Page 307 - Revista da Armada
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A Volta de Magalhães
A Volta de Magalhães
1ª Parte
Uma estranha e indefinível sin- desafio aos mais
destemidos, com
tonia gera em relação a alguns
grande mobilida-
feitos humanos um sentimento de, em defesa de
de dívida de gratidão colectiva pequenas feitorias
comerciais e algu-
por nos ter tornado possível mas fortalezas, pa-
plasmar com o seu executor, ra o domínio naval
ímpar, recreando em nós, por de estreitos, ilhas,
teatros de guerra e
momentos, a sensação do ilimi- comércios vários,
tado. Num mundo céptico, não distantes entre si
são muitas as memórias que per- dias e dias de na-
vegação.
durem desse punhado de heróis. Em certas oca-
A de Fernão de Magalhães, ao siões tornar-se-ia
fim de meio milénio, é sem dúvi- necessário acorrer
“in extremis”, pe-
da uma delas! rante o desfazer de
alianças locais ou
por razões de ín-
ernão de Magalhães nasceu no seio dole militar ligadas
de uma família com alguns haveres normalmente a mo-
Fno último quartel do Séc. XV no nopólios estabeleci-
Norte de Portugal, em localidade sobre a dos, arrostando por
qual não parece haver acordo. Pertencente vezes com o mau
provavelmente a uma modesta nobreza tempo das monções Fernão de Magalhães.
rural teria, relativamente novo, vindo para em costas bastante Viena Kunsthistorisches Museum
Lisboa onde ocupou lugares de pouco rele- desabrigadas.
vo na Corte de D. João II, estando ao ser- O gosto pela aventura pairava no ar o feitor Rui de Araújo. Teriam ficado igual-
viço de Dona Leonor e posteriormente de olisiponense e quando razões de coração mente retidos dois dos navios.
D. Manuel I. ou de fortuna complementavam as outras, Compulsando fontes de Malaca segun-
Na capital do Reino contactou certa- constatamos que, tal como Camões, nobres do uma perspectiva asiática os primeiros
mente, na sua vida de palácio, com gentes e plebeus, aliciados por sonhos de glória e portugueses chegados a estas paragens, e
conhecedoras dos mares recentemente de dinheiro, embarcavam nas naus da vistos com curiosidade pelos habitantes
descobertos no Hemisfério Austral, do seu Carreira da Índia em viagem para o desta cidade, foram os marinheiros, entre
regime de ventos e correntes e das ciências Oriente. os quais se encontrava Magalhães, dos
náuticas necessárias às suas singraduras. Magalhães, com cerca de 25 anos, pos- cinco navios desta armada de Diogo
Terá deambulado pelas ruas e cais da sivelmente enfadado com o ócio pala- Lopes de Sequeira, chegados a 1 de
zona ribeirinha da Lisboa de Quinhentos, ciano, não enjeitou este chamamento. Setembro de 1509. Viriam a ser chamados
invadida por marinheiros, cartógrafos, mi- Seguiu na armada de D. Francisco de “Bengali Putih” (Bengaleses Brancos).
litares e estrangeiros na procura de fortu- Almeida de 1505, que partiu a 25 de A expedição fora ordenada por D. Manuel I
na que, nesta cidade então cosmopolita, Março, iniciando a carreira das armas. para sondar a situação em Malaca e, se
trocavam experiências, tentavam comprar Assim e embora escassos, surgem os considerada favorável, estabelecer rela-
segredos, aliciar capitães de mar experi- primeiros ecos dos seus feitos, inicial- ções comerciais nesta cidade, plataforma
mentados ou obter, entre dois copos – um mente débeis de longínquos, depois mais giratória dos intercâmbios de produtos
dos principais desinibidores de línguas – e concisos, sobre as suas qualidades mili- asiáticos, europeus e árabes. Inicialmente
através de relatos dos embarcadiços, mais tares, começando a ser citado na docu- bem recebidos, os portugueses foram
ou menos exagerados, informações úteis. mentação coeva, como sucedeu pela autorizados a instalar uma feitoria.
Estas vivências e narrativas irão alimentar ocasião das operações de desembarque Todavia o antagonismo por interesses co-
um espírito ávido de desafios que carac- em Malaca de 1509. merciais e religiosos (ou motivado pelas
terizaria a vida deste navegador. Nesta ocasião, alertado por um infor- notícias das eventuais crueldades prati-
mador chinês, o jovem militar fez abortar cadas contra as comunidades muçul-
A OPÇÃO PORTUGUESA: um ataque de surpresa que visava capturar manas na Índia, segundo outras fontes)
RUMO A LEVANTE todos os estrangeiros e seus navios. rapidamente veio à superfície, tendo o
Avisado, o comandante da expedição - sultão sofrido pressões para os atacar.
O jovem Magalhães sonha com uma Diogo Lopes de Sequeira - conseguiu pôr-se Parece ter sido nesta desastrosa expedição
carreira das armas numa mítica Índia, ao largo com a maioria dos seus homens, que Magalhães conheceu Francisco Serrão,
onde viria a tomar parte em várias expe- não evitando contudo que ficassem apri- a quem salvou de ficar cativo e que viria a
dições: ali a vida seria um permanente sionados em terra cerca de vinte, incluindo tornar-se num seu grande amigo.
REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2001 17