Page 91 - Revista da Armada
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O “Gil Eannes”
O “Gil Eannes”
Entre a Guerra e a Paz
Entre a Guerra e a Paz
(1ª parte)
Quando o «Lahneck»
largou para a sua segunda
viagem, também de
Hamburgo para Lisboa,
já o espectro da guerra
pairava sobre a Europa,
pois havia dezasseis dias
que, em Sarajevo,
o Arquiduque herdeiro
do Império Austro-Húngaro
fora assassinado.
O cruzador auxiliar “Gil Eannes”.
ssim, nada de surpreendente quan- A sua silhueta é típica de um cargueiro de suprir o que suicidariamente, em tempo
do recebeu ordem para, ao abrigo daquele tempo: dois castelos, proa cerce, de paz, pagávamos em ... divisas (2).
A da neutralidade portuguesa nas popa de paquete, superestruturas no con- De facto, além dos navios já afundados
guerras ainda bilaterais que, como um vés, donde emergia a ponte, dois mastros, (3) e dos requisitados para transportar
rastilho, se foram ateando (1), permanecer sete paus de carga até 5 T. e um até 20 tropas nossas para as Colónias, entretanto
em Lisboa, onde voltara. que, através de cinco escotilhas, movi- agredidas (4), não dispúnhamos de
Com ele ficou o seu irmão «Rolandseck», mentavam até 2.000 T. ou cerca de 4.500 navios, nacionais ou estrangeiros, para
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ambos construídos em Geestemünde, mas m de carga a granel. Mas, entenda-se, já importar os alimentos e a energia (carvão)
este dotado dum moderníssimo motor de dotado de moderníssimos aparelhos acús- de que éramos, como hoje, absoluta-
combustão interna que nos viria a servir ticos de escuta de ... submarinos. mente carentes (5).
de escola. Previdentemente, as tripulações alemãs
O «Lahneck» com cerca de 85 m, uma MUDANÇA DE BANDEIRA tinham, naquele fatídico 16/02/1916, as
boca de 12,5 m e um «pontal a meio (de) válvulas distribuidoras, peças de sofistica-
5,12m» deslocava, com calado máximo, Como eles, dezoito meses depois, 74 díssima concepção, prontas a lançar ao mar
cerca de 4.500 T. a uma velocidade navios da Tríplice Aliança seriam, sem e assim, apesar de precavidos, na impossi-
média de 11 nós que, à custa de acele- qualquer violência, apresados, «forçando», bilidade de as resgatar ao lodo, houve que
radamente se «chegar» às duas caldeiras deste modo, a Alemanha a declarar-nos a enfrentar três terríveis dificuldades.
o carvão das 391 T. das suas carvoeiras, a guerra que nos permitiria defender o nosso As primeiras, o recálculo e o redesenho
sua máquina a vapor de tríplice expansão cobiçado «Império» e assegurar, entretan- das peças a substituir e a terceira, a sua
elevava a 12,8, sob, imaginamos, negros to, todos os inconvenientes de não dis- rigorosa execução e instalação num país
rolos saindo da sua esgalgada chaminé. pormos de uma Marinha Mercante capaz praticamente desprovido de indústria me-
talúrgica, naval ou ou-
tra, e cuja marinha de
comércio acabava de
crescer ... 300%.
O Arsenal da Marinha
e diversas outras empre-
sas em Lisboa e no resto
do país desincumbiram-
-se desta missão e, acele-
radamente formadas,
novas tripulações puse-
ram em poucos meses
aqueles navios a nave-
gar. À necessidade havia-
-se juntado a vontade
que tudo pode.
Os «novos» navios da
marinha de guerra rece-
beram, como os ante-
O “Gil Eannes” amarrado à boia no quadro dos navios de guerra em 27 de Fevereiro de 1916. riormente requisitados,
REVISTA DA ARMADA • MARÇO 2001 17