Page 379 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. MANUEL (31)



            Três esquadras para o controlo do Índico
             Três esquadras para o controlo do Índico




               julgar pelo que nos dizem os cro-  situação parece demasiado caricata para ser  estar presente no espírito do Capitão: se
               nistas, a esquadra de Pêro de  verdadeira. Como se sabe, o leme nos  esperasse por Anaia, perderia a monção e,
         AAnaia estava preparada para sair  navios do século XVI era feito com uma  nesse ano, não haveria novos navios por-
         com D. Francisco de Almeida e sob o seu  cana de leme, a que tinham de se agarrar  tugueses na Índia. Por outro lado, Anaia
         comando general. Contudo, a nau que iria  vários marinheiros, para manterem o navio  (como veremos) também tinha instruções
         ser comandada por Anaia afundou-se ainda  no rumo. Esse leme não estava no convés,  precisas, e podia cumprir a sua parte da mis-
         no Tejo, antes da partida, e D. Manuel  nem era possível que quem o estivesse a  são sem a ajuda de D. Francisco de Almeida.
         resolveu mandar avançar o “Vice Rei” com  manobrar visse o caminho ou mesmo a  De facto, o que ele fez, depois de sair de
         14 naus e seis caravelas, deixando seis  mareação das velas. Por isso era necessário  Lisboa, foi navegar par sul e seguir o cami-
         navios para trás, que seguiriam quando  que o piloto desse as vozes de manobra para  nho normal da rota do Cabo da Boa
         fosse possível. A nau afundada foi substi-  uma espécie de “casa do leme”. Ora, podia  Esperança. Provavelmente terá dado a
         tuída e Pêro de Anaia                                                               volta demasiado a Sul
         saiu, finalmente, a 18 de                                                           (pode ter chegado aos
         Maio, com direcção a                                                                45° de latitude Sul) e
         Moçambique, em prin-                                                                sofreu as agruras do frio
         cípio (de acordo com o                                                              Inverno austral, chegan-
         texto do regimento da-                                                              do a Sofala apenas com
         do a D. Francisco de                                                                os navios comandados
         Almeida) para que to-                                                               pelo seu filho, Francisco
         dos se encontrassem                                                                 Anaia, e pelo de Manuel
         num local cujo nome                                                                 Fernandes. Só mais tarde
         não é possível identifi-                                                            lhe apareceram os de
         car no documento.                                                                   Pêro Barreto Magalhães,
           D. Francisco de Almei-                                                            João Queirós e o de João
         da seguiu rumo ao Sul e                                                             Vaz de Almada (João
         apercebeu-se que alguns                                                             Vaz de Almada substi-
         dos seus navios tinham                                                              tuíra João Leite no co-
         menos qualidades ve-                                                                mando de um dos na-
         leiras atrasando a esqua-                                                           vios, porque este morrera
         dra. De forma que deci-                                                             num acidente, durante a
         diu dividir a esquadra                                                              viagem no Atlântico). A
         em duas partes: uma  Porto de Sofala e sua fortaleza.                               fortaleza de Sofala foi
         delas seguiria à frente e                                                           construída de forma
         seria comandada por ele próprio; outra iria  acontecer que alguns mais novatos hesi-  pacífica e mediante um acordo com um
         andando como pudesse comandada por  tassem na acção pronta à voz do piloto, mas  chefe local. Pêro de Anaia ficou como seu
         Bastião de Sousa ou por Manuel Peçanha  daí até chegar aos alhos e cebolas, parece-me  Capitão, apoiado por artilharia, por uma
         (são as versões diferentes de Barros e  que vai uma confusão entre a realidade e  pequena guarnição e por um bergantim (?)
         Castanheda, havendo, no entanto uma  uma daquelas histórias que ainda hoje se  construído no local. Seu filho ficou como
         explicação sobre como se pode ter gerado  contam a bordo, e que costumam ser razão  Capitão do Mar da costa de Sofala, dispondo
         esta confusão: Manuel Peçanha era sogro de  de risota geral. Que recomendariam eles  de dois navios que – como já era normal na
         Bastião de Sousa e navegava na sua nau,  como remédio aos novatos que enjoavam?...  Índia – deveriam correr a costa africana, de-
         achando Castanheda que D. Francisco o  Nada de bom, concerteza!       dicando-se ao corso e procurando controlar
         quis honrar por pensar que seria ele o seu  Entretanto, D. Francisco de Almeida  o comércio do ouro, que se exercia, sobretu-
         sucessor na Índia). Encontrar-se-iam em  alcançou as Ilhas Primeiras (zona de  do com a região de Cambaia. Os restantes
         Moçambique.                        Angoche) a 18 de Julho. Mandou dois navios  navios partiram para a Índia, onde carrega-
           É curioso notar como Fernão Lopes de  a Moçambique saber de cartas deixadas  riam de especiaria e regressariam ao reino
         Castanheda fala desta partida e a forma cari-  pelas esquadras anteriores e partiu em  (na verdade só dois conseguiriam fazê-lo).
         cata como se refere à inexperiência de  direcção a Quíloa, que acabou por atacar.  D. Francisco começava o seu “vice-reina-
         alguns marinheiros. Diz-nos ele que “quan-  Substituiu o rei local por alguém da con-  do” construindo a fortaleza de Angediva –
         do haviam de governar a bombordo, que é  fiança dos portugueses, e iniciou a cons-  que mais tarde se verificou não ser apropria-
         da mão direita, governavam a estibordo que  trução de uma fortaleza. Depois disso foi  da aos objectivos portugueses – e colocando
         é da esquerda (sic), o que vendo João  atacar Mombaça e seguiu directo para a  no mar mais duas armadas: uma controlaria
         Homem [Capitão de um dos navios], disse  Índia, sem passar por Melinde, para que não  o espaço marítimo de Cambaia até ao Mar
         ao piloto que falasse aos marinheiros por  perdesse a Monção. Em princípio, com este  Vermelho (Armada de Cambaia), e outra a
         vocábulos que eles sabiam: quando quisesse  procedimento estava a desobedecer ao regi-  costa indiana até à ilha de Ceilão (Armada
         que governassem a estibordo, dissesse  mento dado por D. Manuel, não esperando  da Índia). Era o primeiro plano de controlo
         alhos; e quando a bombordo, cebolas. E  por Pêro de Anaia para ir a Sofala, mas –  total do espaço marítimo Índico.
         mandou pendurar uma réstia destas coisas”.  repare-se! – o regimento tem indicações de
         Eu devo dizer que – para além do engano  carácter geral e pormenores. Uns e outros       J. Semedo de Matos
         inicial, ao trocar bombordo por estibordo – a  enquadram-se numa missão que tem de                CFR FZ
                                                                                    REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2002 17
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