Page 122 - Revista da Armada
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tugueses estavam atacando intensamente
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                                                                                charas  que  se  aproximavam  mais, ten-
                                                                                tando  abordá-los,  foram  afundadas  ou
                                                                                gravemente avariadas. Apercebendo-se
                                                                                os  nossos  bombardeiros  da  resistência
                                                                                dos  costados  dos  juncos,  passaram  a
                                                                                dirigir os  seus  tiros  para os  castelos  e
                                                                                para a mastreação.  Em alguns juncos as
                                                                                vergas  caíram  e  mataram-lhes  muita
                                                                                gente;  noutros, os paveses dos castelos
                                                                                foram arrombados deixando os frechei-
                                                                                ros  desprotegidos, o  que  levou  grande
                                                                                parte  a  refugiar-se  no  interior.
                                                                                   Enquanto durou o terreal, a armada
                                                                                de  Pateonuz  continuou  a  sua  penosa
                                                                                marcha para noroeste,  qual  rebanho de
                                                                                ovelhas  acossado  por  uma  alcateia  de
                                                                                lobos, sob o bombardeamento contínuo
           Ma/tu:ll - wL.endn$ tÜI/Mia,. d~ Ga5par Corrtia.
                                                                                dos  navios  portugueses.  Veio  depois a
           nenhum  dos  nossos  navios.  E,  poucos   trombetas, os tambores e a algazarra das   calma da tarde e com ela recrudesceram
           dias depois do regresso de Fernão Peres   guarnições,  foi  ao  encontro da inimiga   os ataques das  lancharas javas, sempre
           da sua busca infrutífera, a armada java   que, tendo descaído durante a noite, se   repelidos com pesadas perdas dos atacan-
           apareceu de surpresa ao largo da cidade,   encontrava fundeada cerca de três léguas   tes.  Começando a  soprar a  viração  do
           vinda  de  oeste.  Tanto  quanto  a  vista   (nove  milhas)  abaixo de Malaca.   norte ou noroeste, reacendeu-se o com-
           podia alcançar, o mar ficou coalhado de   A armada  portuguesa  compunha-se   bate  com  os  juncos  que  passaram  a
           velas, o que encheu de assombro a popu-  de dez naus, uma galé e duas caravelas,   navegar  na  direcção  de  Malaca.  Os
           lação da cidade e criou sérias apreensões   além  de  dois juncos de mercadores  de   navios javos continuavam a tentar, sem
           aos  portugueses.                  Malaca  nossos  amigos e  de duas  deze-  êxito, aprox.imar-se dos portugueses para
              Rui de Brito Patalim, capitão da for-  nas de lancharas em que ia o bendará da   os  atacar  com  flechas  e,  se  possível,
           taleza e autoridade máxima em Malaca,   cidade com cerca de mil e duzentos fre-  abordá-los;  estes.  por seu turno, conti-
           resolveu deixar naquela apenas vinte sol-  cheiros malaios.  Os  nossos  navios  iam   nuavam  a  esforçar-se  por conservar o
           dados,  a  maior  parte  deles  doentes,  e   mais ao mar; os juncos e as lancharas dos   adversário  à  distância,  enquanto o  iam
           embarcar-se com todos os restantes a fun   malaios nossos aliados iam junto à costa.   paulatinamente desgastando com a arti-
           de  ir  dar combate  ao  inimigo  no  mar,   Logo que se aperceberam de que a   lharia . Ao cair da noite, ambas fundea-
           onde  lhe  parecia  que  seria  mais  fácil   nossa  armada  ia  ao  seu  encontro,  os   ram, ficando a nossa diante da cidade e
           destruí-lo do que depois de ter desembar-  navios de Pateonuz  levantaram  ferro e   a  inimiga  um  pouco a  sul  dela.
           cado. Só que a Fernão Peres de Andrade,   começaram a navegar rumo a noroeste.   Reunido o conselho de capitães, pre-
           capitão-mor da armada, não pareceu bem   Nesse tempo, os navios de vela ainda não   valeceu  a  opinião  de que  Pateonuz  se
           que  Rui  de  Brito,  naquela altura,  fosse  combatiam em formatura.  Uma vez avis-  preparava  para  desembarcar  e  ir  pôr
           assumir  o  comando  da  frota .  Que  lhe   tado  o  inimigo,  cada  capitão  actuava   cerco à fortaleza,  pelo que foi  decidido
           mandasse  de  reforço  a  guarnição  da  como  melhor  entendia.  Jorge  Botelho,   que Rui de Brito regressasse com a sua
           fortaleza, estava certíssimo, mas que se  cuja  nau,  embora de  pequenas  dimen-  gente àquela e que Fernão Peres com a
           deixasse ficar  nela como era obrigação  sões, era o navio mais veleiro da nossa   armada continuasse,  no dia seguinte, a
           e  não fosse usurpar o cargo de outrem!   armada,  foi  o  primeiro  a  chegar  ao   alacar os navios inimigos. Porém, pouco
           Os ânimos azedaram-se, houve troca de   contacto  com  o  inimigo.  Desprezando   depois de ter chegado à fortaleza, Rui de
           palavras ofensivas entre ambos e Rui de  quinze lancharas  que  pretendiam abor-  Brito mudou de ideias e mandou ordem
           Brito acabou por mandar prender Fernão  dar, passou pelo meio delas sem dispa-  a  Fernão  Peres  para  fazer  seguir  os
           Peres!  Porém,  algumas  horas  depois,   rar um {iro,  e  foi  direito à capitânia de   navios  maiores  para  a  Índia  a  pedir
           estando já embarcado na galé de Pero de   Pateonuz  sobre  a  qual  disparou  duma   socorro e, com os navios mais pequenos,
           Faria,  mandou  apresentar  desculpas  a  assentada todos os seus canhões. Porém,   ir  meter-se  no  rio  de  Malaca  a  fim  de
           Fernão  Peres.  rogando-lhe  que  fosse  os pelouros ricochetavam no seu fortís-  evitar que  por  ele  pudessem  entrar as
           assumir  novamente  o  comando  da  sua  simo costado como se fossem  bolas de   lancharas  de  Pateonuz  e  desembarcar
           nau,  ao que este  anuiu,  embora  muito  pingue-pongue  sem  lhe  fazer  qualquer   gente  mesmo em cima da cidade!  Fer-
           agravado,  como  é  fácil  de  calcular.  dano, o mesmo sucedendo com as salvas   não  Peres,  apoiado  por  todos  os  seus
              A noite, passaram-na os portugueses   seguintes  e com as da  galé de Pero de   capitães. resolveu ignorar a ordem e con-
           aprontando os seus navios para combate,   Faria que,  entretanto,  se  viera juntar a   tinuou  os  preparativos  para  renovar o
           embarcando artilharia, pólvora e pelou-  Jorge Botelho. Vendo a sua capitãnia em   combate  com  a  armada  java  no  dia
           ros e  preparando grande quantidade de   perigo,  acorreram muitos juncos e  lan-  seguinte.
           lanças de fogo e panelas de pólvora. Ao   charas  javas  e  os  nossos  dois  navios   Pateonuz também se reunira em con-
           romper do dia, aproveitando o lerreal de   tiveram  de  se afastar para  não  ficarem   selho com os seus principais capitães e
           nordeste, a nossa armada, de bandeiras   cercados.                   com alguns mercadores javos de Malaca
           desfraldadas e atroando os ares com as   Nessa altura, já todos os navios por-  que foram  ter com ele.  A sua  intenção

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