Page 309 - Revista da Armada
P. 309

OPERAÇÕES EM AZAMOR E              diferença de dimen-
         DESAVENÇAS COM D. MANUEL I         são, quer geográfica
                                            quer de oportuni-
           Regressado a Lisboa em 1513, integrado  dades comerciais,
         na armada de Fernão Peres de Andrada, o  existente entre a
         seu espírito irrequieto e talvez a escassez de  expansão para o
         dinheiros levaram-no, em Setembro deste  Oriente, com ga-
         ano, a tomar parte, depois do insucesso da  nhos fabulosos nas
         tentativa de 1508, na conquista de Azamor,  especiarias, e as da
         no Norte de África, sob o comando do  pequena região do
         Duque de Bragança. Na refrega virá a ser  Norte de África. Es-
         gravemente ferido numa perna, o que o  ta zona de guerras
         fará coxear para o resto dos seus dias.  endémicas, de onde
         Poder-se-á admitir que na escolha desta  tinha retornado
         nova área de actuação possam ter tido  com aleijão, era um
         alguma influência os contactos com Diogo  mercado relativa-
         Lopes de Sequeira, seu antigo comandante  mente pobre onde
         regressado da Índia, que com uma armada  se procurava suprir
         de trinta navios iria entrar em operações  a falta de trigo para
         contra o rei de Fez.               Lisboa,  Porto e al-
           Magalhães voltou desta expedição, da  gumas outras áreas
         qual não há relatos detalhados de feitos mi-  em que a popula-
         litares a seu respeito, com algumas acu-  ção urbana começa-
         sações ligadas a problemas administrativos  va a fazer sentir o
         e financeiros relacionados com a função de  seu peso.
         quadrilheiro-mor, funcionário a quem com-  Não seria tam-
         petia a repartição dos despojos. Tal facto re-  bém estranha à sua  Malaca. Da fortaleza de Afonso de Albuquerque, A Famosa, só resta o pórtico principal.
         forçou uma certa má vontade latente na  decisão o bom aco-
         Corte, a que não seria indiferente a opinião  lhimento prestado em Espanha aos  nhóis, como estrangeiro, do cargo de princi-
         do Duque de Bragança, seu último chefe  estrangeiros vindos para colmatar a  pal protagonista e uma certa escassez de
         militar.                           notória falta local de especialistas nas artes  peritos em construção naval e navegação,
           Expressas as duas recusas de D. Manuel I,  do mar, de que são exemplos os casos de  que justificam, de facto, o recurso frequente
         em 1513 e 1516, em anuir no “aumento de  Colombo, Vespucci, Estêvam Gomes e  a estrangeiros.
         moradia”, que passaria de 1.850 reis por  Caboto.                       A seu favor tinha Magalhães uma situ-
         mês, de acordo com o valor mencionado  Neste sentido, Juan de Aranda, futuro  ação de atrito entre D. Manuel e alguns dos
         num recibo datado de 14 de Julho de 1512,  administrador da “Casa da Contratación”,  banqueiros mais poderosos e a viagem de
         para 1.950 reis - o que não parece uma  escreveu a alguns amigos em Portugal para  Bartolomeu Dias, que dava peso às teorias
         exorbitância - , Magalhães constatou que o  se porem em contacto com pessoas muito  antigas de que as terras enxutas do mundo
         ambiente criado no Palácio a seu respeito  versadas em assuntos de navegação, para  existiam divididas em grandes ilhas,
         não era favorável aos sonhos de um lugar  descobrirem terras e ilhas pertencentes ao  rodeadas pelos oceanos. Uma curiosidade a
         de destaque na expansão portuguesa. Ao  rei de Espanha, promovendo a sua ida a  notar é a autodefesa de Magalhães, encar-
         Rei não era nova esta personagem de gran-  Sevilha, com todas as despesas pagas.  cerado em Sevilha duas vezes, relativa-
         de determinação. Em 29 de Março de 1514  Inquirido Magalhães sobre este assunto em  mente a acusações com certos laivos de
         já tinha feito um pedido de indemnização  Barcelona a 19 de Abril de 1519, respondeu  xenofobismo, em como dava preferência ao
         por lhe terem morto um cavalo seu em  “que tinha ouvido falar nele”.  engajamento de marinheiros portugueses e
         combate. Rezava assim: “Senhor – Fernão                               de outros da área do Mediterrâneo e da
         de Magalhães faço saber a Vossa Alteza  A OPÇÃO ESPANHOLA:            Bretanha. A estas respondeu que, tendo tor-
         que no dia em que o Duque (de Bragança)  RUMO A POENTE                nado público o engajamento em Málaga,
         carregou sobre Zamor numa escaramuça                                  Cádis e zona de Sevilha, não se tinha apre-
         que lá houve, me mataram um cavalo às  Obtida a necessária dispensa dos seus  sentado nenhum nativo do Reino de
         lançadas do qual não me deram em Zamor  serviços, equivalente à perda de nacionali-  Espanha.
         mais do que três mil e setecentos reais de  dade, Magalhães ainda se manteve alguns  Após diversas vicissitudes e viagens
         treze (mil) que me custou e os juradores  meses em Lisboa recolhendo informações  entre esta cidade andaluza e Valladolid,
         me disseram que Vossa Alteza já tem man-  úteis à empresa que se propunha levar a  conseguiu uma frota de 5 navios, relativa-
         dado pagar alguns deles (rogo de)….me  cabo, dirigindo-se posteriormente a Sevilha  mente pequenos, com tripulações bastante
         mandar pagar o meu pois me o mataram  com o astrónomo, astrólogo para alguns,  heterogéneas cujas percentagens foram ace-
         por uso no serviço e em lugar honrado e  Rui Faleiro, onde acederam aos ambientes  samente discutidas.
         com grande perigo para a minha pessoa  espanhóis ligados às viagens de descoberta
         onde a pé me salvei” (anexa certidão da  e seus financiamentos. Em Outubro de VIAGEM PARA O HEMISFÉRIO
         morte do  cavalo assinada por Francisco de  1517, quando chegaram a Sevilha e contac-  AUSTRAL
         Pedrosa, fidalgo encarregado de conhecer  taram a “Casa da Contratación”, o acolhi-
         a morte e perda  de cavalos, para requerer  mento, em certos sectores, não terá sido dos  Magalhães e Faleiro prepararam a sua
         a demasia).                        mais calorosos. A empresa que se apresenta  exposição a Carlos I, posteriormente
           Entre os factores que se admite devam  a Magalhães era deveras ciclópica: as três  Imperador Carlos V, pondo ênfase na con-
         ter pesado na decisão de Magalhães em se  frentes principais a ultrapassar eram repre-  vicção, sem  muito fundamento, como se
         mudar para Espanha, e não homiziar como  sentadas pelos financiamentos, fortemente  viria a demonstrar mais tarde, que o
         frequentemente é escrito, para além da  condicionantes para as escolhas da quali-  arquipélago das Molucas estaria na parte
         intransigência do soberano, que o dispen-  dade dos meios navais, humanos e logísti-  espanhola prevista no Tratado de Tor-
         sou do seu serviço, destacar-se-ia a gritante  cos; a oposição à sua aceitação pelos espa-  desilhas. A movimentação de Magalhães
                                                                              REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2001 19
   304   305   306   307   308   309   310   311   312   313   314