Page 305 - Revista da Armada
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de artilharia ou torpedos). Com as armas
submarinas ultra-rápidas, esta situação é
potencialmente invertida. Se foi possível
desenvolver torpedos, mísseis ou projécteis
supersónicos, a detecção da aproximação
destes com o sonar é impossível, porque a
arma atinge o alvo antes de o eco chegar aos
hidrofones da plataforma! Consequente-
mente, não há contramedidas conhecidas
para este tipo de armas, embora seja de
supôr que tais contramedidas venham a ser
Figura 2: Esquema do torpedo Shkval (“Squall”), segundo Ashley [1]. rapidamente concebidas e implementadas,
eventualmente com base em outras armas
tanque sofisticado para teste de modelos de injecção de gás (“cavity ventilation”), visto ser de super-cavitação (por exemplo, projécteis
objectos propulsionados a alta velocidade o factor crítico para criar e manter a bolha de anti-torpedo ou projécteis com trajectória
sob a água. gás que envolve o objecto ao longo da trajec- estável no ar e na água disparados por
Durante a década de 90 a França iniciou tória. aviões ou helicópteros).
também um programa de investigação em Um outro problema é o guiamento da Uma consequência do desenvolvimento
super-cavitação, tendo provavelmente em arma. É necessário que durante eventuais deste tipo de armas poderá ser o aumento da
vista as aplicações militares. Circulam alterações de trajectória (por exemplo, numa vulnerabilidade das grandes forças navais
rumores de que a França adquiriu à Rússia fase de busca terminal) o contacto com a fase incluindo porta-aviões e navios de apoio a
torpedos Shkval. líquida se mantenha minimizado, pois de grandes operações anfíbias, tradicionalmente
A Alemanha iniciou um programa de outra forma o objecto pode perder a estabili- usadas para desencadear operações militares
cooperação com a U.S.Navy para o desen- dade ou mesmo desintegrar-se. O guiamento de grande escala em cenários distantes. Por
volvimento de armas de super-cavitação. pode ser efectuado alterando a geometria do exemplo, uma arma tipo torpedo/míssil com
Durante décadas, a U.S.Navy centrou os “cavitador” e usando aletas móveis, mas ogiva nuclear, propulsão a jacto e velocidade
desenvolvimentos tecnológicos da guerra garantir a estabilidade do objecto no interior supersónica pode ser disparada a grande
submarina na detecção e na redução do da bolha gasosa envolvente é um problema distância de uma força naval, aproximar-se
nível de ruído dos submarinos, e leva anos de delicado, que por sua vez influencia a sem ser detectada, e detonar no centro da
atraso em relação à Marinha Russa no campo selecção da configuração geométrica. Existe força sem que haja tempo de reacção
das armas ultra-rápidas, atraso que agora terá além disso o problema de dotar os futuros suficiente. Cidades situadas junto ao mar são
de recuperar, recorrendo às capacidades e torpedos ultra-rápidos com sistemas de sonar igualmente vulneráveis a ataques deste tipo,
recursos do país no campo da mecânica de activo para aquisição de informação sobre o o que poderá tornar inúteis iniciativas como
fluidos computacional (CFD – Computational alvo. Os hidrofones terão que ser colocados a célebre “Guerra das estrelas”. Por outro
Fluid Dynamics) para simular os escoamen- nas zonas em contacto com a fase líquida, lado, a guerra submarina e anti-submarina
tos bifásicos em torno de objectos. para obter rendimento adequado. Uma poderá sofrer enormes alterações a nível
Contudo, a única arma submarina ultra- solução será colocar os transdutores no “cavi- táctico, o que pode vir a pôr em causa
rápida operacional de que há conhecimento tador”, mas o problema do rendimento man- alguns dos actuais desenvolvimentos tecnológi-
é o torpedo Shkval. Trata-se na realidade de tém-se de difícil solução. cos nessas áreas. Concretamente, o jogo de
um projéctil propulsionado por um motor a Finalmente, existe o problema da propul- “gato-e-rato” num combate silencioso entre
jacto, com um comprimento de cerca de 9 são. Para atingir velocidades de super-cavi- dois submarinos, pode vir a dar lugar a com-
metros, um peso de cerca de 2700 kg, capaz tação, é necessário dispor de sistemas de bates rápidos e ruidosos entre submarinos
de atingir uma velocidade de cerca de 200 propulsão de grande potência. Os sistemas ultra-rápidos, disparando projécteis ou torpe-
nós. O Shkval é um torpedo de certa forma aparentemente mais promissores recorrem a dos ultra-rápidos, de forma algo semelhante
“primitivo”, dado que executa uma carreira turbinas de gás ou propulsão a jacto queimando aos combates aéreos actuais!
rectilínea. No entanto, está certamente em combustíveis metálicos e utilizando a água Em todo o caso, parece evidente que o
curso investigação tendente a produzir armas como oxidante e fluido de arrefecimento. Tais desenvolvimento deste tipo de armas aumen-
capazes de manobrar durante a trajectória, sistemas utilizam combustíveis mais energéti- ta enormemente o valor estratégico do sub-
com sistemas de “homing” na fase terminal cos e instáveis do que os combustíveis dos marino como elemento decisivo de dis-
da carreira (semelhantes aos dos torpedos torpedos convencionais, o que poderá estar suasão, na proporção em que os demais
convencionais). Os problemas técnicos a na origem do acidente do Kursk. É possível meios navais (incluindo os grandes porta-
resolver são enormes, face à necessidade de também atingir velocidades de super-cavitação -aviões) se tornam potencialmente mais vul-
impedir o contacto do torpedo com a água utilizando sistemas com hélices especiais neráveis a ataques súbitos, inesperados e
durante as curvas, e de colocar os transdu- movidas por turbinas a gás com combustíveis devastadores.
tores do sonar de busca em contacto com a sólidos de alto rendimento.
fase líquida sem prejudicar o rendimento das Carlos M. Lemos
superfícies que produzem a cavitação. CTEN
IMPACTES NA ESTRATÉGIA
E TÁCTICA NAVAIS
ASPECTOS
EM DESENVOLVIMENTO O desenvolvimento de armas submarinas
ultra-rápidas, com grande alcance, guiamento REFERÊNCIAS
O desenvolvimento de novas armas por fio e capacidade de busca autónoma,
submarinas baseadas na super-cavitação le- (“homing”) poderá ter um impacte enorme [1] Ashley, Steven: Warp Drive Underwater,
vanta uma série de problemas técnicos de em futuras operações navais. Presentemente Scientific American, Maio de 2001.
difícil solução os sistemas de aquisição (radares, equipa- [2] Batchelor, G. K.: An Introduction do Fluid
Uma das questões mais importantes é a mentos ESM/ECM e sonares) adquirem infor- Dynamics, Cambridge University Press, 1967.
[3] Nicholas, Rufford e Grey, Stephen: Secret torpe-
geometria dos torpedos ou projéctil, em espe- mação a uma velocidade muito superior à do test “blew sub apart”, SUBSIM Review, Agosto de
cial o “nariz” (“cavitador”) e a zona de das armas de ataque e defesa (mísseis, peças 2000 (www.deepdomain.olm.net/ssr/).
REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2001 15