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REVISTA DA ARMADA | 572
momentos que se lhe seguiram,
os absolutistas jogaram um pa- Notas
pel fundamental e, na prática, 1 O texto constitucional havia sido decretado pelas Cortes Gerais Extraordinárias e
acabaram por dar todo o en- Constituintes, para tal reunidas em Lisboa no ano de 1821.
quadramento político que 2 A primeira Constituição francesa, como sabemos, era de 1791, tendo influencia-
subsistiria até 1826. do as bases da Constituição de Cádis de 1812, em Espanha, e a revolução portu-
Prova disso é que vários guesa de 1820. Embora se possa estranhar a demora, é útil sublinhar que, há dois
séculos, a difusão doutrinária e as linhas do conhecimento demoravam por vezes
liberais – de quadrantes muitos anos a criar raízes de influência internacional.
mais conservadores, e 3 Havendo a ideia generalizada de que era ali o centro do império, estando Portugal
até tradicionalistas libe- continental na condição de colónia.
ralizantes – estiveram na 4 De onde regressaria apenas em Abril de 1821.
revolta em Vila Franca ou 5 Cuja estrutura jurídica, aliás, influenciaria muito significativamente, o articulado
participaram na cena polí- de 1822.
tica logo a seguir ao golpe, 6 A Constituição de 1822 foi elaborada 679 anos depois da fundação da naciona-
sendo que a sua acção – lidade, ou, preferindo-se adotar a data de 1128 como o início de um poder sobe-
rano assumido por via electiva para a Nação portuguesa, 694 anos depois desse
com excepção de casos mui- momento.
to circunstanciados como o de
Manuel Fernandes Tomás 7 No Título III, de epígrafe Do Poder Legislativo ou das Cortes, definia-se no artigo
Palmela – teve pouco relevo, 32º que “A Nação Portuguesa é representada em Cortes, isto é, no ajuntamento
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verificando-se que, em geral, eles dos Deputados, que a mesma Nação para esse fim elege com respeito à povoação
participaram no próprio vintismo. de todo o território Português”, mais se estabelecendo no artigo 94º (do Capítulo
III, do mesmo Título) que “Cada Deputado é procurador e representante de toda a
D. João VI prometeu que subscreveria e Nação, e não o é somente da divisão que o elegeu”.
juraria outra Constituição, mas viria a morrer em 1826, deixando 8 Recorde-se que, precisamente nestas duas cidades da península itálica, o exérci-
uma questão dinástica grave entre os seus dois filhos, D. Pedro e to austríaco interveio, restabelecendo o regime absoluto em 1821.
D. Miguel. 9 Aliás, de 1820 a 1823, foi a acção dos absolutistas que encarnou fundamental-
D. Pedro abdicaria dos seus poderes soberanos – que mente o processo contra-revolucionário concomitante à revolução, sendo de re-
naturalmente lhe caberiam como filho mais velho – na sua filha levar as posições do cardeal-patriarca e da Rainha – D. Carlota Joaquina – contra
os documentos constitucionais, as acções militares do conde de Amarante e, por
D. Maria da Glória, porque estava comprometido com o colossal fim, do próprio D. Miguel, a actividade parlamentar e panfletária de José Acúrsio
Brasil, como seu imperador, desde 12 de Outubro de 1822, e ele das Neves e os escritos agressivos de José Agostinho de Macedo ou de Francisco
próprio ali viria a outorgar um novo texto constitucional, a Carta de Assis Castro Mendonça. Sobre desenvolvimentos de todo este enquadramento,
ver Joel Serrão e Reis Torgal.
Constitucional, a qual definiu que os poderes são 4, incluindo o 10 O que, a acontecer, teria dado maior ênfase e interesse a que outro tipo de
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poder moderador que era atribuído ao Rei. burguesias interferisse directamente no debate político.
Mais tarde, D. Miguel – que havia tido um papel relevante na 11 Ano em que, em Abril, e a mando da Santa Aliança, tropas francesas invadiram
Vilafrancada – e regressado a Portugal, é aclamado Rei absoluto Espanha, com vista à liquidação política da Constituição ali vigente, e que muitos
primeiro numa base popular electiva a 1 de Março de 1828, as autores consideram ter sido mesmo o elemento motivador mais relevante para ter
Cortes são dissolvidas a 13 de Março, e, já depois de mandados ocorrido a revolta de Vila Franca.
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É possível concluir que, em 1823, tinha surgido um conjunto de condições que
reunir os Três Estados por Decreto de 3 de Junho, e realizada a facilitariam qualquer tipo de golpe contra-revolucionário, as quais resultaram, por
reunião a 23 de Junho no Paço da Ajuda, é aclamado Rei absoluto um lado, da incapacidade demonstrada pelas forças liberais e, por outro, da ac-
a 7 de Julho desse ano . ção contra-revolucionária de algumas forças de tonalidade política variada e de
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O Rei não jurou a Carta Constitucional, iniciando-se um período interesses e intenções diversas, tendo, porém, larga primazia o sector absolutista.
trágico de guerra civil com o país ideologicamente dividido ao 13 Que foi dos que procurou agir contra o vintismo na cena internacional.
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meio, o qual apenas terminará com a vitória liberal e a entrada 14 Poder que tem a função de harmonizar, articular, compensar e moderar os ou-
em vigor, de novo, da Carta de 1826. Este texto, contudo, suscitaria tros 3 constitucionalmente definidos, o Legislativo, o Executivo e o Judicial.
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Com o juramento de D. Miguel aos Três Estados segundo a forma do alvará das
posterior descontentamento nas elites políticas pelo facto Cortes de 1647, tendo os três braços prestado juramento do preito e homenagem
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de não lhe reconhecerem legitimidade em sede de aprovação ao Rei.
parlamentar, sendo, ainda, objecto de fortíssimas críticas pelo 16 A 26 de Maio de 1834 foi assinada a Convenção de Évora-Monte, D. Pedro pro-
facto de colocar em causa o princípio da soberania popular mulgou uma amnistia e D. Miguel abandonou o Reino a 1 de Junho de 1834 a
que havia sido formalmente expresso no texto constitucional bordo do vapor inglês Stag, com destino a Génova.
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de 1822 , envolvente que ganhou força com a experiência das 17 A revolta de 9 de Setembro não foi, apenas, marcada pelo descontentamento
revoltas, durante 1836, em Espanha. Nesse ano, em Portugal, do texto constitucional imposto pela Carta, mas pela fase que se vivia de excessiva
dependência da Inglaterra em muito face às premissas do Tratado de Comércio de
tendo a revolta popular tido ulterior apoio militar, e conferido 1810 – mas também pela fortíssima tutela político-militar (Beresford) que levou,
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poder aos representantes designados pelo movimento , seria, inclusivamente, à revolta de alguns militares em 1817 presumivelmente (isso não é
de novo, proclamada a Constituição de 1822, tida como um texto seguro) dirigidos pelo general Gomes Freire de Andrade –, da ascensão muito no-
tória de uma burguesia mercantil que enriquecia com linhas de negócio externo a
constitucional mais puro, com maior ênfase de poder popular qual assumia, também, um significativo número de cargos políticos, níveis de vida
atribuído ao poder legislativo, como a seguir se confirmará pelos de muito baixo padrão do designado operariado urbano, e o acentuar do clima de
termos do seu articulado. revolta que, próximo, ia existindo por Espanha, e que culminou na revolta de 1836.
Ou seja, no tempo histórico, a Constituição de 1822 teve apenas 18 Em cujo artigo 104º, do Capítulo IV (do supramencionado Título III), de epígrafe
dois breves períodos de vigência efectiva; um primeiro, de 23 de Do Exercício do Poder Legislativo, se estatuía que “A Lei é a vontade dos cida-
dãos declarada pela unanimidade ou pluralidade dos votos de seus representan-
Setembro de 1822 a 2 de Junho de 1823, e um segundo que se tes juntos em Cortes, precedendo discussão pública. A lei obriga os cidadãos sem
iniciou com a designada revolução de 9 de Setembro de 1836, dependência da sua aceitação”, mais se definindo no artigo 105º do articulado
sendo que, através do Decreto de 10 de Setembro desse ano, foi constitucional de 1822 que “A iniciativa directa das leis somente compete aos re-
presentantes da Nação juntos em Cortes. Podem contudo os Secretários de Estado
abolida a Carta Constitucional de 1826 e colocada transitoriamente fazer propostas, as quais, depois de examinadas por uma comissão das Cortes,
em vigor a Constituição de 1822 até à elaboração de um novo texto poderão ser convertidas em projectos de lei”.
constitucional, o que apenas ocorreria a 4 de Abril de 1838. 19 Designadamente, sob o governo do Conde de Lumiares, Sousa Coutinho, Sá da
Bandeira e Passos Manuel. Sublinhe-se que, de, desde essa data até 10 de Agosto
de 1837, Portugal conheceu 5 Governos, sendo que, antes, desde 24 de Setembro
Dr. Luís da Costa Diogo de 1834 até à instauração do Setembrismo, tinham já existido 7, portanto, um pe-
Diretor Jurídico da DGAM ríodo de 3 anos marcado por uma intensíssima instabilidade político-governativa.
N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfico.
ABRIL 2022 11