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REVISTA DA ARMADA | 563

































          O hemisfério de Portugal segundo o Tratado de Tordesilhas, numa representação muito semelhante ao mapamundo "neo-ptolomaico" do "Atlas Miller", e também da
          autoria do mesmo António de Holanda, na Crónica de Duarte Galvão, e também datável de c.1519 (Biblioteca Pública Municipal do Porto, Porto)

          O ATLAS FEITO PARA TENTAR



          CONTRARIAR A VIAGEM DE FERNÃO


          DE MAGALHÃES



          2ª PARTE        1


          O "Atlas Miller" havia sido considerado desde sempre o mais famoso da cartografia mundial da época dos Grandes Descobrimentos
          Geográficos, e a jóia principal do Département des Cartes et Plans da Bibliothèque nationale de France. Mas estava à espera de ser
          decifrado — compreendido, e explicado —, na sua verdadeira natureza, na sua motivação, e na sua razão de ser.
          Por isso os estudos que acompanharam em 2006 a réplica "quasi-original" criada em 2003 em Barcelona por Manuel Moleiro Editor
          trouxeram novidades extraordinariamente surpreendentes e que iluminaram com nova luz, e mudaram para sempre, não somente
          o que até então se sabia acerca dessa obra-prima da Cartografia e da Arte do Renascimento, mas também, a nível mais geral, o que
          até então se sabia, ou julgava saber, acerca das origens e dos inícios da Cartografia dos Descobrimentos Portugueses (séculos XV-XVI).
          Quanto a essa Cartografia, foi aprofundada a análise da sua primeira "escola" familiar conhecida, a "escola" constituída por Pedro
          Reinel e o seu filho Jorge Reinel, e concluiu-se que esses dois homens — os mais antigos cartógrafos efectivamente conhecidos de Por-
          tugal, dos Descobrimentos Geográficos e da Expansão Colonial Europeia — eram portugueses com origens étnicas em alguma medida
          africanas (!) e que, por isso, eram referidos pelos seus compatriotas de então como sendo "negros" [sic].

          UM LUXUOSO INSTRUMENTO DE CONTRA-INFOR-             1519 conspíquo e luxuosíssimo, de "Cartas para Príncipes", que é
          MAÇÃO GEOPOLÍTICA E GEOESTRATÉGICA (CONT.)          o "Atlas Miller".
                                                               Seria legítima e sincera essa regressão? Ou seria um delibera-
            omo o signatário mostrou em 2005-2006 em Coimbra e Bar-  do e consciente ludíbrio, uma mistificação geográfica, cozinhada
         Ccelona, seria absolutamente incompreensível que os Portu-  para fins geopolíticos de intoxicação alheia? A resposta é óbvia. E
          gueses, que desde os anos 80 do século anterior (com resultados   nada disto foi por acaso. Esta mesma estranha cosmovisão apare-
          visíveis nas cartas de Martellus de 1489-1490) e depois sobre-  ce defendida por Duarte Pacheco Pereira, antigo colaborador do
          tudo nas primeiras décadas desse século (com resultados ainda   Rei português D. João II (que, ao seu serviço, havia mesmo estado
          mais visíveis nos celebérrimos mapas de 1507 e de 1513 de Wal-  presente, em 1494, na celebração do Tratado de Tordesilhas…)
          dseemüller) haviam sido os principais agentes da ultrapassagem   e que, entretanto, havia passado para o serviço do novo Rei D.
          da  geografia  tradicional  ptolomaica  (originando,  em  vez  dela,   Manuel.  Defendeu,  surpreendentemente,  isso  mesmo,  e  pelas
          com "Tabulae Modernae", aquilo que já foi chamado a "cartogra-  mesmas razões, num seu manuscrito intitulado "De Situ Orbis"
          fia luso-alemã"), viessem depois a regredir (!) neste exemplar de   (com título simplesmente igual ao da obra original de Pompónio


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