Page 53 - Revista da Armada
P. 53

de NW, aí podem ficar ensacados.  7  trar-lhe confiança, e encarregou-o de missões   (a Fls. 117 e seg.) uma listagem  do seu “espólio literário”,
           Assim veio a acontecer. Incapazes de ven-  diplomáticas, tendo sido nomeado deputado   identificando 24 obras que foram publicadas e 102 que se
         cer o temporal que os empurrava para a costa,  da Junta dos Três Estados em 1666, ano em que   encontravam inéditas em 1971.
                                                                                  A “Santa Helena” e a “São Bartolomeu”.
                                                                                 4
         todos foram encalhando ao longo dos dias 12,  veio a falecer.           5  Situado junto à costa, a cerca de 4 milhas W do Ferrol ,
         13 e 14 de Janeiro, desfazendo-se nas rochas                       Z  num ponto donde se podia ver  toda a zona compreendida
         com enormes perdas de vidas humanas (cerca   Comandante G. Conceição Silva  entre o Cabo Priorino  e o farol da Corunha.
                                                                                 6  Leitores que estivessem a bordo da 1ª Sagres  na Re-
         de dois mil mortos, e apenas 300 sobreviven-                          gata Torbay - Lisboa (nos anos 50) talvez recordem que o
         tes). Muitas páginas seriam precisas para des-  Notas
                                              1  Com António Vieira, Manuel Bernardes e outros.  navio, que na Biscaia ia a fazer 14 nós  com vento  de NW,
         crever pormenorizadamente tudo o que então   2  Referindo somente as obras em português, deixou   depois de passar o Cabo Finisterra, soltou rumo para Lis-
         se passou!  8                      “As Segundas Três Musas do Melodino”, (100 sone tos,   boa. Mas o vento começou a cair e a rondar, acabando
           D. Manuel de Menezes sobreviveu, e D. Fran-  3 éclogas, 14 cartas à maneira de Sá de Miranda, oitavas,   por se fixar no SW, que por largo tempo impediu o aces-
         cisco Manuel de Melo também. Teve  por  últi-  tercetos, odes, silvas, uma oração, as Ânsias de Daliso, um   so a Lisboa, que só foi possível quando, dias mais tarde, o
                                                                               vento rondou para W.
         ma missão supervisar o adequado enterramen-  elogio, uma loa, motes  e glosas, quintilhas, coplas anti gas,   7  Leitores que estivessem a bordo da 2ª Sagres  numa
                                            trovas, décimas, romances e epigramas), a farsa “O Fidal-
         to das muitas centenas de mortos que juncavam   go Aprendiz” e várias orações (prosa), que pronunciou na   viagem em que se escalou Pasajes, nos anos 60, lembrarão
         a costa, e que se encontravam espalhados ao   presidência da Academia dos Generosos. Para além destas   talvez um violento temporal então suportado, a forma re-
         longo das praias e dos rochedos.   produções, são-lhe ainda devidas as “Epanáforas de Vá-  pentina como se desencadeou e o perigo potencial que re-
                                                                               presentava a proximidade da costa a sotavento.
           O desastre constituiu um rude golpe                                     8  Jacinto Octavio Picon,  na Introdução à “Historia de
         para Portugal e para a Marinha Portugue-                                los Movimientos, Separacion y Guerra de Cataluna en
         sa, chegando a ser comparado, por alguns                                Tiempo de Felipe IV”, de D. Francisco Manuel e Melo
         autores, ao de Alcácer Quibir, face às perdas                           (p. XXI e seg.), refere um curioso episódio descrito por
         de homens e de navios e às consequências                                D. Francisco Manuel de Melo,  ocorrido a bordo desta
                                                                                 nau na iminência de dar à costa arrastada pela tempes-
         que dele advieram, das quais só muito mais                              tade: “Naufragó la escuadra en aguas de San Juan de Luz;
         tarde o País se recompôs.                                               la catástrofe fué horrorosa, y de ella cuenta Melo, que iba em-
           D. Francisco Manuel de Melo continuou                                 barcado con el almirante en la capitana, el epi sodio siguiente:
         a prestar serviço militar a Espanha: dois anos                          Asistí - dice - con Don Manuel casi toda la noche de aquela
                                                                                 tribulacion porque le debía amor y doctrina: y queriéndo-se
         depois do naufrágio, interveio num comba-                               él mudar el traje, como todos á su ejemplo hicimos, ornándo-
         te com corsários turcos no Mediterrâneo, e                              -se cada cual con lo mejor que tenía, porque muriendo como
         foi armado cavaleiro. Em 1631, Filipe IV de                             esperaba fuese la vistosa mortaja recomenda ción para una
         Espanha concedeu-lhe a Ordem de Cristo,                                 honrada sepultura, en medío de esta obra y consideración á
         passando a  sua presença na corte de Madrid                             que ella excitaba, sacó Don Manuel los papeles que consigo
                                                                                 Ilevaba, de entre los cuales abrió uno, y volviéndose hacia mí
         a ser   mais frequente, e vivendo ora  em Lis-                          (que ya daba muestras de ser aficionado al estudio poético)
         boa, ora em Madrid.  Em 1637, interveio na                              me dijo sosegadamente: Este es un soneto de Lope de Vega,
         pacificação da revolta de Évora, aconteci-                               que él mismo me dió cuando vine ahora de la Corte: alaba en
         mento que precedeu a independência portu-                               él al Cardenal Barbarino, lega do á látere del Sumo Pontífice
                                                                                 Urbano VIII.» Á estas palabras siguió la lectura de él, y luego
         guesa; mas acabou por ser preso no Castelo                              su juicio como silo estuviera examinando en una serena aca-
         de S. Jorge, por motivos mal esclarecidos. Em                           demia, tanto que, por razón de cierto verso que pare cia ocio-
         1638, foi nova mente preso, agora  na Torre de                          so en aquel breve poema, discurrió ensenán do-me lo que era
         Belém, mas mais tarde voltou a prestar ser-  Golfo da Biscaia.          “pleonasmo” y “acirologia”, y en lo que se diferencian, con tal
                                                                                 sosíego y magisterio que siempre me quedó vivo el recuerdo de
         viços militares de importância, chegando  a                           aquella acción como cosa muy notable, siendo todo explicado con
         ser Governador de Ostende.         ria História Portuguesa” (Epanáforas Amo rosa, Política,   tan buena sombra, que infundió en mí grau olvido”.
                                            Triunfante, Bélica e Trágica), que D. Francisco Manuel de
           Declarada a Independência de Portugal, a   Melo cultivou como género literário, descrevendo em cada   9  Não se conhecem com rigor os motivos por que foi
         Coroa espanhola mandou-o  prender, por sus-  uma factos e acontecimentos importantes que testemu-  preso: enquanto alguns referem um móbil político, outros
         peitar do seu envolvimento na revolução. Mas   nhou ou de que teve conhecimento directo. D. Francisco   defendem que se tratou de um caso passional. Jacinto Oc-
                                                                               tavio Picon,  na Introdução à “Historia de los Movimien-
         acabou por  ser solto e autorizado deslocar-se   Manuel de Melo escreveu também sobre assuntos de na-  tos, Separacion y Guerra de Cataluna en Tiempo de Felipe
                                            tureza militar: o seu trabalho mais conhecido é a “Historia
         para a Flandres. Sabe-se que esteve em França   de los Movimientos, Separacion y Guerra de Cataluna en   IV”, de D. Francisco Manuel e Melo (p. xxi e seg.), adianta
         em 1641, e que daí pas sou a Londres. Em 10 de   Tiempo de Felipe IV” (que publicou sob o pseudónimo   uma explicação para este complicado assunto: a sua ori-
         Setembro de 1641, entrou no Tejo uma  armada   “Clemente Libertino”); mas há vários outros, entre os quais   gem estaria no facto de D. Francisco e D. João  IV terem,
         holandesa com  vinte navios sob o comando do   se destaca a “Política Militar em Avisos de Generais”, um   ambos, uma relação amorosa com a mesma  senhora, por
                                                                               sinal casada. Daí resultaram episódios rocambolescos e
         almirante Adriano Gysels. Nessa  força naval,   opúsculo que revela os seus profundos conhecimentos de   dramáticos, nomeadamente a morte de uma pessoa, fac-
                                            estratégia e da arte militar do seu tempo. (Uma tradução
         que incluía dezoito transportes, vinham 200   desta obra, com comentário e estudo de Reis Brasil, foi pu-  to que, injustamente, foi atribuído a D. Francisco. A má
         soldados portugueses dos terços espanhóis da   blicada em Separata da Revista CNA (Orgão dos Colégios   vontade contra ele demonstrada por D. João IV teria a sua
         Flandres, sob o comando de D. Francisco Ma-  Nun’ Álvares, Tomar), em 1971).  origem nesta intriga.
                                              3  Quem quiser aprofundar conhecimentos sobre este
         nuel de Melo, que fixou residência em Lisboa.   assunto vai enfrentar dificuldades  no acesso a fontes de   Bibliografia consultada
         Em 1644 foi mais uma vez preso e condenado   informação, pois actualmente (2009) não há, nas livra-  D. Francisco Manuel de Melo -Tácito Português – Clás-
         a degredo perpétuo em África, desta vez como   rias de Lisboa, nenhuma edição portuguesa das obras   sicos Sá da Costa – Raul Rêgo
                                         9
         suposto insti gador dum crime de homicídio.     de D. Francisco Manuel de Melo que inclua a Epanáfora   Jacinto Octavio Picon - Introdução à “Historia de los
         Mais tarde, o local do degredo veio a ser alte-  Trágica, estando há muito esgotadas as edições antigas que   Movimientos, Separacion y Guerra de Cataluna en Tiem-
         rado para o Brasil , mas só em 1655, isto é, 11   a continham. Daí que o único caminho a seguir consista   po de Felipe IV”
                                                                                 Jean-Yves Blot e Patrick Lizé - “Le Naufrage des Portu-
                                            na sua consulta em Bibliotecas, ou na procura em livros
         anos depois da prisão, é que partiu para o seu   estrangeiros, como neste caso se fez: este texto baseia-se    gais (1627) (Collection Magellane - Editions Chandaigne -
         destino, vivendo  então, por três anos, na Baía.   em notas recolhidas  na obra “Le Naufrage des Portugais   Librairie Portugiaise - 10 Rue Tournefort - 75005 - Paris).
         Enquanto esteve na prisão e, mais tarde, du-  (1627)”, de Jean-Yves Blot e Patrick Lizé, com relações tra-  D. Francisco Manuel de Melo - “Política Militar em Avi-
         rante a permanência na Baía, escreveu várias   duzidas por Georges Boisvert (Collection Magellane - Edi-  sos de Generais” - Comentário e estudo de Reis Brasil, pu-
                                            tions Chandaigne - Librairie Portugiaise - 10 Rue Tourne-
                                                                               blicada em Separata da Revista CNA (Orgão dos Colégios
         das suas mais celebradas obras.    fort - 75005 - Paris). Trata-se de uma obra imprescindível   Nun’ Álvares, Tomar), em 1971. “Política Militar em Avisos
            Em 1658, morto D. João IV, regressou a Por-  para quem pretenda estudar melhor o que se passou, pois   de Generais”, um opúsculo que revela os seus profundos
         tugal e foi viver para o norte do País (1659).  Vol-  o acontecimento é nela analisado sob todos os aspectos –   conhecimentos de estratégia e da arte militar do seu tem-
         tou mais tarde  para  Lisboa, onde se assinala   incluindo o do destino dos salvados (especialmente os das   po. Uma tradução, com comentário e estudo de Reis Bra-
                                                                               sil, foi publicada em Separata da Revista CNA (Orgão dos
         a sua presença em sessões da “Academia dos   naus da India, de valor incalculável) e das controvérsias   Colégios Nun’ Álvares, Tomar), em 1971.
                                            a que deu origem.
         Generosos”, agremiação de carácter literário.   No que respeita à Bibliografia de D. Francisco Manuel   Internet - Vários sites
         O novo rei, D. Afonso VI, voltou a demons-  de Melo, a Separata referida na Nota anterior apresenta   Wikipédia - “D. Francisco Manuel de Melo”
                                                                                    REVISTA DA ARMADA U FEVEREIRO 2009  15
   48   49   50   51   52   53   54   55   56   57   58