Page 379 - Revista da Armada
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Sul,  situação que se modificou radicalmente com a chegada   em que nos formamos, como ainda pelo controlo que se exer-
         dos  bons  médicos que  integravam  as  Forças Annadas.   ce nos  poucos cargos  propiciadores  de desvios  ser bastante
            Lembro-me perfeitamente de um caso bem elucidativo: es-  rigoroso.
         tava eu em comissão de serviço a bordo de uma fragata, em   E aqui  ficam  indicados  os casos mais evidentes em que
         Moçambique, no ano de 1962, quando chegou num navio fre-  os militares podiam comprar andares!  Outros existiram, mas
         tado,  um jovem médico cirurgião,  chefe  de uma equipa que   também devido a outras profissões liberais que possuíam, no
         em Lisboa começava a fazer nome e que, na sua 6ptica,  via   caso dos militares,  ou  por meio de suas mulheres. as quais,
         cortada com a mobilização, essa situação ascensional.  Daí o   mesmo não tendo cursos superiores,  facilmente arranjavam
         seu desespero! Como amigo do médico de bordo, foi almoçar   colocação desde que possufssem uma razoável preparação. E
         connosco.  Perante o  seu  desgosto  tudo  fizemos  para o  ani-  não  era preciso procurar  muito.  A  falta  de gente  habilitada
         mar, dizendo-Ihe que se tivesse a sorte de ficar numa cidade   era tão grande que bem se poderia aplicar o adágio: em terra
         das  principais,  o  futuro  não  seria  tão negro,  pois  que  além   de  cegos quem  tem  wn  olho  é rei.
         de  poder  ganhar  dinheiro,  teria  muitas  possibilidades  de   No  caso  dos  sargentos  podemos  encontrar situações  si-
         praticar.                                           milares.
            O seu receio de perder a mão, como dizem os cirurgiões,   Quanto à acusação de que a guerra não acabou mais cedo
         e que era a sua principal preocupação, não teria razão de ser.   porque  os  militares pretendiam  manter o tacho,  eufemismo
         Felizmente para ele,  foi  colocado na cidade da Beira e de tal   insultuosamente usado, ela é tão soez que não devemos  per-
         modo as coisas correram que,  terminada  a comissão,  pediu   der tempo a discuti-Ia.  S6 os que por lá passaram e tanto so-
         a sua prorrogação. Finda esta, foi  licenciado e ficou instalado   freram ,  quer  no  seu  isolamento  dos  familiares  (a  grande
         naquela bela cidade onde o seu sucesso foi tão grande que ainda   maioria),  quer na  incomodidade por que passaram e que só
         hoje lá estaria se não fosse a independência de Moçambique.   Deus e eles conhecem, já que o grande público não  faz  se-
         E parece que a sua conta  bancária cresceu e  muito .. .   quer  uma  pálida  ideia  do que aquilo era, é que sabem  bem
            Mas não só os médicos.  Também os engenheiros não  ti-  quanto desejavam que os dirigentes políticos  resolvessem  o
         nham mãos a medir, dada a falta que deles se fazia sentir, prin-  problema e a paz  regressasse  para seu descanso e  para que
         cipalmente nas cidades do interior que não aliciavam os jovens   se fizesse daqueles ricos territ6rios, terras pr6speras onde os
         engenheiros.  A falta era de tal  fonna que, para satisfazer as   portugueses de todas as cores, raças e religiões pudessem vi-
         necessidades de certas Câmaras, eram destacados milicianos   ver  melhor,  em plena  harmonia  de convfvio,  tão dentro da
         do Exército, com O curso de engenharia civil. que recebiam   maneira de ser da  gente  lusa.
         o vencimento de alferes, mas tinham as  regalias de uma vida   Penso ter esclarecido,  objectiva  e claramente,  este pro-
         mais sossegada, com direito a residência e viatura.  Voluntá-  blema  que  tanto  fere  a sensibilidade de todos  n6s.
         rios  não  faltavam!                                   A Revista  da Annada tem  hoje uma grande divulgação,
            Em 1973, um engenheiro civil, capitão miliciano, coman-  não só no meio naval como  at6 no civil.  Se conseguir que,
         dante da Companhia de Engenharia sediada em Tete, foi con-  pelo menos os que a lêem, fiquem devidamente esclarecidos,
         tratado pela Câmara Municipal para fazer o plano e projecto   darei  por  bem  empregadas as linhas  que escrevi.
         do sistema de  saneamento  básico  daquela cidade.
            Realizou o trabalho em cerca de seis meses e por ele rece-
         beu  800  mil  escudos.  Nada mau  para a época!
            Mas havia ainda outros militares dos três ramos das For-
         ças Armadas que conseguiam amealhar razoáveis somas. Eram
         os casados com professoras do liceu ou com médicas, que os
         acompanhavam nas comissões.  Cito estas profissões porque
         constituíam o caso  mais  geral.
            Lembro-me de um  capitão do  Exército que em  1973/74
         estava  em comissão em Tete,  onde,  pelo  facto  de estar em
         zona de campanha e. assim,  receber mais 20%  do ordenado
         base, auferia cerca de  15000$00, mensalmente. Como tinha
         direito a habitação e a alimentação, a primeira para a famJlia
         e a segunda só para  ele, conseguia  transferir  integralmente
         para a Metrópole o vencimento de sua mulher que, sendo pro-
         fessora liceal, recebia o vencimento mensal de 21000$00.(1)
         E se considerannos que algumas professoras ainda davam ex-
         plicações por fora,  de que se faziam  pagar bem. e de que as
         médicas exerciam cHnica em hospitais e em consult6rios, p0-
         demos fazer  ideia de que podiam amealhar largas imponân-
         cias  ao  fim  da  comissão,  uma  vez  que  o  vencimento,  sem
         extravagâncias, chegava  para as  despesas  familiares.
           Se havia casos de enriquecimento por desonestidade não
         sei,  mas admito-o, sabendo que corruptos existem em todas
         as profissões. Do que, porém, não tenho dúvidas é de que nas
         Forças Armadas, seriam excepções não s6 pelo sentido ético                    Fernando  MiranJa  Gomes.
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           (I)  - lf. curioso CQrI.S/olor qu~. ~m 1973174.  UIM prof~ssor(l do Iic~u g(l-
         nhaw. mais  qu~ um  capilao tm COIIIpQIIho .•.      ****************
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