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REVISTA DA ARMADA | 573
da Nação. E que, como todas as formas do sagrado, têm que Portugal no mundo, sendo muito justamente conhecido como o nos-
proteger-se contra a sua profanação. Ainda que um sagrado so Embaixador Itinerante. Pela perseverança dos mais altos deciso-
laico, os símbolos nacionais têm de ser protegidos contra a sua res da Marinha Portuguesa, aliada à abnegação e entrega das respe-
dessacralização e é por isso que todos os Estados inscrevem na tivas guarnições, o NRP Sagres tornou-se o veículo privilegiado para
sua ordem jurídica o crime de ultraje aos símbolos nacionais». levar a cultura, os valores e o quinhão do solo pátrio às comunidades
portuguesas da diáspora espalhadas pelo mundo. Face ao estatuto
DIA DE PORTUGAL de navio de Estado, a bordo do ex-libris da Marinha Portuguesa é
A primeira referência oficial à celebração do dia 10 de junho sempre território nacional, razão pela qual ganha particular relevân-
encontra-se num Decreto das Cortes Reais, de 27 de abril de cia o seu empenhamento nas visitas oficiais e nas deslocações do
1880, que contou com o beneplácito do rei D. Luís (1838-1889). Chefe de Estado e dos membros do governo a países estrangeiros, a
Visando a comemoração dos 300 anos da morte de Luís Vaz de que acresce a sua regular participação em grandes eventos interna-
Camões (c.1524-1580?), na data apontada pelos historiadores cionais em representação de Portugal.
para a morte do poeta, o diploma declarava o 10 de junho
«Dia de Festa Nacional e de Grande Gala», celebração de caráter
episódico que deveria ocorrer apenas naquele ano. Porém,
seria aproveitada pela oposição republicana para sublinhar
a necessidade de renascimento da pátria e, ao mesmo tempo,
censurar a participação do poder monárquico nos festejos.
Mais tarde, na sequência da implantação da República, os
feriados nacionais seriam instituídos pelo Decreto de 12 de
outubro de 1910, que não incluía o dia 10 de junho. Aquele
diploma preconizava, ainda, que «as municipalidades poderão,
dentro da area dos respectivos concelhos, considerar feriado um
dia por anno, escolhendo-o de entre os que representam as festas
tradicionaes e caracteristicas do municipio». Foi nesse contexto e
em honra de Camões que o município de Lisboa adotou o dia 10
de junho, presumível data de falecimento do autor de Os Lusíadas.
Uma década mais tarde, o Decreto 17.171, de 29 de agosto de
1919, consagrou o dia 10 de junho como feriado nacional. Durante
o Estado Novo deixaria de ser feriado municipal, passando a ser
festejado a nível nacional como “Dia de Camões, de Portugal e
da Raça”, designação estreada por Oliveira Salazar (1889-1970)
no discurso de inauguração do Estádio Nacional, em 1944. Pelo CTT, Correios de Portugal
Decreto n.º 38:596, de 4 de janeiro de 1952, «a exemplo do que
sucede em outros países institui-se em Dia de Portugal, consagrado
à Festa Nacional, designando-se para o efeito o dia 10 de Junho,
comemorativo de Camões, pelo alto valor nacional e pela projeção Com a icónica Cruz de Cristo nas velas, o nome “Sagres”, desde
universal da obra do nosso grande épico, na qual se consubstanciam que associado aos navios-escolas da Marinha Portuguesa, já
as maiores glórias dos Descobrimentos», a legislação conferia ultrapassou o tempo em que o escudo vigorou como nossa moeda
novo caráter legal à data. Todavia, com a intensificação da guerra (1911-2002) e que havia substituído o real (1430-1911), derradeira
colonial, a partir de 1963 este feriado seria transformado em moeda da monarquia. Por afortunada deliberação dos respetivos
homenagem às Forças Armadas e exaltação do regime. governos, ambas as designações continuam a ser utilizadas por
alguns países lusófonos, sendo o escudo a moeda oficial de Cabo
Depois do 25 de abril, o Decreto-Lei n.º 80/77, de 4 de março, Verde e de Timor-Leste, e o real a moeda oficial do Brasil.
estabeleceu que «o Dia de Camões, comemorado a 10 de junho, Foram os navios com a Cruz de Cristo nas velas que disseminaram
passa a ser dedicado também às comunidades portuguesas no a língua portuguesa pelos cinco continentes, atualmente a sexta
estrangeiro». Por indefinição sobre a data de comemoração do mais falada no mundo, por mais de 290 milhões de pessoas,
dia nacional, o 25 de abril chegou a ser ponderado para esse e idioma oficial dos oito países lusófonos, além de Macau.
efeito. Encontrado o equilíbrio, no ano seguinte o Decreto- Finamente decantado no seio das melhores tradições da
-Lei n.º 39-B/78, de 2 de março, revogava a anterior legislação, Marinha Portuguesa e habilmente aprimorado pelos respetivos
determinando que «o dia 10 de Junho, Dia de Camões e das marinheiros, o NRP Sagres é hoje um símbolo de enorme prestígio
Comunidades, melhor do que nenhum outro, reúne o simbolismo que engrandece Portugal e motivo de orgulho dos portugueses.
necessário à representação do Dia de Portugal. Nele se aglutinam
em harmoniosa síntese a Nação Portuguesa, as comunidades «Mal dos países que não sentem o legítimo orgulho das suas
lusitanas espalhadas pelo Mundo e a emblemática figura do épico tradições, dos seus antepassados, das suas glórias remotas, da
genial». Desde então, neste dia é prestada homenagem a Portugal carta de brasão, da sua nobreza secular, que não palpitam, que
e aos portugueses, a Luís de Camões e à língua portuguesa, não vibram, que não comungam daquele culto de heroísmos,
assim como à cultura lusófona e às comunidades portuguesas dos esplendores, dos sacrifícios e das virtudes do passado
espalhadas pelo mundo, sendo o NRP Sagres recorrentemente indispensável ao próprio sentimento da sua continuidade histórica
utilizado para este efeito, nomeadamente no estrangeiro. e à própria permanência da sua identidade nacional».
NRP SAGRES Júlio Dantas (1876-1962)
Com uma história que se confunde com a lenda, o atual NRP Sa-
gres herdou do antigo navio-escola homónimo (1924-1962) os prin- António Gonçalves
cipais elementos simbólicos. Tendo anteriormente servido como CFR
navio-escola da Marinha Alemã (1937-1945) e navio-escola da Ma-
rinha Brasileira (1948-1961), com a bandeira nacional içada no pe- Agradecimento: Ao senhor José Cabrita, colaborador do Gabinete de Heráldica
Naval desde 2012, pela cedência dos símbolos nacionais, desenhados de
nol da carangueja alta contribui há seis décadas para a afirmação de acordo com os critérios oficialmente aprovados.
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