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que, em terra, em caso de ataque, os militares podiam procurar No regresso à Guiné foram muitas as brincadeiras dos camaradas,
o melhor resguardo possível, enquanto que dentro do navio não e também dos elementos da guarnição que se mantiveram em
havia lugar para esconder o corpo e era necessário responder em Bissau, relacionadas com o sismo em Lisboa.
postos de combate. A propósito, diga-se que o ambiente entre os oficias que se
Apesar da constante presença das lanchas nas operações e encontravam regularmente na messe de Bissau era excelente,
de ter havido inúmeros ataques, estes não tiveram grandes sempre acompanhados de boa disposição.
consequências para as unidades navais, com exceção do caso O moral era elevadíssimo, embora se soubesse que as missões
da LDM 302 e mais uns tantos menos importantes, havendo a eram difíceis e perigosas para muitos dos utentes, sendo que
lamentar alguns mortos e feridos. grande parte eram fuzileiros. Pouco se falava das dificuldades,
sendo as conversas encaminhadas para os aspetos positivos ou
ALEGRIA cómicos.
Os restaurantes locais e um ou outro estabelecimento noturno
A maior alegria era, sem dúvida, o final da comissão na Guiné. eram frequentados com alguma assiduidade, especialmente para
Se toda a guarnição estava bem, isso era o mais importante. comer as famosas ostras, sempre muito apreciadas.
Os comandantes das LFP eram rendidos individualmente, pelo A calma e a segurança reinavam em Bissau. Os oficiais não
que regressavam normalmente a Lisboa em transporte aéreo. Em fuzileiros habitavam em quartos de duas vivendas situadas na
cerca de 4 horas, a diferença era colossal. Do inferno ao céu, sem cidade, que não tinham qualquer tipo de segurança!
passar pelo purgatório.
As pessoas olhavam para nós e tratavam-nos normalmente como AS CONSEQUÊNCIAS
a qualquer outro cidadão, como não poderia deixar de ser. Do
nosso interior vinha um grito abafado: eu venho dos rios da Guiné Um comandante de LFP na Guiné, em tempo de guerra, fica
e mereço uma atenção especial! De repente, a realidade vinha à marcado para toda a vida. Passados cerca de 50 anos, ainda
superfície para revelar que isso não fazia qualquer sentido. recorda nitidamente aquele ambiente de tormento que conseguiu
Com alguma sorte, conseguia-se fazer umas férias na metrópole ultrapassar, apesar da juventude. Para os oficiais RN que regressaram
durante um período de manutenção da LFP, pagando a viagem do depois à vida civil, as lições aprendidas no capítulo da liderança e do
próprio bolso, claro. sacrifício foram, provavelmente, muito úteis.
No meu caso pessoal, vim de férias em fevereiro de 1969. No As más recordações ficam em segundo plano, e as boas servem
dia 28, durante a madrugada, houve um sismo de 7,9 na escala para contar historias engraçadas ou curiosas.
de Richter, que abanou Lisboa de forma violenta, causando 11 Seja como for, ter sido comandante de LFP na Guiné é um
mortes, dezenas de feridos e bastantes derrocadas. Lembro-me motivo de orgulho para os oficias da RN que o fizeram com
perfeitamente da família aflita enquanto a casa tremia bastante competência muito acima do que seria de esperar, face à sua
e os copos batiam intensamente numa cristaleira. O único formação e experiência.
pensamento que me ocorreu de imediato: que raio de azar, vir
a casa nesta altura. Salvando-me na Guiné para morrer agora,
quando as paredes desabarem? Porém, o susto ainda permitiu
soltar umas palavras, bem alto, como se fosse o “Comandante”:
– Calma que isto já vai passar!
Passou mesmo, mas os escassos segundos que durou
pareciam horas. As réplicas ainda assustaram bastante,
porque não sabemos quando vão acabar.