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REVISTA DA ARMADA | 573

          PREDOMÍNIO E PODER DO SIMBÓLICO





          2. SÍMBOLOS DE PORTUGAL


         «Portugal é a razão de ser do compromisso solene que acabo de assumir. Aqui nasci, aqui aprendi com meus Pais a falar a língua que nos
         une e une a centenas de milhões por todo o mundo. Aqui eduquei os meus filhos e espero ver crescer os meus netos. Aqui se criaram e
         sempre viverão comigo aqueles sentimentos que não sabemos definir, mas que nos ligam a todos os portugueses. Amor à terra, saudade,
         doçura no falar, comunhão no vibrar, generosidade na inclusão, crença em milagres de Ourique, heroísmo nos instantes decisivos».
                                                                                        Prof. Doutor Marcelo Rebelo de Sousa,
                                                                                                 Presidente da República

            egundo a lenda, na véspera da batalha de Ourique, em 1139,   levado para o Brasil pela família Real em 1807, a sua localização
         SD.  Afonso  Henriques  recebeu  a  visita  de  um  ancião,  que   manteve-se incógnita até 1986, altura em que o historiador e crítico
          o futuro rei de Portugal reconheceu ter visto nos seus sonhos.    de  arte  José  Augusto  França  (1922-2021)  o  descobriu  no  Museu
          No encontro que mantiveram, o ancião pediu-lhe para nessa noite   Louis-Philippe, sediado no Palácio d’Eu, na Normandia, França.
          sair sozinho do acampamento quando ouvisse a sineta da ermida   Além de mito fundador, o milagre de Ourique também sufragou,
          local. Procedendo conforme acordado, D. Afonso Henriques foi   a posteriori, a presença na bandeira portuguesa, desde o século
          surpreendido  por  um  intenso  raio  luminoso  onde  identificou   XIII, dos cinco escudos alusivos aos reis mouros derrotados naquela
          Cristo  crucificado.  Ao  ajoelhar-se,  ouviu  uma  voz  proferindo    lendária  batalha,  dispostos  em  cruz  e  carregados  com  as  cinco
          in hoc signo vinces (com este sinal vencerás), assegurando-lhe   quinas simbolizando as chagas de Cristo. Na opinião do historiador
          a proteção divina do reino. Apesar dos seus efetivos serem em   das  religiões  Mircea  Eliade  (1907-1986),  «é sempre numa certa
          muito  menor  número,  D.  Afonso  Henriques  logrou  derrotar    situação histórica que o sagrado se manifesta».
          o exército dos cinco reis mouros a 25 de julho, dia de São Tiago,
          patrono da luta contra os sarracenos. Com o milagre de Ourique  PADROEIRA
          a fundação de Portugal e a aclamação do seu primeiro rei ficavam   A  devoção  a  Nossa  Senhora  da  Conceição  encontra-se
          indelevelmente associados à vontade divina, tendo a respetiva   profundamente  enraizada  em  Portugal.  De  resto,  o  caráter
          chancelaria começado a usar a designação  Rex Portugallensis   taumatúrgico da fundação da nacionalidade portuguesa revelar-
          (Rei  dos  Portugueses)  a  partir  de  1140.  A  independência  de   -se-ia determinante na afirmação da independência em momentos
          Portugal seria reconhecida em 1143 pelo rei Afonso VII de Leão,   cruciais  da  sua  história.  Na  sequência  da  restauração  em  1640,
          no Tratado de Zamora, e em 1179 pelo Papa Alexandre III, com   D. João IV (1604-1656) assinava, a 25 de março de 1646, a provisão
          a Bula  Manifestis  Probatum.  Não  obstante  tratar-se  de  um    régia proclamando Nossa Senhora da Conceição Rainha e Padroeira
          ex-evento, o milagre de Ourique é o mito fundador de Portugal    de  Portugal  e  dos  territórios  ultramarinos,  tendo  invocado
          e a pedra angular da monarquia portuguesa.          a  pretérita  ação  de  D.  Afonso  Henriques  no  mesmo  sentido.
                                                              Em  sinal  de  total  submissão,  D.  João  IV  colocou  a  sua  própria
           A lenda do milagre de Ourique ganharia maior relevância a partir   coroa na imagem de Nossa Senhora da Conceição. Com esta ação,
          de 1485, quando D. João II (1455-1495) enviou ao Papa Inocêncio   os soberanos portugueses passaram a ser aclamados em vez de
          VIII (1484-1492) o Embaixador Vasco Fernandes de Lucena, que na   coroados, não voltando a colocar a coroa real na cabeça.
          Oratio Oboedientiae sublinhava o caráter messiânico da génese   «[…]  considerando  que  o  Senhor  Rey  Dom  Afonso  Henriques
          de Portugal na luta contra os mouros. A lenda seria reestruturada   meu progenitor e primeiro Rey deste Reyno, sendo aclamado
          no século XVII pelo frade alcobacense Bernardo de Brito (1569-  e levantado por Rey,  em reconhecimento de tão grande
          1617) e exaltada pelos portugueses durante a ocupação filipina,    mercê, de consentimento de seus Vassalos, tomou por especial
          até à restauração da independência em 1640.          avogada sua a Virgem Mãi de Deos Senhora nossa, e debaixo
                                                               da sua Sagrada protecção e amparo, lhe ofereceo todos seus
                                                               sucessores,  Reino,  e  vassalos  com  particular  tributo  em  sinal
                                                               de  feudo  e  Vassalagem;  Desejando  eu  imitar  seu  santo  zelo
                                                               […] assentamos  de tomar por padroeira  de nossos  Reinos
                                                               e Senhorios, a Santissima Virgem nossa Senhora da Concepção,
                                                               na forma dos Breves do Santo padre Vrbano 8.º, obrigandome
                                                               a haver confirmação da Santa See Apostólica […]»

                                                               A  decisão  seria  posteriormente  confirmada  pelo  Papa
         Museu Louis-Philippe, França                         Dois  séculos  mais  tarde,  a  8  de  dezembro  de  1854,  o  Papa
                                                              Clemente X (1670-1676) em 1671, com a Bula Eximia Dilectissimi.
                                                              Pio  IX  (1846-1878)  efetuava  a  proclamação  dogmática  da
                                                              Imaculada Conceição, com a Bula Ineffabilis Deus. Em Portugal,
                                                              a primeira celebração do culto da Imaculada Conceição decorreu

                                                              batalha de Aljubarrota em 1385, D. Nuno Álvares Pereira (1360-
          O milagre de Ourique, de Domingos Sequeira.         na Sé Velha de Coimbra, a 8 de dezembro de 1320. Depois da
                                                              1431) consagrar-lhe-ia a igreja de Nossa Senhora da Conceição,
           A  mais  famosa  obra  sobre  o  milagre  de  Ourique  é  o  quadro   em  Vila  Viçosa.  Homem  de  Estado  e  arquétipo  de  santidade,
          homónimo  do  pintor  Domingos  Sequeira  (1768-1837),  pintura    o  Condestável  seria  beatificado  a  26  de  abril  de  2009,  pelo
          a  óleo  sobre  tela  executada  em  Roma,  em  1793.  Supostamente   Papa  Bento  XVI  (2005-2013).  E  em  1869  ficara  concluído  o


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