Page 377 - Revista da Armada
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capitão em sérios apuros, tanto mais que entanto, as ditas gaJés não conseguiram isto se passava, outros mouros tentavam
a maior parte dos soldados que levava, entrar em Tânger por causa da corrente entrar sorrateiramente pela popa. Mas o
amolecidos pelo serviço de guarnição e e continuaram a viagem sem esperar pela mestte da caravela, pressentindo-os, fez-
pouco afeitos à guerra, fugiram para ré, caravela da D.a Antónia. -lhes f["ente com os marinheiros.
indo-se abrigar debaixo do IOldo. Não Chegado a Arzila, o capitão-mor da impedindo-os de subir. Ainda não satis-
obsumte, Miguel da Silva lutando cora- armada do Estreito que ia nas galés, D. feito com os mouros terem sido escor-
josamente, auxiliado por alguns soldados João Coutinho, mandou uma embarca- raçados, o indomável GrimaJdo foi·se ao
mais animosos, conseguiu repelir os ção de pescadores a Tânger para levar fogão, que estava aceso, agarrou nele e
mouros e desaferrar. E, sem perder O correspondência diversa e dar conta das atirou-o para dentro da fusta do corsá-
ânimo. obrigou à ponta da espada os sol- razões por que não pudera aJi entrar con- rio! Um ou dois mouros que apanharam
dados que tinham fugido, a reocupar os forme estava combinado. Porém, já per- com o fogão na cabeça morreram logo;
seus postos de combate e, mandado fa- to de Tànger, a embarcação foi capturada outros foram queimados pelas brasas que
zer força de remos, tomou a abordar a por uma fusta dum corsário de Tetuão, saltavam por todos os lados; os reStan-
fusta inimiga! Mas de novo foi entrado possivelmente, a que escapara do com- tes ficaram temporariamente cegos pela
pelos mouros. Alguns dos nossos solda- bate de Ceuta alguns meses antes. Mas núvem de cinzas e fuligem que envolveu
dos foram mortos e os restantes volta- um dos pescadores, de nome Grimaldo, a fusta! Completamente desnorteados, os
ram a fugir. Vendo-se sozinho, Miguel que era pessoa particularmente desem- mouros largaram a caravela e afastaram-
da Silva agarrou numa lança e atirou-a baraçada e destemida, teve artes de se es- -se. No entanto, passado algum tempo,
com toda a força contra os mouros c0- capar, conseguindo chegar a terra a já recompostos, começaram a segui·la,
mo se dum dardo se tratasse e, com tan- nado, onde informou o governador da atacando-a com artilharia.
ta sorte o fez, que a lança atravessou a praça do que se passara. Muito prova- Estava a nossa caravela em risco de
garganta do capitão da fusta inimiga e velmente este não dispunha de navios e ser metida no fundo sem nada poder fa·
prostrou--o morto! Deitando a mão a ou- nada pôde fazer. zer quando se avistaram os batéis das
tra lança preparava-se para repetir a Decorridos alguns dias, O.a Antónia naus biscainhas que vinham em seu s0-
proeza quando os mouros, desmoraliza- de Azevedo resolveu fazer a viagem sem corro. Não estando dispostos a travar n0-
dos com a morte do seu capitão, acha- escolta, confiada em que a fusta do cor- vo combate à arma branca, os tripulantes
ram por bem retirar. Separaram-se os sário já se tivesse afastado, tanto mais da fusta meteram rumo a Larache e de·
dois navios e o combate interrompeu-se que se encontravam fundeadas ao largo sapareceram.
durante alguns minutos. de Tânger, aguardando vento favorável Os batéis levaram a caravela a rebo-
Entretanto, o outro bergantim portu- para seguir viagem, duas naus da Biscaia que para junto das suas naus onde os por-
guês aproltimara-se, o que levou a fusta que não tinham sido molestadas. Na ca- tugueses foram tratados das feridas que
moura a pôr-se em fuga. Mas os nossos ravela ia também o GrimaJdo que apro- tinham recebido em combate. Seguida-
dois navios cortaram-lhe o caminho pa- veitou a oportunidade para regressar a mente, as senhoras, que não tinham ga-
ra o mar e, apertando com ela, Arzila. nho para o susto, desembarcaram,
obrigaram-na a dar à costa. Envolvida Estava ainda aquela à vista de Tân- regressando por terra a Tânger; acom-
pela rebentação, a fusta virou-se, mor- ger quando apareceu a fusta do corsário. panhadas pelo governador da praça que,
rendo afogados todos os seus ocupantes, Armaram-se imediatamente os dois fidal- entretanto, tinha acorrido ao local. A ca-
à eltcepção de oito que conseguiram che- gos, bem como o Grimaldo, preparando- ravela, seguindo junto à costa, regressou
gar a terra a nado, onde foram imedia- -se para repelir o ataque dos mouros à também àquela cidade donde nunca de-
tamente capturados pelo capitão da praça ponta da espada, já que não dispunham veria ter saido nas condições em que o
que, acompanhado de muitos cavaleiros, de artilharia nem mesmo, provave1me;.· fez.
seguia o combate de perto. te, de espingardas.
A segunda fusta que acorria em s0- Efectuada a abordagem, consegui-
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corro da companheira. ao ver a sorte que ram subir à caravela oito mouros com os
esta tivera, mudou de rumo e escapou- quais os três portugueses se envolveram No ano de 1520, el-Rei O.Manuel.
-se para Tetuão. nwna renhida peleja. Mas, sendo os nos- como prémio dos bons serviços presta-
sos mais destros no jogo das armas e es- dos em A1.amor por Vasco Fernandes
tando a combater para salvar as vidas, Cesar, confiou-lhe o comando duma ca-
T.\N<iEP (Ver~ dt: 1520) conseguiram matar quatro dos assaltan- ravela bem armada e encarregou--o de
tes o que levou os outros a retirar para cruzar ao largo da costa atlântica de Mar-
No verão de 1520, D.a Antónia de o seu navio. rocos dando caça aos piratas mouros.
Azevedo, viúva de Diogo de Soveral, Porém, quando os que estavam na Enoontrando-se Vasco Fernandes no
que se encontrava em Tânger, resolveu fusta souberam que havia só três com· desempenho desta missão. em data que
alugar uma caravela para regressar a Ar- batentes para defender a caravela e que os cronistas não referem, vieram ao seu
zila, onde residia, acompanhada de suas esta estava cheia de mulheres, decidiram encontro duas galeotas mouriscas, bem
tias, innãs e criadas, bem como de dois dar·lhe novo assalto. Desta vez, foram guarnecidas de artilharia e gente de ar-
primos, João Coelho e Aires Coelho, a quinze os mouros que conseguiram en· mas, que dias antes tinham apresado duas
quem pedira que lhes fizessem compa- trar nela pela proa. Foram logo contra embarcações portuguesas e que agora se
nhia durante a viagem. eles os dois fidalgos e o pescador. que preparavam para repetir a proeza, não
Devia a caravela ser escoltada no tra- em vaJor e coragem não lhes ficava atrás, suspeitando a dureza do osso que teriam
jecto por algumas gaJés da armada do Es- e, pela segunda vez, depois de terem de roer. Mas logo se desenganaram ao
treito que tinham partido havia pouco de morto alguns dos atacantes, obrigaram ver que a caravela de Vasco Fernandes,
Ceuta. também com destino a Arzila. No os restantes a regressar à fusta. Enquanto em vez de tentar fugir como esperavam,
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