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Dia da Marinha em Aveiro


                                              O                                noutros com pequenas ilhas de areia e vaza.
                                                    Dia da Marinha foi este ano co-
                                                    memorado na cidade de Aveiro,  Está criada a laguna própria do haff delta,
                                                    numa homenagem ao seu povo e  fechada ao mar, como se sabe ter ocorri-
                                              às gentes que, ao longo dos séculos, de-  do no final do século XVI ou princípios do
                                              dicaram a sua vida ao mar.       XVII. Habituados como estamos a entender
                                               Aveiro cresceu ao sabor das condições  o grande relógio geológico como algo em
                                              físicas da região em que se insere, natural-  que as unidades se contam por milhares de
                                              mente numa relação muito estreita com  anos, este fenómeno pode ser considerado
                                              o oceano e com a ria, que ainda hoje  como extremamente rápido, apesar de se
                                              constitui o seu ex-libris notável, pujante  prolongar por umas quantas gerações, que
                                              de vida e beleza. E a sua história decor-  são as que vão aprendendo a viver com a
                                              reu ao ritmo das transformações secula-  alteração das condições, tirando delas o be-
                                              res sofridas pela foz do rio Vouga, até se  nefício possível.
                                              transformar no haff delta a que hoje cha-  E o que encontramos em Aveiro, nos pri-
                                              mamos ria: “esse extenso lago em que  mórdios da nacionalidade portuguesa, é
                                              se unem em fraternal abraço as águas  um pequeno povoado de pescadores que
                                              do Oceano com as do Vouga”, como a  se dedica cada vez mais à extracção de
                                              definiu Marques Gomes, em meados do  sal, no espaço crescente da laguna. E des-
                                              século XIX. É importante perceber este  ta forma encontra a sua primeira vocação,
                                              fenómeno físico, porque com ele se de-  sabendo-se como essa produção tem uma
                                              finiu e especializou a comunidade que  importância fundamental, na época em que
                                              deu origem a esta cidade, adaptando-se  a conservação de alimentos não dispõe das
                                              progressivamente às circunstâncias im-  capacidades técnicas hoje existentes. Peixe
                                              postas pela natureza.            e sal são a base da vida dos primeiros avei-
                                               Sabe-se que a região da orla marítima  renses. A laguna, contudo, é de uma rique-
                                              entre Espinho e Figueira da Foz foi, em  za biológica extraordinária, favorecendo o
                                              tempos uma imensa baía onde desagua-  desenvolvimento de grandes quantidades
                                              va o rio Vouga, sem os meandros que  de pescado que ali vive ou que ali vem ni-
                                              hoje lhe conhecemos. Diz-se que a cos-  dificar, de forma que a pesca assume uma
                                              ta pode ter ido até Cacia, mas é de supor  dimensão que excede as capacidades de
                                              que a sua linha, nos séculos X e XI, quan-  consumo local, permitindo a exportação
                                              do começamos a ter os primeiros teste-  de peixe fresco, salgado ou seco.
                                              munhos da comunidade piscatória, não   E assim Aveiro surge nos séculos XV e
                                              iria tanto para leste. Talvez não estivesse  XVI como vila de comércio com um canal
                                              muito longe do local onde se desenvol-  de acesso ao núcleo amuralhado que se es-
                                              veu a povoação medieval, que hoje pode  tende para sueste, com um cais em frente à
                                              ser identificada pela área que está entre  sua “porta da ribeira”, no local mais ou me-
                                              o canal central e a linha que une a igre-  nos defronte do edifício da antiga capitania.
                                              ja matriz de S. Domingos e o Convento  Lá estava a alfândega, os armazéns, as ca-
                                              de Jesus, construídos no limite da cerca  sas do almoxarifado e da justiça, as igrejas
                                              mandada erigir por D. João I. Sucede en-  e os conventos de S. Domingos e de Jesus
                                              tão um fenómeno relativamente rápido  – estes já nos limites superiores da vila. A
                                              que, em poucos séculos, concentrou uma  sua época de ouro seriam os séculos XV e
                                              enorme quantidade de sedimentos junto  XVI, quando findava a Idade Média e emer-
                                              à foz do rio, na resultante das acções da  gia, em Portugal, o período fervilhante dos
                                              corrente do rio e dos fluxo e refluxo das  Descobrimentos. Os aveirenses estiveram
                                              marés. Nos extremos da grande baía (a  na primeira linha das viagens ultramarinas
                                              norte e a sul) começam a formar-se pe-  que, naturalmente, apelaram aos homens
                                              quenas ilhas de areia, que se unem a ter-  práticos do mar, de gestos feitos ao balan-
                                              ra, formando cabedelos, e que acabam  ço das ondas e ao manejo dos cabos, que
                                              por fechar o acesso ao mar, circundando  sabem distinguir os cheiros do oceano e
                                              uma zona interior baixa, nuns sítios pan-  pressentir -lhe as manhas. Encontramo-los
                                              tanosa, noutros com canais navegáveis e  a caminho da Guiné, desde os tempos do
















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