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REVISTA DA ARMADA | 573

          que, em terra, em caso de ataque, os militares podiam procurar   No regresso à Guiné foram muitas as brincadeiras dos camaradas,
          o melhor resguardo possível, enquanto que dentro do navio não   e também dos elementos da guarnição que se mantiveram em
          havia lugar para esconder o corpo e era necessário responder em   Bissau, relacionadas com o sismo em Lisboa.
          postos de combate.                                   A  propósito,  diga-se  que  o  ambiente  entre  os  oficias  que  se
           Apesar  da  constante  presença  das  lanchas  nas  operações  e   encontravam  regularmente  na  messe  de  Bissau  era  excelente,
          de  ter  havido  inúmeros  ataques,  estes  não  tiveram  grandes   sempre acompanhados de boa disposição.
          consequências  para  as  unidades  navais,  com  exceção  do  caso   O moral era elevadíssimo, embora se soubesse que as missões
          da LDM 302 e mais uns tantos menos importantes, havendo a   eram  difíceis  e  perigosas  para  muitos  dos  utentes,  sendo  que
          lamentar alguns mortos e feridos.                   grande parte eram fuzileiros. Pouco se falava das dificuldades,
                                                              sendo as conversas encaminhadas para os aspetos positivos ou
          ALEGRIA                                             cómicos.
                                                               Os restaurantes locais e um ou outro estabelecimento noturno
           A maior alegria era, sem dúvida, o final da comissão na Guiné.   eram frequentados com alguma assiduidade, especialmente para
          Se toda a guarnição estava bem, isso era o mais importante.   comer as famosas ostras, sempre muito apreciadas.
           Os comandantes das LFP eram rendidos individualmente, pelo   A  calma  e  a  segurança  reinavam  em  Bissau.  Os  oficiais  não
          que regressavam normalmente a Lisboa em transporte aéreo. Em   fuzileiros  habitavam  em  quartos  de  duas  vivendas  situadas  na
          cerca de 4 horas, a diferença era colossal. Do inferno ao céu, sem   cidade, que não tinham qualquer tipo de segurança!
          passar pelo purgatório.
           As pessoas olhavam para nós e tratavam-nos normalmente como  AS CONSEQUÊNCIAS
          a  qualquer  outro  cidadão,  como  não  poderia  deixar  de  ser.  Do
          nosso interior vinha um grito abafado: eu venho dos rios da Guiné   Um  comandante  de  LFP  na  Guiné,  em  tempo  de  guerra,  fica
          e mereço uma atenção especial! De repente, a realidade vinha à   marcado  para  toda  a  vida.  Passados  cerca  de  50  anos,  ainda
          superfície para revelar que isso não fazia qualquer sentido.  recorda nitidamente aquele ambiente de tormento que conseguiu
           Com alguma sorte, conseguia-se fazer umas férias na metrópole   ultrapassar, apesar da juventude. Para os oficiais RN que regressaram
          durante um período de manutenção da LFP, pagando a viagem do   depois à vida civil, as lições aprendidas no capítulo da liderança e do
          próprio bolso, claro.                               sacrifício foram, provavelmente, muito úteis.
           No meu caso pessoal, vim de férias em fevereiro de 1969. No   As más recordações ficam em segundo plano, e as boas servem
          dia 28, durante a madrugada, houve um sismo de 7,9 na escala   para contar historias engraçadas ou curiosas.
          de Richter, que abanou Lisboa de forma violenta, causando 11   Seja  como  for,  ter  sido  comandante  de  LFP  na  Guiné  é  um
          mortes, dezenas de feridos e bastantes derrocadas. Lembro-me   motivo  de  orgulho  para  os  oficias  da  RN  que  o  fizeram  com
          perfeitamente da família aflita enquanto a casa tremia bastante   competência  muito  acima  do  que  seria  de  esperar,  face  à  sua
          e  os  copos  batiam  intensamente  numa  cristaleira.  O  único   formação e experiência.
          pensamento que me ocorreu de imediato: que raio de azar, vir
          a casa nesta altura. Salvando-me na Guiné para morrer agora,
          quando as paredes desabarem? Porém, o susto ainda permitiu
          soltar umas palavras, bem alto, como se fosse o “Comandante”:
           – Calma que isto já vai passar!
           Passou  mesmo,  mas  os  escassos  segundos  que  durou
          pareciam  horas.  As  réplicas  ainda  assustaram  bastante,
          porque não sabemos quando vão acabar.
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