Page 26 - Revista da Armada
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COMANDAR UMA LFP DURANTE



          A GUERRA NA GUINÉ



          AS EMOÇÕES E O AMBIENTE








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          Quero dedicar este breve texto aos oficiais da Reserva Naval (RN), que comandaram LFP´s  no teatro de operações da Guiné com
                                                                                1
          inexcedível brilhantismo. São merecedores de uma homenagem muitíssimo sincera, por quem tenha tido a oportunidade de vivenciar
          exatamente o mesmo, como é o caso do signatário.

          HOMENAGEM                                           constantemente  decisões  sobre  a  condução  do  navio  em
                                                              operações  de  guerra  concretas,  contando  apenas  com  o  seu
            onvém  salientar  que  os  oficiais  RN  da  classe  da  Marinha   discernimento. Como treinar bem a guarnição? Navegar a que
         Ctinham  uma  preparação  técnico-naval  muito  mais  reduzida   velocidade?  Onde  fundear?  A  que  horas?  Fazer  fogo,  em  que
          do que os oficiais dos Quadros Permanentes (QP), pelo que seria   circunstâncias? Quando aliviar os postos de combate? Etc.
          supostamente bastante mais difícil desempenharem as missões   Por  norma,  um  comandante  recém-chegado,  antes  da  sua
          na Guiné, com combates muito prováveis.             primeira  missão,  embarcava  noutra  LFP  com  um  comandante
           Enquanto que os oficiais dos QP faziam os vários anos de curso   já  experimentado  ou  na  LFP  de  destino  com  o  comandante
          da  Marinha  na  Escola  Naval,  incluindo  diversos  embarques  de   ainda em funções, para melhor se aperceber das caraterísticas
          longa duração, os oficiais RN faziam um curso intensivo de sete   do ambiente operacional. Nesta fase, surgia o primeiro grande
          meses  (aproximadamente)  e  um  breve  período  de  embarque.   choque com a realidade, bem pior do que as expectativas.
          Apesar deste curto período de formação, o seu desempenho na
          Guiné foi distintíssimo, ultrapassando, duma forma geral, o que  MEDO
          seria exigível a quem não tinha experiência anterior, nem uma
          carreira militar a prosseguir.                       A  primeira  emoção  forte:  o  medo,  ou  a  ansiedade,  quando
           Por razões não esclarecidas, apenas dois oficiais dos QP foram   se verifica que grande parte dos rios onde se opera têm cerca
          nomeados comandantes de LFP no teatro de operações da Guiné   de  200  metros  de  largura!  É  preciso  permanecer  na  zona  de
          (1968-70): o autor deste escrito e o seu camarada de curso, Varela   operações duas semanas e o inimigo pode atacar em qualquer
          Castelo, falecido por doença com pouco mais de 30 anos, em 1976.  momento. Tipicamente, os adversários usavam pequenos abrigos
                                                              naturais (ou faziam-nos) nas clareiras das margens e atacavam as
          CONTEXTO                                            lanchas com armamento ligeiro, metralhadoras pesadas, RPG  e,
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                                                              por vezes, com canhões sem recuo.
           Existem bastantes publicações sobre a utilização operacional das   O  medo  é  um  mecanismo  de  proteção  para  nos  mantermos
          LFP´s na Guiné, entre 1961 e 1974, pelo que não vou repetir esses   vivos,  ligado  ao  instinto  de  sobrevivência.  Se  não  tivéssemos
          relatos. A minha intenção é focar apenas as facetas emocionais e   medo de nada, seria quase impossível sobreviver, como adultos.
          o ambiente que envolvia as comissões de serviço na Guiné dos   Em  guerra,  ninguém  sabe  antecipadamente  como  vai  reagir
          comandantes das LFP’s, em circunstâncias extremamente difíceis.  durante o combate. Sabe-se que a vida está em perigo, o que
           Um comandante de LFP, naquele tempo, era um jovem de vinte   se torna um caso extremo.  Mas, como se aplica, nas condições
          e tal anos, a quem estava atribuída uma enorme responsabilidade   descritas, a um jovem oficial sem experiência?
          na dupla vertente de cumprir as missões em tempo de guerra   Sentir  medo  é  normal  e  aceitável.  O  comandante  de  LFP,  tal
          e proteger, tanto quanto possível, a integridade do navio e dos   como qualquer outro comandante, tem que controlar o medo. No
          elementos da sua guarnição. O Comandante de LFP, único oficial   momento crucial, domina o medo concentrando-se nas múltiplas
          a bordo, era auxiliado por um único sargento – o chamado mestre   ordens que tem que dar até cessar a ação. A responsabilidade
          (sargento de manobra). O “peso” da responsabilidade era sentido   sobrepõe-se. A guarnição tem que confiar.
          de forma intensa e não partilhável, estando sempre presente.   A  ansiedade  cedo  se  faz  sentir  quando  se  navega  nos  locais
           A  primeira  sensação,  de  que  se  apercebia  rapidamente,   de maior perigo, especialmente aqueles em que se sabe que o
          relaciona-se com a solidão do comando, isto é, ter que tomar   inimigo já atacou algumas das nossas lanchas. Cada clareira, cada


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