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REVISTA DA ARMADA | 573
COMANDAR UMA LFP DURANTE curva do rio, pode ser uma ocasião para se sofrer um ataque. A a levantar rapidamente, fazia partes das normas. Não raro, os
mosquitos mais atrevidos picavam através da rede, se uma parte
ansiedade vai diminuindo com a experiência e com o resultado
do corpo encostava à rede durante o sono, nomeadamente os
favorável de contactos de fogo. Aprendem-se alguns “truques”
A GUERRA NA GUINÉ para evitar surpresas indesejáveis. braços. Até para utilizar os sanitários e tomar um duche rápido,
o comandante deveria escolher os momentos mais apropriados e
TRISTEZA
nunca em zonas mais perigosas. Não era possível dormir muitas
horas seguidas durante as operações.
AS EMOÇÕES E O AMBIENTE mesmo em Bissau, do que enfrentar inimigos que o queriam abater? acesso aos manípulos de controlo de velocidade dos motores.
A navegar, o comandante permanecia sempre na ponte com
Qual o jovem que não preferia estar a divertir-se em Lisboa, ou
A nostalgia e os pensamentos menos positivos atacam, ou Ao lado, havia uma repetidora do radar , muito útil para a
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podem atacar, com bastante frequência. A família, os amigos, navegação, nem sempre fácil. Durante as noites sem luar, os rios
as namoradas fazem parte do nosso universo de interesses são como quartos escuros, com visibilidade nula. Neste caso, o
emocionais e estão muito longe, comunicando por cartas (os radar era fundamental para a segurança da navegação.
famosos aerogramas), nem sempre regulares. As notícias que se Durante a noite, nas zonas de patrulha, navegava-se e fundeava-
recebem são muitas vezes desagradáveis. Evita-se descrever bem se em rigorosa ocultação de luzes. Chegou, por isso, a haver colisões
o que se observa, para não preocupar os que nos são queridos. entre lanchas e LDM’s fundeadas. Nas noites com luar, embora
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As datas especiais não podem ser comemoradas com a habitual houvesse boa visibilidade, o perigo aumentava consideravelmente
companhia e as guloseimas preferidas. porque as Lanchas se tornavam alvos bem visíveis. Durante o dia
O comandante de LPF combatia a tristeza, principalmente com podia-se “atracar” ao tarrafe (ou tarrafo, na gíria) , escolhendo um
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o convívio aprofundado com os elementos da guarnição. Ao fim ramo apropriado para passar um cabo na proa que aguentava bem
de algum tempo todos se conhecem bastante bem. Com respeito a Lancha, com a ajuda da corrente. A vantagem era que se podia
e boa disposição, o ambiente alegra-se. Mas cada um encontra as largar muito rapidamente, se necessário.
mais diversas formas de afastar a nostalgia.
Alguns exemplos: ouvir música durante as patrulhas dos rios (no AUTO-CONFIANÇA
meu caso, música clássica), filmar ou fotografar, caçar (crocodilos
e outros animais), pescar (para melhorar o rancho), inventar Se as operações correm bem, a confiança vai subindo com o
jogos, ter a bordo um macaco amestrado que faz habilidades, tempo. Após sofrer o primeiro ataque, se a resposta foi adequada
desembarcar em povoações (quando possível), visitar os quartéis e não houver baixas, nem consequências importantes para o
situados na área, treinar os artilheiros a acertarem em alvos nas navio, a auto-confiança sobe muito.
margens (troncos de árvore por exemplo). Numa passagem de É preciso ter cuidado para não ultrapassar certos limites.
ano em missão, claro que, à meia noite em ponto, se dão uns Começamos a pensar coletivamente de forma errada: somos
tiros de artilharia para o ar, para comemorar… invencíveis, eles que se cuidem, fogem de nós, etc. Este raciocínio
Todavia, os momentos de fraqueza, por vezes, não se conseguem leva a correr riscos desnecessários.
evitar. Um comandante de LFP numa noite de Natal em missão, Duma forma geral, as guarnições tinham confiança nas suas
após jantar com a guarnição o bacalhau cozido, recolheu ao capacidades para se defenderem, mas tinham consciência que não
camarote para descansar e não tinha sequer um pequeno doce. estavam livres de ocorrências nefastas. Em 1968 já havia um longo
Comeu umas bolachas, bebeu um whisky que tinha levado para historial de ataques a Lanchas de todos os tipos , especialmente às
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bordo e, ao pensar com saudade na família, percebeu que as LDM, que eram mais vulneráveis, causando vários mortos e feridos.
lágrimas corriam profusamente pela cara abaixo. Pouco depois, Já a LDM 302 tinha sido gravemente atingida por várias vezes,
imaginou, sobressaltado, o que seria se a guarnição o visse nesse e sempre recuperada operacionalmente, apesar de afundada.
estado; as lágrimas secaram para não mais voltar. No que respeita às LFP’s, o caso mais grave ocorreu em fevereiro
de 1968 com um ataque à LFP Bellatrix que sofreu um rombo
PREOCUPAÇÃO junto à linha de água, provocado por uma RPG (vide figura). O
comandante conseguiu encalhar a proa da unidade naval numa
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Para além do inimigo, o comandante de LFP tinha muitas outras língua de areia próxima, evitando assim o afundamento.
preocupações que perturbavam o seu bem-estar. Na realidade, estranhava-se que o inimigo não atacasse com
Era preciso um enorme cuidado para manter o moral da guarnição mais frequência e com armas mais apropriadas. Bastava esperar
e a sua prontidão para combate, dia e noite, 24 horas por dia. calmamente nas margens dos rios que tinham patrulhamento
O calor e humidade elevados e os infinitos mosquitos eram fatores constante, para terem oportunidade de atacar a distâncias muito
muito incomodativos. As LFP’s apenas dispunham de pequenas curtas. As RPG podiam fazer grandes estragos.
ventoinhas de 24 volts no interior, e nenhum outro sistema para Transportei, com frequência, pessoal dos Fuzileiros e do Exército,
baixar a temperatura. Na ponte baixa, onde o telegrafista tinha o e verifiquei que eles não se sentiam muito tranquilos a bordo,
o
o
seu posto, chegavam a registar-se 50 centígrados (40 era normal). nas zonas perigosas, e ficavam um pouco surpreendidos com a
Dormir em cima de esteira com rede mosquiteira, sempre pronto nossa auto-confiança. A melhor explicação que me deram foi

Rombo no casco da Bellatrix, bem visível, com a Lancha colocada no berço
para reparação.

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