Page 14 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (21)




                               O Norte de África:
                                O Norte de África:


                            Escola de Cavaleiros
                            Escola de Cavaleiros





               esquadra comandada por D. João  rebocando os navios de vela com os de  posições estrategicamente importantes
               de Meneses avistou Mers el-Kibir  remo. Os turcos já tinham decidido reco-  como era Mers el-Kibir) e de outras peque-
         Aem 19 ou 20 de Julho de 1501, mas  lher a sua esquadra, por se aperceberem da  nas acções navais de menor importância,
         o capitão decidiu fazer-se num bordo ao  força que contra eles se levantava, de  deve salientar-se que os primeiros anos do
         mar porque era demasiado tarde para efec-  forma que a missão dos portugueses esta-  século XVI trouxeram um endurecimento
         tuar o desembarque nesse dia. A manobra  va acabada. Contudo esta estadia em  da forma de actuar no Norte de África
         não foi muito feliz porque o vento rondou  Corfu não acabaria sem que graves inci-  (Magreb). A agressividade dos portugue-
         e obrigou a que os navios ficassem a bor-  dentes ocorressem. Diz-nos disso Damião  ses cresceu substancialmente, multiplican-
         dejar durante três dias, dando sinal aos do  de Góis: “Com tudo como a gente de guer-  do-se o número de confrontos, algaras e
         castelo da sua presença e das suas inten-  ra, e do mar he naturalmente soberba, e  correrias que desbaratavam aldeias, faziam
         ções. Apesar de tudo, conse-                                                     cativos, pilhavam gados e
         guiram tomar o porto no dia                                                      colheitas. D. Manuel achava
         23, seguindo, de imediato,                                                       que a luta contra os mouros
         para o castelo que aborda-                                                      FOTO: RAFAEL MOREIRA  era a mais digna forma de
         ram com escadas, pensando                                                        elevação cristã e manifestou
         que a resistência não seria                                                      intenções de a fazer pessoal-
         grande. Mas os mouros ti-                                                        mente por diversas vezes,
         nham preparado a defesa e                                                        como já referimos. Toda a
         reforçado os seus meios, de                                                      nobreza portuguesa ia ao
         forma que surpreenderam                                                          Magreb combater. Ali rece-
         os portugueses com um                                                            biam as esporas de cava-
         contra-ataque (quatrocentos                                                      leiro, ali voltavam se a alma
         cavaleiros, segundo Damião                                                       lhes reclamava penitência, e
         de Góis) que os obrigou a                                                        ali faziam carreira, se o
         reembarcar em desordem e                                                         espaço metropolitano e a
         causando-lhes algumas bai-                                                       corte se mostravam escassos
         xas. Qualquer esforço para                                                       para a sua estirpe. Corres-
         continuar o ataque pareceu                                                       pondendo a uma maneira
         inútil a todos, de forma que                                                     de ser herdada da Idade
         foi decidido abandonar o  A couraça manuelina de Alcácer Ceguer, construída em 1502.  Média, os cavaleiros olha-
         projecto encomendado tão                                                         vam o Norte de África como
         em segredo por D. Manuel. Os navios que  brigosa, alli em Corfú se armou huma  uma fonte de purificação pela “Guerra
         tinham sido dados de reforço para aquela  briga entre os darmada, e os soldados  Santa”. Uma parte significativa da nobreza
         empresa foram mandados para o reino, e os  Venezeanos, e gente da terra, em que  portuguesa tinha sérias dúvidas quanto à
         restantes continuaram a sua viagem para o  matarão dos nossos mais de setenta ho-  empresa do Oriente e foi sempre com
         Mediterrâneo Oriental, onde iam socorrer  mens, e dos Venezeanos, e da terra muitos,  muitas hesitações que olhou a alternativa
         os venezianos.                     e foi negocio, em que pêra o pacificarem  da longínqua Índia, cujos benefícios entu-
           Os portugueses seguiram por Alicante,  tiveram o Conde e o geral dos Venezeanos,  siasmavam mais o rei, os comerciantes
         passaram pelas baleares e foram aportar  e os governadores da terra muito traba-  (nacionais e estrangeiros), alguns aven-
         Cagliari, na Sardenha, onde reabastece-  lho.” Apesar deste lamentável episódio, a  tureiros e, sobretudo, aqueles para quem o
         ram. Depois, quando efectuavam a traves-  Senhoria de Veneza ficou muito agradeci-  Oriente distante e a imagem de um mundo
         sia para a Itália, bordejando até perto de  da a Portugal pela ajuda que se prestou a  novo eram a expressão portuguesa do
         Tunes, deram com uma carraca e dois  dar, e manifestou-o de forma expressa  humanismo fascinante. Sem dúvida que o
         galeões, que perseguiram e tomaram. Com  através de uma embaixada própria chefia-  Magreb teve um papel importante na
         eles voltaram a Cagliari, onde libertaram  da por Piero Pascualigo. Numa altura em  Expansão Portuguesa de quinhentos, e o
         os cristãos e judeus, cujas mercadorias  que o comércio de especiarias podia vir a  comércio aí efectuado era um complemen-
         foram transferidas para a carraca, mas  criar problemas com a cidade italiana  to do comércio ultramarino, contudo, no
         retiveram todos os mouros e turcos, bem  (como veio a acontecer), esta acção diplo-  contexto global de uma sociedade em
         como os seus bens. Os galeões ficaram  mática podia ser delicada, e D. Manuel não  transformação, representa a componente
         aprisionados e seguiram na esquadra.  deixou de honrar o embaixador italiano  conservadora, menos audaciosa e menos
         Foram a Crotone (no sul da Itália) e  convidando-o para padrinho do príncipe  efervescente.
         seguiram para Corfu, onde encontraram o  herdeiro, o futuro D. João III.
         “geral da armada da Senhoria de Veneza”,  Para além desta expedição enviada ao
         com vinte cinco galés “grossas” e cinco  Mediterrâneo (que tem a ver com o avanço         J. Semedo de Matos
         galeões, que os ajudaram a entrar no porto,  do poder turco e com a tentativa de ocupar           CFR FZ

         12 JANEIRO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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