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REVISTA DA ARMADA | 573
Luneta do Hemiciclo, com pintura a óleo sobre tela representando as Cortes Constituintes de 1821, concebida por José Maria Veloso Salgado entre 1820 e 1823,
Foto de Tiago Fernandez e Sandra Ribeiro, 2021
© Arquivo Fotográfico da Assembleia da República, PT-AHF/AF/R1747/i28
A CONSTITUIÇÃO DE 1822
200 ANOS DE CONSTITUCIONALISMO
EM PORTUGAL
PARTE II
BREVE ENVOLVENTE INTERNACIONAL O ARTICULADO CONSTITUCIONAL
No Brasil, tinha sido declarada por D. Pedro a independência A Constituição de 1822, assinada no Paço das Cortes a 23 de
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duas semanas antes, a 7 de Setembro de 1822, sendo que já se Setembro, foi subscrita por 141 deputados , entre os quais
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inseria num modelo de regime político como Reino Unido com se contam os mais relevantes representantes da chamada
Portugal desde 16 de Dezembro de 1815. Estava-se, assim, nos ideologia vintista. De entre os ilustres tribunos parlamentares
alvores do nascimento do império do Brasil. que defenderam veementemente o seu articulado, ascendeu,
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Em Inglaterra reinava George IV desde janeiro de 1820, embora claramente, Manuel Fernandes Tomás , o eloquente deputado
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tenha sido regente durante 9 anos , período que correspondeu que figura em destaque na pintura do topo da Assembleia da
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à designada Regência do reino , tendo sido o primeiro monarca República. O reputado deputado havia formado, no Porto, anos
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inglês a visitar a Irlanda em 500 anos, e o primeiro, depois antes, o famoso Sinédrio , juntamente com Ferreira Borges, Silva
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de Carlos II no Séc. XVII, a empreender uma visita de Estado Carvalho, Ferreira Viana, Xavier de Araújo e Borges Carneiro,
à Escócia. Foi na sua regência que terminaram as guerras tendo sido este o impulso intelectual fundamental para o
napoleónicas e que se decidiu, sob custódia do almirantado movimento iniciado em 1820.
inglês, a deportação definitiva de Napoleão para a Ilha de Santa O texto constitucional definia o território da Nação – formado
Helena , para onde partiu, a 7 de Agosto de 1815, a bordo do pelo Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, compreendendo
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famoso Northumberland. ainda os territórios ultramarinos –, previa um conjunto de direitos
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Na altura da aprovação da Constituição de 1822, governava e deveres fundamentais, assegurava a independência dos três
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nos Estados Unidos o seu 5º presidente, James Monroe , que poderes políticos e a sua separação, não reconhecia qualquer tipo
havia tomado posse a 4 de Março de 1817 e exerceria mandato
até março de 1825. Foi o mentor da célebre Doutrina Monroe , de prerrogativa ou privilégio ao clero e à nobreza, assegurava a
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uma marcante linha política que fez o contraponto americano existência de um poder legislativo forte através de Cortes eleitas
aos interesses político-estratégicos das nações europeias no pela Nação, e definia a supremacia do poder legislativo das Cortes
continente sul-americano. sobre os demais poderes. A estrutura do articulado dividia-se
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Em França reinava Luís XVIII desde 1815, tendo sido o primeiro em 6 Títulos , seguindo, com alguma similitude, o modelo da
rei a governar o país após a Revolução Francesa e a restaurar a Constituição de Cádis – a que já supra aludimos –, e previa 240
monarquia, sendo que, antes de ascender ao trono, havia estado artigos, dedicando uma parte muito substancial do texto ao poder
exilado durante a Revolução no período de 1791 a 1814 . O seu legislativo, em concreto, todo o seu Título III, contendo 88 artigos.
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reinado foi interrompido pelo designado Governo dos Cem Dias sob Atenta a sua estrutura, o texto constitucional é fortemente
um curto consulado de Napoleão, depois do seu regresso de Elba. identitário quanto à formulação de um quadro de direitos e deveres
Este brevíssimo quadro de envolvente internacional reflecte individuais dos cidadãos, estabelecendo-se logo no artigo 1º, do
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o fenómeno sócio-político que se estendia pela Europa, e que, Capítulo Único do seu Título I, que “A Constituição política da
claramente, ditava, desde o último quartel do Séc. XVIII, o final Nação Portuguesa tem por objecto manter a liberdade, segurança,
da época absolutista e o advento de uma conjuntura de cariz e propriedade de todos os Portugueses”, expressando o artigo
republicano e liberal de base representativa que induziria o desenho 2º que “A liberdade consiste em não serem obrigados a fazer o
geopolítico futuro, marcado em definitivo pelos ideais filosóficos e que a lei não manda, nem a deixar de fazer o que ela não proíbe.
doutrinários que propiciaram o advento das revoluções americana A conservação desta liberdade depende da exacta observância das
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e francesa , e o pensamento de filósofos políticos brilhantes como leis”. O princípio da legalidade tinha, claramente, nesta formulação
Rousseau, Diderot, Voltaire e Montesquieu. constitucional, uma base liberal defensora dos direitos individuais
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