Page 377 - Revista da Armada
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venção da ONU a curto prazo, como os  cimentos é sempre dito que a Inglaterra  estaleiros nacionais. A renovação da
         efeitos seriam desastrosos na Rodésia e na  recusou um pedido de ajuda feito em  Armada no começo dos anos sessenta, no
         África do Sul.                     nome da Aliança, o que não corresponde  entanto, contou sobretudo com o apoio
           Em fins de 1961 temos assim uma situa-  por completo à verdade.     francês, através de dois programas centrais
         ção especial nas relações com a Inglaterra:  No já citado relatório diplomático inglês  de grande dimensão à escala nacional: o
         estas são tensas, mas melhores do que as  para 1961, é afirmado: “As demonstrações  das fragatas João Belo e o dos submarinos
         existentes com os EUA. O embaixador  em frente desta embaixada (a britânica) e  Daphné, ainda hoje existentes. Esses pro-
         britânico Ross é mesmo de opinião que  da americana, e o coro de insultos e  gramas obrigaram a uma ampla conversão
         esta tendência para a melhoria das  ameaças para a denúncia da Aliança  da maior parte das instalações da Armada,
         relações nos últimos meses de 1961 pode-  anglo-portuguesa e de todos os compro-  pois todas elas estavam viradas para o
         ria ter dado importantes frutos se entretan-  missos internacionais, excepto os mantidos  equipamento e material anglo-saxônico.























         As fragatas da classe “Comandante João Belo” e os submarinos da classe “Albacora” foram construídos em França de acordo com o contrato de 1964.
         to não tem surgido a crise de Goa. Na  com a Espanha e com o Brasil (que igual-  O caso de Goa foi um incidente decisi-
         realidade, quando se torna claro que a  mente se afastou das posições portuguesas)  vo no processo de inversão de alianças,
         União Indiana encara efectivamente o uso  têm como objectivo calar as críticas dos  com um forte impacte nas mentalidades
         da força armada, Portugal vira-se para a  que defendem que o verdadeiro mau da  nacionais. Na década de 1960, a França e
         Inglaterra como a sua grande esperança. É  fita no filme de Goa e a causa de todos os  a RFA passaram a ser a grande referência
         feita uma sondagem em Londres no senti-  problemas de Portugal é o próprio Dr.  externa portuguesa, tanto em termos políti-
         do de saber qual a reacção britânica se a  Salazar, bem como daqueles que, embora  cos, como comerciais, financeiros, de
         Aliança fosse invocada para defesa de Goa.  apoiando o Primeiro Ministro, pensam que  fluxos humanos e militares. Era uma
         O Foreign Office, algo surpreendido,  ele falhou ao não dar ao Exército os meios  evolução curiosa, pois Portugal recusava-
         responde que, na sua opinião não vinculati-  com que defender a honra da Nação,  -se a participar no movimento de inte-
         va, as obrigações da Aliança, mesmo que se  mesmo por poucos dias”. A conclusão do  gração europeia tal como entendido pela
         aplicassem ao caso de Goa, entravam em  relatório do experiente Embaixador Ross  CEE e tinha recentemente aderido à EFTA,
         conflito com as obrigações de solidariedade  era que as relações anglo-lusas nunca  animada pela Inglaterra. A partir de 1961,
         da Commonwealth, de que a União Indiana  voltariam a ser as mesmas e que algo de  porém, as suas duas grandes referências
         fazia parte. O caso ficou por aqui.  irrevogável se tinha quebrado para sempre.  externas a todos os níveis passaram a ser
           Em Lisboa a posição inglesa foi muito  A imagem que existia da Inglaterra e a  os países que formavam a eixo à volta do
         sentida. Portugal nunca tinha recusado  crença em amplos sectores da opinião  qual a CEE se estruturava.  O efeito prático
         qualquer pedido feito em nome da Aliança  pública que ela, apesar de toda a evidência  era que, apesar da posição política, as
         em séculos de História, pelo que se espera-  em contrário, ainda era um grande poder  principais ligações económicas e finan-
         va uma atitude diferente da Inglaterra e se  com que Portugal podia contar para a  ceiras de Portugal se estabeleciam com a
         apostava nela como principal trunfo da  defesa do Império, tinha sido irremediavel-  CEE, e não com a EFTA ou com África. A
         campanha política. A versão apresentada  mente destruída.             perda do Estado da Índia apressou esta
         oficialmente, no próprio discurso do  Esta conclusão era perfeitamente justifi-  evolução e foi, em certo sentido, como
         Presidente do Conselho, Oliveira Salazar,  cada. Nos anos seguintes procedeu-se a  um movimento premonitório da viragem
         foi que a Inglaterra se recusou a cumprir as  uma verdadeira inversão de alianças, com  de longo prazo que se esboçava, inclusive
         obrigações da Aliança. Quando este dis-  uma efectiva aproximação à França e à  pelo carácter traumático que revestiu,
         curso foi pronunciado, os diplomatas ingle-  RFA, como substitutos do anterior apoio  nomeadamente nas relações entre o poder
         ses hesitaram sobre se deviam fazer um  que vinha dos EUA e da Inglaterra. Este  político e os militares. O abalo irreparável
         desmentido oficial. Na sua visão, a Aliança  movimento foi especialmente claro no  provocado nas relações com a Inglaterra
         nunca foi formalmente invocada, tendo-se  campo militar. Até 1963 foram assinados  em 1961 pode, pois, ser encarado como
         Portugal limitado a fazer uma sondagem  mais de 23 acordos de fundo com a RFA  um  acto simbólico de uma transição de
         sobre qual a posição britânica caso tal  que a transformaram na principal fonte de  longo prazo entre uma visão estratégica
         fosse feito e a resposta recebida não vin-  tecnologia militar para as guerras de  ultramarina e outra de participação na
         culava o Governo de Sua Majestade. A  África. No caso da Armada, por exemplo,  integração europeia.
         conclusão foi que qualquer desmentido só  vieram da RFA a mais numerosa classe de
         serviria para piorar ainda mais as relações  lanchas de fiscalização modernas (a
         com Portugal, pelo que mais valia ficar ca-  Belatrix), o armamento dos fuzileiros e
         lado. A diferença de visão permanece até  parte do seu equipamento, bem como o  Prof. Doutor António José Telo
         hoje e nos relatos portugueses dos aconte-  apoio para a reconversão e expansão dos          Academia Militar
                                                                                    REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2001  15
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