,
O arƟ go 19º demonstraria, assim, o propósito de afastar o como se depreende do termo “outra”; bastaria, neste con-
recurso a outras normas de Direito Internacional para a con- texto, atentar na amplitude de interpretação que poderia
creƟ zação do conceito, admiƟ ndo-se aquela analogia, pese ser assumida defendendo-se o vocábulo outra até às úlƟ mas
embora possam ser considerados outros casos de ius pas- consequências .
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saggii especifi camente considerados, como sejam situações
de terrorismo em que os tripulantes ou os sequestradores - A QUESTÃO DO ARTIGO 19º
ou mesmo o Estado de bandeira do navio - nada tenham que E OS DIREITOS DE REGULAMENTAÇÃO
ver com o Estado costeiro. A própria Convenção, adiante,
mas na mesma Subsecção A, nos arƟ gos 20º a 23º, consagra PREVISTOS NOS ARTIGOS 21º A 25º
situações de passagem inofensiva, algumas das quais encer- Pela sua relevância, importa, ainda, aferir a relação jurídica
ram regimes autónomos como resulta da redacção do arƟ go entre o preceituado no arƟ go 19º e o âmbito que se reƟ ra dos
20º sobre submarinos navegando à superİ cie . arƟ gos 21º e seguintes, também eles inclusos na Parte II . O
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Os autores que defendem esta linha referem, como sus- quadro jurídico estabelecido no nº2 do arƟ go 19º é imposi-
tento da sua posição, que é decisivo o teor do nº4 do arƟ go Ɵ vo, no senƟ do em que Ɵ pifi ca as situações não inofensivas,
21º pelo qual os navios estrangeiros, exercendo o direito de que permitem, no quadro das medidas previstas na lei, uma
passagem inofensiva, devem observar as leis e regulamentos atuação e execução imediata por parte do Estado costeiro. As
do Estado costeiros internacionalmente publicitadas, relaƟ - normas dos arƟ gos 21º e 23º permitem estender a aplicação
vas a matérias elencadas, que correspondem ao reduto da do seu direito interno à navegação no mar territorial sobre
sua soberania e que deverão ser observadas para que a pas- aquelas ou outras matérias nos termos do Direito internacio-
sagem seja considerada inofensiva. Acrescem a estas maté- nal, sendo signifi caƟ va, por exemplo, a forma como o legis-