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A MARINHA DE D. MANUEL (31)
Três esquadras para o controlo do Índico
Três esquadras para o controlo do Índico
julgar pelo que nos dizem os cro- situação parece demasiado caricata para ser estar presente no espírito do Capitão: se
nistas, a esquadra de Pêro de verdadeira. Como se sabe, o leme nos esperasse por Anaia, perderia a monção e,
AAnaia estava preparada para sair navios do século XVI era feito com uma nesse ano, não haveria novos navios por-
com D. Francisco de Almeida e sob o seu cana de leme, a que tinham de se agarrar tugueses na Índia. Por outro lado, Anaia
comando general. Contudo, a nau que iria vários marinheiros, para manterem o navio (como veremos) também tinha instruções
ser comandada por Anaia afundou-se ainda no rumo. Esse leme não estava no convés, precisas, e podia cumprir a sua parte da mis-
no Tejo, antes da partida, e D. Manuel nem era possível que quem o estivesse a são sem a ajuda de D. Francisco de Almeida.
resolveu mandar avançar o “Vice Rei” com manobrar visse o caminho ou mesmo a De facto, o que ele fez, depois de sair de
14 naus e seis caravelas, deixando seis mareação das velas. Por isso era necessário Lisboa, foi navegar par sul e seguir o cami-
navios para trás, que seguiriam quando que o piloto desse as vozes de manobra para nho normal da rota do Cabo da Boa
fosse possível. A nau afundada foi substi- uma espécie de “casa do leme”. Ora, podia Esperança. Provavelmente terá dado a
tuída e Pêro de Anaia volta demasiado a Sul
saiu, finalmente, a 18 de (pode ter chegado aos
Maio, com direcção a 45° de latitude Sul) e
Moçambique, em prin- sofreu as agruras do frio
cípio (de acordo com o Inverno austral, chegan-
texto do regimento da- do a Sofala apenas com
do a D. Francisco de os navios comandados
Almeida) para que to- pelo seu filho, Francisco
dos se encontrassem Anaia, e pelo de Manuel
num local cujo nome Fernandes. Só mais tarde
não é possível identifi- lhe apareceram os de
car no documento. Pêro Barreto Magalhães,
D. Francisco de Almei- João Queirós e o de João
da seguiu rumo ao Sul e Vaz de Almada (João
apercebeu-se que alguns Vaz de Almada substi-
dos seus navios tinham tuíra João Leite no co-
menos qualidades ve- mando de um dos na-
leiras atrasando a esqua- vios, porque este morrera
dra. De forma que deci- num acidente, durante a
diu dividir a esquadra viagem no Atlântico). A
em duas partes: uma Porto de Sofala e sua fortaleza. fortaleza de Sofala foi
delas seguiria à frente e construída de forma
seria comandada por ele próprio; outra iria acontecer que alguns mais novatos hesi- pacífica e mediante um acordo com um
andando como pudesse comandada por tassem na acção pronta à voz do piloto, mas chefe local. Pêro de Anaia ficou como seu
Bastião de Sousa ou por Manuel Peçanha daí até chegar aos alhos e cebolas, parece-me Capitão, apoiado por artilharia, por uma
(são as versões diferentes de Barros e que vai uma confusão entre a realidade e pequena guarnição e por um bergantim (?)
Castanheda, havendo, no entanto uma uma daquelas histórias que ainda hoje se construído no local. Seu filho ficou como
explicação sobre como se pode ter gerado contam a bordo, e que costumam ser razão Capitão do Mar da costa de Sofala, dispondo
esta confusão: Manuel Peçanha era sogro de de risota geral. Que recomendariam eles de dois navios que – como já era normal na
Bastião de Sousa e navegava na sua nau, como remédio aos novatos que enjoavam?... Índia – deveriam correr a costa africana, de-
achando Castanheda que D. Francisco o Nada de bom, concerteza! dicando-se ao corso e procurando controlar
quis honrar por pensar que seria ele o seu Entretanto, D. Francisco de Almeida o comércio do ouro, que se exercia, sobretu-
sucessor na Índia). Encontrar-se-iam em alcançou as Ilhas Primeiras (zona de do com a região de Cambaia. Os restantes
Moçambique. Angoche) a 18 de Julho. Mandou dois navios navios partiram para a Índia, onde carrega-
É curioso notar como Fernão Lopes de a Moçambique saber de cartas deixadas riam de especiaria e regressariam ao reino
Castanheda fala desta partida e a forma cari- pelas esquadras anteriores e partiu em (na verdade só dois conseguiriam fazê-lo).
cata como se refere à inexperiência de direcção a Quíloa, que acabou por atacar. D. Francisco começava o seu “vice-reina-
alguns marinheiros. Diz-nos ele que “quan- Substituiu o rei local por alguém da con- do” construindo a fortaleza de Angediva –
do haviam de governar a bombordo, que é fiança dos portugueses, e iniciou a cons- que mais tarde se verificou não ser apropria-
da mão direita, governavam a estibordo que trução de uma fortaleza. Depois disso foi da aos objectivos portugueses – e colocando
é da esquerda (sic), o que vendo João atacar Mombaça e seguiu directo para a no mar mais duas armadas: uma controlaria
Homem [Capitão de um dos navios], disse Índia, sem passar por Melinde, para que não o espaço marítimo de Cambaia até ao Mar
ao piloto que falasse aos marinheiros por perdesse a Monção. Em princípio, com este Vermelho (Armada de Cambaia), e outra a
vocábulos que eles sabiam: quando quisesse procedimento estava a desobedecer ao regi- costa indiana até à ilha de Ceilão (Armada
que governassem a estibordo, dissesse mento dado por D. Manuel, não esperando da Índia). Era o primeiro plano de controlo
alhos; e quando a bombordo, cebolas. E por Pêro de Anaia para ir a Sofala, mas – total do espaço marítimo Índico.
mandou pendurar uma réstia destas coisas”. repare-se! – o regimento tem indicações de
Eu devo dizer que – para além do engano carácter geral e pormenores. Uns e outros J. Semedo de Matos
inicial, ao trocar bombordo por estibordo – a enquadram-se numa missão que tem de CFR FZ
REVISTA DA ARMADA • DEZEMBRO 2002 17