Page 52 - Revista da Armada
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D. Francisco Manuel de Melo
                D. Francisco Manuel de Melo


                                 No IV centenário do seu nascimento

               á 400 anos, em 23 de Novembro 1608,  travada em 1639 entre as armadas holandesa e  vento S que lhes permitiu sair da Corunha
               nasceu em Lisboa D. Francisco Ma-  espanhola, e que se saldou pela derrota desta  e dirigir -se ao Ferrol, para se juntarem ao
         H nuel de Melo, notável escritor portu-  última. D. Francisco Manuel estava embarcado  “S. António, S. Diogo e S. Vicente”, dando as-
         guês do Sec. XVII, que deixou vasta bibliografia  num dos navios espanhóis. Na segunda, relata  sim cumprimento ao plano acima referido.
         nos mais variados géneros literários. Estranha-  um acontecimento hoje em dia quase esqueci-  No entanto, inexplicavelmente,  em vez de fa-
         mente, a efeméride passou quase despercebi-  do - o naufrágio de uma esquadra portuguesa  zerem o que estava previsto e fora planea do,
         da, pouco ou nada se tendo falado da pessoa e  em águas do Cabo Finisterra (Costa de S. Jean  continuaram a navegar para W, em direcção
         da obra, numa altura em que seria  de esperar  de Luz e Arcachon), ocorrido em Janeiro de  ao mar, com o intento de seguire m directa-
         que ambas fossem recordadas.       1628, que passamos  a descrever  com algum  mente para Lisboa, sem esperar pelo galeão.
           Como é natural, esta Revista está mais vo-  detalhe, e que se refere directamente a factos   Quando teve conhecimento do que estava  a
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         cacionada  para  assuntos relativos ao mar e à  relacionados com a Marinha Portuguesa  , que  acontecer, D. Manuel de Menezes deslocou-se
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         Marinha do que para a literatura; mas tal não  nele sofreu uma das maiores perdas de vidas e  ao Monte Ventoso  , para daí  ver o que  se pas-
         impede que dê resposta ao desejo de leitores   de  navios  de toda a sua historia.  sava. Constatou que os navios continuavam a
         interessados em ampliar os seus conhecimen-  Em 1627, D. Francisco Manuel de Melo esta-  navegar para W, rumo ao mar alto, e de imedia-
         tos e fortalecer a sua cultura geral. Por isso,  va embarcado no galeão “S. António, S. Diogo e  to se apercebeu do perigo que corriam, pois o
         face ao silêncio que rodeou este Centenário,  S. Vicente”. O navio era comandado por D. Ma-  vento S era apenas o prenúncio do temporal de
         parecem oportunas e espera-se que se-                                     SW que se avizinhava e que, certamente,
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         jam bem aceites estas linhas relativas à                                  os impediria quer de demandar Lisboa,
         figura do escritor e à herança literária                                   quer  de voltar a entrar na Corunha, pois
         que nos deixou.                                                           iriam ser  arrastados para N logo que pas-
           De qualquer modo, seria sempre opor-                                    sassem o Cabo Priorino, devido ao vento
         tuno lembrá-lo pois, como marinheiro,                                     e à corrente. Concluiu, portanto, que os
         ele próprio andou embarcado em navios                                     galeões  e as naus estavam irremediavel-
         de guerra e combateu no mar, tendo in-                                    mente condenados e que  nada se podia
         tervenção  pessoal  em importantes even-                                  fazer para os salvar.
         tos marítimos do Sec. XVII, como aquele                                     A decisão que D. Manuel de Me nezes
         que ocorreu em Janeiro de 1628 e a que                                    então tomou revela o seu  excepcional
         adiante se faz referência.                                                sentido de dever: regressou ao “S. Antó-
           Não é, portanto, desajustado recordá-                                   nio, S. Diogo e S. Vicente” e ordenou  a
         lo aqui, evocando os factos como elos de                                  sua imediata saída para o mar, para se
         ligação virtual com os marinheiros de                                     juntar à esquadra pela  qual era respon-
         hoje que, deste modo, prestam homena-                                     sável, embora sabendo que essa esqua-
                                         Rias do Ferrol e da Corunha.
         gem à sua memória.                                                        dra estava condenada e que todos os
           Quando D. Francisco Manuel de Melo nas-  nuel de Menezes que, em 1625, comandara a es-  navios acabariam por se perder, como efec-
         ceu, Portugal encontrava-se há já 28 anos sob  quadra que forçou os Holandeses a abandonar  tivamente sucedeu. Enviou um emissário a
         o domínio de Espanha. Aos 7 anos  perdeu o  a  Baía. Depois dessa vitória, D. Manuel de Me-  Madrid para comunicar a sua decisão ao Rei
         pai; mas, pertencendo a uma família da no-  nezes regressara à Europa, e  encontrava-se em  de Espanha e, no dia de Natal, rebocado por
         breza, veio a receber a educação normal para  Espanha quando recebeu ordem para preparar  22 embarcações de pesca, a remos, o “S. Antó-
         rapazes da sua estirpe, estudando no colégio  outra esquadra, que deveria  esperar, e depois  nio, S. Diogo e S. Vicente” saiu do Ferrol, rumo
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         jesuíta de Santo Antão. Foi depois nomeado  escoltar até Lisboa, duas naus   que vinham da  ao mar alto.
         moço fidalgo e seguiu a vida militar, prestan-  India carregadas de preciosidades, e seguir de-  Entretanto, o tempo piorara, transformando-
         do serviço na armada espanhola, na Flandres  pois com reforços para a Flandres.   -se num temporal de SW que, como D. Manuel
         e na Catalunha.                      O encontro das naus com a sua escolta de-  de Menezes calculara, arrastou todos os navios
           A sua vida foi agitadíssima e cheia de sobres-  veria ter  lugar na Corunha, porto onde aque-  para N do Cabo Finisterra.
         saltos, o que no entanto não impediu que, nas  las chegaram em Outubro, depois de uma   Passada a latitude deste Cabo, os navios fo-
         Letras, atingisse a excelência e viesse a ser con-  escala nos Açores. O “S. António, S. Diogo e  ram-se internando cada vez mais para dentro
         siderado, quer em Portugal quer em Espanha,  S. Vicente” entrou também na Corunha; mas,  da  Baía da Biscaia, donde, como é evidente,
         como um dos maiores escritores portugueses  tendo fundeado num local perigoso, acabou  não conseguiriam sair salvo radical mudança
         do Séc. XVII  : D. Francisco Manuel escreveu  por  suspender e  seguir para o Ferrol, que era  da direcção do vento ; mas este manteve-se nos
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         primorosamente em qualquer das línguas,  um fundeadouro mais seguro e abrigado. De-  quadrantes de W, sempre a refrescar, até atingir
         pelo que é considerado tanto escritor portu-  corrido algum tempo, entraram naquele por-  a força de temporal desfeito. À medida que o
         guês como espanhol.                to  os restantes navios da esquadra, sob o co-  vento ia rondando para NW, os navios abatiam
           Como prosador e poeta, deixou, entre mui-  mando de António Moniz Barreto. Eram estes  cada vez mais  para E e SE, começando a apro-
         tas outras obras, as bem conhecidas “Carta  o “Santiago”, o “São José”, o “Santa Isabel”, o  ximar-se perigosamente da Costa Norte de Es-
         de Guia de Casados”, “Apólogos Dialogais”  “São João” e o “São Filipe”. O tempo estava  panha, da qual, no entanto, conseguiam ainda
         (“Relógios Falantes”, “Escri tório Avarento”,  mau, com vento forte dos quadrantes de SW e  manter alguma distância. Mas era inevitável a
         “Visita das Fontes” e “Hospital das Letras”),  W, embora com algumas abertas ocasionais. A  catástrofe, pois  a costa espanhola desenvolve-
         nas quais admiravelmente cri tica a socieda-  intenção de D. Manuel de Menezes era reunir  se na direcção W - E , até Pasajes , mas de S. Jean
         de e as letras.  2                 todos os navios da escolta e as naus no Ferrol,  de Luz até Sables d` Ollone a costa francesa
           Como marinheiro, participou em diversos  e aí esperar por uma sota para seguirem, em   desenvolve-se na direcção S - N, e inflecte de-
         acontecimentos dignos de nota, nomeadamente  conjunto e com segurança, para Lisboa.  pois  para NW até Brest. Tudo isto torna a Bis-
         os que descreveu nas Epanáforas Bélica e Trá-  Em 21 de Dezembro, as naus e os navios  caia uma área perigosíssima para navios com
         gica: a primeira refere-se à Batalha das Dunas,  de escolta suspenderam, aproveitando um  pouca capacidade de bolina que, com ventos

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