Page 351 - Revista da Armada
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obrigou a transferência de bombas e manguei- de reboque com o apoio do pessoal da “An- do e a madre do leme, situação que obrigou
ras para o seu esgotamento, com o pessoal de tónio Enes” que embarcou nas lanchas rebo- a parar de emergência a máquina de EB (este
bordo, trabalho que se passou a fazer de três cadas, por forma a encurtar os reboques para navio não tem embraiagem ao veio, apenas
em três dias, durante as manhãs. permitir o fundear na baía, manobra comple- hélices de passo variável) e assim a parar o
A navegação de todo o grupo de navios, xa que acabou por correr sem problemas. Já hélice de EB. Ficando à deriva, rapidamente
rumo às ilhas de S. Tomé, escala necessária fundeado o “Schultz Xavier”, veio a “António se pôs na água um mergulhador que estava
devido ao limitado raio de acção do próprio Enes” a lançar ferro pelo nosso través a pou- em prontidão e com alguma sorte e engenho,
“Schultz Xavier” e das lanchas de fiscalização, cas dezenas de metros de onde então fomos conseguiu-se trazer o seio do cabo de rebo-
prosseguiu nos dias seguintes, por vezes com abastecidos de combustível e água. que da posição onde estava encaixado e re-
o atraso de um ou outro navio, por ligeiras Ficou também marcada, na minha memó- tomar o reboque para sul.
avarias que após reparadas recuperavam po- ria, em particular, a chegada a este porto, pois Depois de uma navegação sem problemas,
sição, com o habitual bom mar destas áreas. tinha recebido no dia anterior o telegrama de demandou-se a baía de Luanda a 23 de De-
A partir do oitavo dia e durante a manhã, nascimento do meu segundo filho, enviado, zembro onde se procedeu então à faina de
passou a fazer-se reabastecimento de géneros como era normal à época, pela esposa de ou- embarque de pessoal nas lanchas para meter
alimentícios, especialmente pão, para as uni- tro camarada e por isso logo que possível fui dentro as amarras do reboque e ao alar dos
dades mais pequenas, dado que não tinham a terra para telefonicamente me inteirar do cabos de reboque e a atracação das lanchas
meios para o fazer. Aproximavam-se da alhe- feliz acontecimento. de “braço dado” na nossa alheta com a ajuda
ta do “Suchltz Xavier” para receberem o ma- No dia seguinte, reiniciou-se a navegação, do pessoal e das próprias lanchas “Orion” e
terial devidamente acondicionada em sacos. agora para a etapa final até Luanda. A faina de “Lira”. Já dentro do porto de Luanda, foram
Entretanto, ocorreram reboques esporádicos reiniciar o reboque das três lanchas foi uma passadas as lanchas atracadas para o reboque
para reparação de avarias mais complicadas manobra difícil já que após içar o ferro e em- de rebocadores civis, o que permitiu ir atracar
nos motores PP’s das LDG’s . barcado o pessoal em cada lancha e a navegar às Instalações Navais, na ilha de Luanda.
A última noite que antecedeu à chegada lentamente, quando se começou a largar su- Seguiram-se uns dias de merecido descanso
àquelas ilhas foi marcada por uma trovoada cessivamente as amarras dos cabos de reboque no período de Natal e Ano Novo, tendo a 2 de
tropical que, com os seus raios e relâmpa- de cada lancha, um problema numa manilha Janeiro de 1975, iniciado-se a viagem de re-
gos, dando uma espectacularidade de cor e de ligação do cabo de aço ao de nylon na tolda gresso, após o embarque nos porões de algum
luz em quase todo o céu, e horizonte à volta do “Schultz Xavier”, obrigou a folgar o cabo e material sensível com destino a Lisboa.
do navio, sem contudo quase quebrar o si- com a ajuda de um estropo a içar em parte o A 4 de Janeiro estávamos de novo em
lêncio da noite, se tornou inesquecível para reboque para se resolver o problema. S. Tomé, demandando de madrugada a en-
quem assistiu. Contudo, ao largar de novo o reboque e seada da Rosema onde se largou o ferro de
Finalmente, na manhã de 18 de Dezembro, devido à inclinação provocada pela calema, BB rodou o navio e se aproximou de popa a
entrou-se na baía de Ana Chaves – S. Tomé e o cabo de massa do reboque folgado, foi ficar terra, passando cabos aos cabeços na praia
procedeu-se à recolha das amarras dos cabos encaixado pelo seio entre o hélice de estibor- – cabeços estes que eram afinal dois velhos
canhões de carregar pela boca enterrados
- e já com as máquinas paradas, se puxou
ao guincho o navio mais a terra iniciando-
-se depois o abastecimento de combustível,
uma manobra que fazia lembrar o passar
cabos ao coqueiro! Já com cerca de 60 to-
neladas de combustível a bordo sentimos
o navio começar a bater no fundo e houve
que entrar com a amarra do navio e folgar
os cabos a terra, para se ter mais fundo.
A meio da manhã foi-se fundear na baía de
Ana Chaves para no dia seguinte se iniciar a
navegação até ao Porto Grande – S. Vicente
em Cabo Verde, onde atracámos na manhã
de 12 de Janeiro.
Após uns dias para reabastecimento e car-
ga para atestar os porões com diverso mate-
rial sensível e algumas viaturas no convés da
tolda, ao fim do dia 17 de Janeiro iniciámos
a navegação para norte tendo atracado a 20
de Janeiro no porto de Santa Cruz de Tene-
rife. A 22 de Janeiro retomou-se o rumo de
Nordeste, a última tirada, para na manhã de
25 de Janeiro de 1975, entrarmos em Lisboa
e regressar à BNL.
Mais uma missão cumprida pelo “Schultz
Xavier”, na época “pau para toda a obra” que
durou mais de dois meses (63 dias) que nos
fez percorrer cerca de 8.900 milhas e nave-
gar mais de 885 horas e que à data, ficou co-
nhecida como a missão de reboque da “In-
crível Armada”.
Z
J. M. Vaz Ferreira
CMG
(ex - oficial imediato do NRP “Schultz Xavier”)
REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2004 25