Page 308 - Revista da Armada
P. 308

Outras referências dispersas a respeito
         de Magalhães surgem: é mencionado
         como tomando parte, em 1506, na expe-
         dição de Nuno Vaz Pereira, a caminho
         de Sofala, porto de apoio da Carreira da
         Índia, onde foi erigida uma fortaleza; em
         1509 participa na Batalha dos Rumes e,
         segundo relato de Gaspar Correia, teria
         sido ferido em combate em Cananor na
         costa do Malabar, na Índia.
           Em 1510 Magalhães, após ter comba-
         tido na primeira, esteve com Albu-
         querque na segunda conquista de Goa,
         em cujo planeamento tomou parte. Sob as
         ordens deste chefe combateu nas ope-
         rações de tomada de Malaca em 1511,
         vindo esta cidade a capitular, após seis
         semanas de combates, no dia 10 de
         Agosto.
           As actuações de Magalhães pelo Índico
         e mares da China foram um tirocínio fun-
         damental para a sua formação militar e
         naval, dando-lhe concomitantemente uma
         visão mais concertada das grandes opções
         em jogo para a expansão dos países marí-
         timos no Séc. XVI.
           Os seus desempenhos, embora a nível
         subalterno, não podiam certamente escapar
         ao clima cíclico de interesses, calúnias, intri-
         gas e lutas pelo poder que, com períodos de
         maior ou menor virulência, envenenaram  Francisco de Almeida.         Afonso de Albuquerque.
                                            Museu Nacional de Arte Antiga.
                                                                               algumas das acções de governação e mi-
           FRANCISCO SERRÃO, HOMEM DAS SETE PARTIDAS  Novembro de 1521, os sobreviventes dos aconteci-  litares no Oriente nessa época, criando
               DO MUNDO, AMIGO DE MAGALHÃES  mentos da Ilha de Mactan, quando entraram em
                                            Tadore, foram informados, segundo narra Pigafetta,  relações tensas, quer entre os chefes militares
            Este explorador e militar, cujos caminhos se  que: “ainda não havia oito meses tinha morrido em  e administradores locais, quer com o Paço.
          cruzaram com os de Magalhães nas andanças pelo  Ternate um Francisco Serrão, capitão general do rei  Admite-se assim que, não bafejado por
          Oriente Português do Séc. XVI, é uma das pedras  de Ternate contra o rei de Tadore…depois, feita a  boas informações, decorrentes da falta de
          essenciais no enquadramento das questões rela-  paz entre eles, tendo ido um dia Francisco Serrão a
          cionadas com o posicionamento geográfico e opor-  Tadore contratar cravo, este rei mandou envenená-  reconhecimento do valor das suas acções ou
          tunidades de negócios das Molucas, no contexto da  -lo e não viveu mais que quatro dias,…o qual deixou  da má vontade de um qualquer elo da
          divisão dos mares do mundo.       um filho e uma filha pequenos de uma mulher que  cadeia de comando, que para alguns seria
            De facto, malgrado Francisco Serrão se tenha  trouxe de Java Maior”. A sua herança foi uma  D. Francisco de Almeida ou o próprio
          mantido fora da  ribalta do grupo dos notáveis mais  diminuta quantidade de cravo avaliada em 200  Afonso de Albuquerque, começasse a sur-
          conhecidos ligados às vicissitudes do comércio na  bahares. Pigafetta neste ponto da narrativa aproveita
          Insulíndia, foi uma pedra angular da expedição de  a oportunidade para indicar que Magalhães teria  gir no âmago de Magalhães a ideia dum
          Magalhães, seja pelas informações decorrentes da  empreendido a viagem de circum-navegação basea-  porvir cada vez mais divergente das empre-
          perfeita integração nas comunidades da Ásia, seja  do nas informações de Serrão e que este estaria a par  sas de D. Manuel.
          pela facilidade de contactos que tinha com o grande  das vicissitudes do seu amigo na Península.  Convém porém não esquecer que,
          entreposto comercial de Malaca. Demonstração  Após a consolidação de uma posição dominante
          deste facto é a menção na carta enviada a  22 de  em Malaca, iniciou-se em 1511 a expansão para  enquanto o Pacífico Central era ignoto, o
          Setembro de 1515 por Afonso de Albuquerque a D.  Leste, com instruções aos comandantes muito pre-  mar da China assemelhava-se a um “Me-
          Manuel I em que, relativamente a Serrão, narra  cisas e “pacíficas” como nos conta Castanheda: “ não  diterrâneo Oriental”, configuração esta já
          “que era vivo e estava em poder das ilhas do cravo,  fizesse presas nem tomadas, nem arribasse sobre  esboçada na cartografia coeva, com longas
          e governava o rei e a terra toda”.   nenhuma nau, nem lhe desse caça, nem saísse em  derrotas à vista de terra, dada a disposição
            O seu curriculum, segundo João de Barros,  nenhum porto, salvo uma pessoa ou duas, em todos
          mesmo com alguns laivos de fantasia narrativa, é  os portos em que chegasse desse presentes aos reis  geográfica das suas ilhas, e sulcado por fro-
          impressionante. Nos primeiros anos de 1500 já se  & senhores das terras…”, na qual foram empe-  tas de comércio entre zonas bem afastadas
          encontrava, como militar e marinheiro, no Oriente,  nhadas duas naus, uma comandada por António de  mas presumivelmente com economias de
          tendo sido enviado na força expedicionária que evi-  Abreu – chefe da expedição - e a segunda por  certo modo integradas, como testemunham
          tou a queda da Fortaleza de Cananor. Em 1509  Serrão, e uma caravela do comando de Fernão Dias
          embarcou com Fernão de Magalhães em Cochim  Bisagudo. Serrão conseguiu estabelecer contactos  os relatos de contactos de europeus com os
          tomando parte nas acções em Malaca acima  com as ilhas Molucas (ant. do Maluco), especial-  habitantes ribeirinhos.
          descritas. Em Janeiro de 1510 naufragou e foi reco-  mente vocacionadas para a produção de cravo, dado  Com efeito, um dos temas imprescin-
          lhido por uma embarcação enviada propositada-  o seu solo vulcânico.  díveis da informação avidamente solicitada
          mente por Albuquerque de Cananor, ao receber as  A “ Sabaia”, nau de Serrão, veio acabar os seus  aos locais, era o das zonas de proveniência
          notícias comunicadas por parte dos náufragos  dias na ilha de Bali. Não houve perda de vidas entre
          chegados numa pequena embarcação que con-  os seus tripulantes que continuaram a viagem, agora  das diversas especiarias e outros produtos
          seguira atingir a costa da Índia. Salvo, voltou a Goa  num junco, carregando-o com cravo, noz e maça  transaccionados, informação essa indispen-
          e foi enviado seguidamente a Cochim com vitualhas  (polpa interior da noz-moscada seca ao sol). Este  sável para aproar às origens das fabulosas
          indispensáveis à sobrevivência desta fortaleza. Tal  junco acabou por se perder num segundo encalhe.  riquezas mencionadas nas narrativas em cir-
          propósito não se chegou a concretizar por perda do  Serrão conseguiu com os sobreviventes apoderar-se
          navio.                            duma embarcação malaia, navegando com esta até  culação na época, nomeadamente as das
            Este homem notável veio a falecer em data próxi-  Ternate (0,48 N, 127,34 E); aí se radicou e obteve do  praias em que os areais seriam de ouro,
          ma do seu amigo Magalhães. Com efeito, a 8 de  rei local obediência ao Rei de Portugal.   metal este que existiria em abundância em
                                                                               certas zonas.

         18 SETEMBRO/OUTUBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA
   303   304   305   306   307   308   309   310   311   312   313