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A última missão do Bergantim Real
           A última missão do Bergantim Real

                   2. O DESEMBARQUE DA RAÍNHA DE INGLATERRA


         O CAIS DE DESEMBARQUE              erros, pois se algum ocorresse não se pode-  onde ficava durante a noite; de manhã era
                                            ria emendar!                       guarnecido e seguia para o Mar da Palha, para
             m alguns casos anteriores de embarques   Outro ponto importante era definir e manter  treino de remos.
             ou desembarques de Chefes de Estado,  o ritmo certo das remadas, em intervalos cro-  Antes de se iniciarem os treinos com a em-
         Eo Bergantim atracara na parte lateral do  nometricamente iguais e adequados à voga  barcação em movimento, ensaiaram-se as ma-
         Cais das Colunas, ou seja, numa linha perpen-  que se viesse a utilizar. Convinha que isto fosse  nobras de armar remos, preparar para remar e
         dicular à margem.                  feito duma forma discreta, que sugerisse um  arvora remos, com o Bergantim parado. Só de-
           Mas o desembarque no topo do Cais era cer-  automatismo natural dos remadores actuando  pois se passou a navegar no mar da Palha, na
         tamente mais adequado, pois se faria de fren-  em simultâneo em cada remada ou alteração  zona compreendida entre a Base e Cacilhas.
         te para a entrada do                                                                      Como facilmen-
         Terreiro do Paço, e                                                                     te se calculará, só
         no alinhamento da                                                                      Foto SCH T Sá  com grande esforço
         escadaria e do Arco                                                                     e decorrido bastan-
         da Rua Augusta.                                                                         te tempo se atingiu
           Foi essa a moda-                                                                      uma razoável per-
         lidade escolhida.                                                                       feição. De manhã e à
         Para a concretizar, o                                                                   tarde navegávamos
         Porto de Lisboa en-                                                                     durante horas, me-
         carregou-se de colo-                                                                    lhorando a voga e
         car na extremidade                                                                      as remadas, fazendo
         do Cais um pontão                                                                       “atracações” a hipo-
         para garantir um su-                                                                    téticos “cais” repre-
         ficiente afastamento                                                                     sentados por bóias,
         e uma altura de água                                                                    e parando de vez em
         adequada ao calado                                                                      quando para descan-
         do Bergantim. Esse                                                                      so dos remadores.
         pontão tinha sensi-                                                                       Repetiu-se inúme-
         velmente o mesmo                                                                        ras vezes uma mano-
         comprimento e dis-                                                                      bra fundamental: a
         punha de cabeços   Bergantim Real – Camarinha e Painel de Popa.                         de determinar, com a
         para serem passa-                                                                       maior exactidão pos-
         dos os cabos de amarração. Nele se iniciava a  da voga mas sem evidenciar o mecanismo da  sível, o espaço necessário para que a extinção
         passadeira e demais ornamentos que condu-  sincronização.             natural da velocidade parasse o Bergantim no
         ziam à Tribuna de recepção, colocada já sobre   Para conseguir estes objectivos, o responsá-  ponto exacto onde devia atracar. Com efeito, se
         o pavimento da avenida que pelo Sul limita o  vel pela manobra de remos ocupava um lugar  a velocidade de aproximação fosse insuficien-
         Terreiro do Paço.                  a estibordo, a ré da antepara de vante da ca-  te corria-se o risco de parar antes de chegar a
                                            marinha, sendo portanto invisível para quem  esse ponto; mas se fosse excessiva, o cais podia
         OS TREINOS                         seguia na praça da embarcação. Tinha o relógio  ser ultrapassado – erro dificil ou impossível de
           Como se disse na 1ª Parte deste artigo, as  no pulso esquerdo, e a mão direita segurava  emendar, pois implicaria um “ala e larga” e a
         vozes de comando da manobra do Bergan-  a espada - mas o indicador dessa mão estava  repetição de toda a manobra o que, nas circuns-
         tim eram as que à data se usavam na Mari-  livre, e nos seus movimentos se  concentrava  tâncias concretas, seria imperdoável, atento o
         nha. Houve porém que as adaptar às carac-  a atenção dos vogas : como ponteiro de um  formalismo e importância do evento.
         terísticas específicas da embarcação, muito  metrónomo, marcava o ritmo da sucessão de   Como é evidente, a velocidade do Bergan-
         diferente das ainda existentes a bordo dos  remadas, segundo um padrão “prepara para  tim deixava de poder ser controlada a partir
         navios, pelas suas dimensões e comporta-  remar” - “rema” - “leva remos” com um perí-  do momento em que, na fase final da aproxi-
         mento a navegar. Era ainda preciso ter em  odo de sete segundos.      mação, fosse dada a ordem “leva remos”; e a
         conta a natureza formal do serviço que se ia   Havia que treinar todas estas técnicas e tes-  manobra de “ciar” só em emergência se justi-
         cumprir, que exigia o maior rigor e não admi-  tar a eficácia dos procedimentos a seguir em  ficaria - sendo, de resto, impossível de execu-
         tia falhas de qualquer espécie: tudo tinha que  relação a cada uma delas. Para isso, foi o Ber-  tar a partir do momento em que se ordenasse
         correr da forma planeada, sem margem para  gantim levado para a Base Naval do Alfeite,  “arvora remos”.















          Diversos aspectos do treino dos remadores.

         16  MARÇO 2007 U REVISTA DA ARMADA
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