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REVISTA DA ARMADA | 563
Mela, mas que, devido a um simples e anedótico equívoco de outro navio que havia sobrevivido). Assim foi feita a primeira cir-
leitura e de transcrição de um copista do século XVIII, equívoco cum-navegação da Terra, durante três anos, por uma expedição
que em Portugal tudo e todos aceitaram, e ainda ninguém tinha castelhana em que inicialmente eram portugueses não somente
compreendido e explicado, passou a ser chamado "Esmeraldo [!] o comandante mas também os principais pilotos e técnicos náu-
de Situ Orbis"). ticos, como João Lopes de Carvalho, João Serrão, Estêvão Gomes,
O "Atlas Miller" foi a última tentativa portuguesa para tentar Álvaro de Mesquita, Duarte Barbosa, Vasco Galego (e talvez João
impedir o projecto de navegação para o Oriente através do Oci- Rodrigues de Mafra), e dezenas de outros tripulantes (alguns, dis-
dente. O antigo projecto de 1474 de Paolo dal Pozzo Toscanelli e farçando a sua origem). E, logo em 1520, Magalhães (certamente
de Fernão Teles de Meneses (no seguimento do projecto ociden- mal visto por alguns elementos da tripulação, também por causa
tal anterior, também ele da Casa de Coimbra, de João Vogado em de ser um português comandando castelhanos) teve que enfren-
1462, depois continuado pelos projectos ocidentais seguintes, os tar uma sublevação e uma tentativa de abortar a missão e voltar
do flamengo Fernão Dulmo e do alemão Martin Behaim em 1486 para casa. Tentativa que reprimiu com exemplar dureza, apesar
e em 1492, ambos ao serviço do Rei D. João II que era o neto e her- de ser encabeçada nem mais nem menos do que por um outro
deiro político do antigo Regente Infante Dom Pedro de Coimbra). comandante (vedor), que também ia a bordo e que ninguém ig-
O antigo projecto ocidental de 1474 de Toscanelli e de Fernão norava que era provavelmente um filho, bastardo, do então todo-
Teles de Meneses… o projecto de que o genovês Cristóvão Co- -poderoso, nas navegações castelhanas, Bispo Juan Rodríguez de
lombo depois se apropriou, enquanto esteve em Portugal, e que,
em 1492-1493, tentou realizar ao serviço dos Castelhanos. Mas Fonseca (e tentativa em que também esteve implicado o mesmo
em que falhou…! Pois só encontrou, em vez disso, uma terra des- Juan Sebastián Elcano que, no fim, em 1522, viria a ser um dos
conhecida, com indígenas seminus que, obviamente, não eram dezoito sobreviventes, e por isso viria a ser considerado o coman-
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Indianos . dante final).
O projecto ocidental… cuja forma final e definitiva estava a ser A viagem de circum-navegação de Magalhães e Elcano era um
preparada nesta mesma época, em 1519, em Sevilha, para a Co- tema muito estudado, e no qual, por conseguinte, parecia não
roa de Castela, pelo português expatriado Fernão de Magalhães haver, desde há muitos anos, grandes novidades na historiogra-
(sucedendo ao português expatriado João Dias de Solis… que ha- fia. Por isso os novos e sensacionais aspectos revelados desde
via morrido, em 1516, no Rio da Prata, em busca dessa mesma 2005-2006 em Coimbra e Barcelona — os da sua surpreendente
passagem pelo Ocidente…). Mais um navegador experiente pas- relação, íntima e indissociável (contraditória), com o celebérrimo
sado para o serviço do país vizinho (mais um, experiente, por ser Atlas conservado em Paris — ficaram como novas contribuições
provindo de Portugal, tal como o genovês Colombo…), e acompa- para a história dessa maior e mais difícil de todas as viagens de
nhado de algumas dezenas de outros portugueses. descobrimento geográfico.
O "Atlas Miller" foi feito para tentar desacreditar o projecto de A viagem que, agora, em 2019-2022, está a ser mundialmente
1518-1519 de Magalhães. Mas não teve êxito, pois a viagem foi comemorada.
mesmo feita, em 1519-1522.
A VIAGEM DE FERNÃO DE MAGALHÃES, TERMINA-
DA POR JUAN SEBASTIÁN ELCANO (1519-1522)
A expedição castelhana que executou com êxito essa missão
de chegar às Molucas pelo Ocidente (pelo hemisfério castelha-
no, respeitando o Tratado de Tordesilhas) foi comandada pelo
português Fernão de Magalhães, um veterano do Oriente, onde
tinha servido até mesmo sob as ordens do maior dos capitães
portugueses, o "Terríbil" Afonso de Albuquerque (que, depois de
ser membro da guarda pessoal do "Príncipe Perfeito" D. João II,
e estar com ele até ao momento da sua morte, tinha, no reinado
seguinte, como governador da Índia, sido o "Leão dos Mares" no
Índico, e entretanto já havia falecido em 1515).
O "Fernando", ou (socialmente, só) "Fernão", de Magalhães,
originário do Norte de Portugal (tal como a maioria esmagadora
dos navegadores portugueses), depois de ser maltratado em Por-
tugal, havia-se passado para o serviço do reino vizinho em 1517.
A empresa foi preparada por Magalhães, Rui Faleiro e os cartó-
grafos Jorge Reinel e Diego Ribeiro (Ribero), todos portugueses. A
esquadra de cinco navios, velhos e remendados, partiu em 1519
e, numa incrível aventura de esforço e determinação (a maior
aventura de sempre…?), fez a descoberta do Estreito de Maga-
lhães, atravessou o Pacífico inteiro, e chegou às Filipinas, onde o
capitão foi morto num recontro fortuito com os nativos. Só um
dos navios, comandado por Juan Sebastián Elcano, basco de Gue-
taria, conseguiu completar o regresso, fazendo, pelo inverso, su-
brepticiamente, a rota portuguesa do Cabo da Boa Esperança, e As cobiçadas Ilhas das Especiarias (Molucas) no "Atlas Miller", com a sua legenda
assim, em 1522, com grande dificuldade, conseguiu ser o único a e a sua bandeira portuguesa… E com uma miríade de ilhas e recifes, a Leste, para
voltar a Castela (os Portugueses aprisionaram no Oriente o único mostrar ser impossível qualquer acesso alheio vindo desse lado… (BnF, Paris)
24 JUNHO 2021