Page 309 - Revista da Armada
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proveito da defesa da navegação comercial. A convenção, estabelecida entre D. João III – a exploração e colonização do Brasil. É
Cedo, a França apercebeu-se que a neu- e Carlos V, no ano de 1552, no sentido de neste quadro que em 1530 Martim Afonso de
tralidade portuguesa era aparente, pois no proteger as costas de ambos os reinos, do- Sousa parte para uma expedição, com o in-
mar a sintonia com o seu inimigo – o Império cumenta o dispositivo naval adoptado. tuito de fazer o reconhecimento do litoral
de Carlos V – era total. Assim, como forma Portugal mandaria armar vinte navios lati- brasileiro e afastar os navios franceses. (14)
de pressão, os marinheiros gauleses iniciam nos de 25 toneladas, para defesa da costa. No auge das suas capacidades a Marinha
uma guerra de corso, sem quartel, com ca- Três estariam em Cascais, quatro na prestava, novamente, um serviço ciclópico,
racterísticas económicas. Atacam as linhas de Atouguia, quatro em Caminha e Lagos, dois na exploração de novas terras, na recolha de
navegação, assaltando, pilhando e delapi- em Vila Nova e três em Sesimbra ou Sines. vários elementos - antropológicos, cartográ-
dando os navios e senhorios ultramarinos Mandaria, igualmente, quatro navios de ficos, botânicos, geográficos, hidrográficos e
portugueses. A contestação aberta ao pano redondo ou galeões correr a costa, na fundação de povoados, na imposição da
domínio português dos mares fundamentava- no mar alto, unidades essas que dariam força, ao expulsar pelo poder de fogo da sua
-se, doravante, na recusa em aceitar a doutri- apoio quando fosse necessário à anterior artilharia a presença gaulesa das águas
na portuguesa defendida, encarniçadamente, Armada. No Algarve permaneciam quatro quentes da América do sul.
do “Mare Clausum”.
Para travar os ataques,
D. João III desenvolve
uma acção diplomática
enérgica, nomeando
homens da sua confi-
ança, como João da
Silveira ou Rui Fernan-
des da Almada, para
encetarem negociações
com o governo francês.
Esta política, firme e
incisiva, tem como
primeiro resultado a
criação de um Tribunal
de Presas em Ruão,
mais tarde transferido
para Baiona, com o
sedento objectivo de
resolver os litígios e re-
frear a violência maríti-
ma entre os dois países. Biombo Namban - Chegada dos Portugueses ao Japão – M.N.A.A.
Para além disso, são
formadas forças navais, como por exemplo a galés, um galeão e três caravelas que, em Produto da larga experiência marítima
armada de Cristovão Jacques ou a de Martim caso de necessidade, poderiam ajudar os desde os tempos do Infante D. Henrique, a
Afonso de Sousa, que reprimem brutalmente navios latinos. Esta frota permanecia sempre era de D. João III presencia uma actividade
as acções de corso. Fazem parte dessas medi- em estado de alerta, salvo as embarcações a naval prodigiosa. Portugal, com limitados
das de defesa e controlo da navegação clan- remos que, limitadas tecnicamente, ficavam recursos económicos e demográficos, só con-
destina, por último, a criação de uma rede de em porto de abrigo no Inverno. Quanto às seguiu manter um estatuto de grande potên-
espionagem, o aliciamento dos promotores ilhas atlânticas, seriam enviados em meados cia europeia graças ao seu poder naval. Os
do corso e a compra das célebres “cartas de de Abril, dez navios ou galeões e sete ca- marinheiros portugueses são cobiçadas por
marca”, documento que oficializava as ravelas para vigilância dos mares circun- toda a Europa. Muitos(cartógrafos, pilotos,
acções dos corsários. dantes. (13) Houve, claramente, um grande cosmógrafos) estão ao serviço das várias
Face a um império que assentava os seus esforço financeiro e militar para defesa dos nações europeias, que têm interesse na área
pilares numa teia de rotas e entrepostos, interesses portugueses. Incentivou-se a cons- marítima. Alguns chegam a ser aliciados e
comerciais e militares, vigiados por um pu- trução naval, requisitaram-se embarcações contratados por potências rivais de Portugal,
nhado de unidades navais e poucos milhares particulares, procurou-se recrutar tripulações como a Inglaterra, a França, a Espanha, os
de homens, tornava-se óbvio a importância para serviço no mar. Países Baixos, transportando consigo muito
da componente naval. E D. João III com- Então e que dizer do abandono de algu- do mais avançado saber tecnológico e cientí-
preendeu plenamente essa prioridade. (9) Por mas das praças marroquinas? O recuo no fico de que não dispunham aqueles reinos.
isso, (...) era forçado defender a navegação Norte de África, que levou anos a ser pon- Uma lista elaborada pelo Almirante Teixeira
com despeza dobrada, [...].» (10) Durante o derado, ficou a dever-se a uma opção es- da Mota, informa que ao longo do século
seu reinado registaram-se cerca de 139 bata- tratégica, discutível é certo, por o objectivo XVI há 60 técnicos de navegação ao serviço
lhas ou combates navais. (11) Ainda que este prioritário centrar-se na segurança das rotas de Espanha, 25 ao serviço da França e 6 ao
seja um longo período de governação, tal oceânicas. O que os dirigentes, com D. João serviço da Inglaterra. (15)
proporção de batalhas e combates demonstra III à cabeça, não perceberam na altura foi Numa época de forte actividade naval,
o papel dissuasor da Armada, a par da sua que o desguarnecimento militar de Marro- como foi a do rei “piedoso”, notabilizou-se
importância na organização do Estado e na cos (1542-1545) – quase em simultâneo um bom punhado de chefes militares, pilo-
sociedade quinhentista portuguesa. desactivou-se a “Armada do Estreito” – tos, comandantes navais, cartógrafos. Muitos
A vigilância dos oceanos e das parcelas ter- provocaria um acréscimo de insegurança deles fidalgos: Martim Afonso de Sousa, D.
ritoriais apertou-se. Por esta altura, andavam nas costas portuguesas, nomeadamente no João de Castro, António de Saldanha, Duarte
no mar, durante oito meses, 43 navios e mais seu flanco Sul. Coelho, Pêro Anes do Canto, Pêro Lopes de
de 2800 homens, com avultados gastos finan- A intromissão de corsários e piratas no Sousa, Cristovão Jaques, Pêro Afonso de
ceiros, de manutenção e pagamento, das Atlântico Sul, deu azo a um dos projectos Aguiar, Fernão de Oliveira (16); ou pilotos
unidades navais e seus tripulantes. (12) mais importantes e ambiciosos de D. João III como João de Lisboa, Diogo Afonso, Manuel
REVISTA DA ARMADA • SETEMBRO/OUTUBRO 2002 19