Page 20 - Revista da Armada
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coligação em todo o teatro de operações doAfe- área médica tivémos alguns diagnósticos in- plexidade dos doentes era elevado (ventilados,

ganistão, e uma vez que o hospital possuía uma teressantes como por exemplo: malária, me- com complicações médico-cirúrgicas, e nor-

morgue com capacidade para um total de 6 ningite meningoccócica, leishmaniose, hida- malmente instáveis), sem esquecer que os ele-

corpos, recebíamos esses infortúnios da guerra. tidose, esclerose múltipla, tumor renal, entre mentos das equipas desempenhavam também

Ainda me recordo bem das missas e honras mi- outros, relembrando que as doenças infeccio- as funções normais e rotineiras, no dia-a-dia

litares dos diversos contingentes, a todos aqueles sas como a tuberculose pulmonar têm uma do hospital. Relembro ainda, o facto de que a

que davam o seu esforço último pela                                                                   transferência de doentes nos portões

causa.A comoção estampada nas fa-                                                                     para as ambulâncias civis, constituir

ces, e o absoluto silêncio no meio da                                                                 um risco acrescido e uma condição

multidão que presta homenagem, é                                                                      facilitada para a ocorrência de ata-

o que mais nos arrepia.                                                                               ques insurgentes. Apesar de o mé-

A evacuação médica para o nos-                                                                        dico e enfermeiro estarem equipa-

so hospital era feita habitualmente                                                                   dos com arma, colete e capacete de

por helicóptero, recebendo doen-                                                                      protecção, as consequências pode-

tes de todas as zonas do Afeganis-                                                                    riam ser muito danosas. Neste sen-

tão, quer porque os hospitais role 2                                                                  tido, foi efectuado um protocolo de

aí existentes, tinham ultrapassado a                                                                  transferência dos doentes, pelo co-

sua capacidade clínica, ou apenas                                                                     mandante do destacamento Maj Rui

porque a capacidade diagnóstica                                                                       Machado, e prontamente aprovado

ou de tratamento só era possível                                                                      pelo Comando de Kaia.

no hospital em Kaia. Das zonas de

Kandahar e Helmand, a sul do país,                                                                    O LABORATÓRIO

onde os combates contra os talibãs                                                                    E A FISIOTERAPIA
eram duros e aguerridos, provinha Rebentamento de um veículo suicída junto à porta de armas da base.

o maior número de feridos, muitos deles com alta prevalência no país. Por vezes, as suspei- O laboratório hospitalar estava entregue ao

situações graves. Os feridos evacuados do tas clínicas forçavam à tomada de decisões re- técnico de laboratório da Marinha, em con-

nosso hospital, foram-no pela necessidade de lativamente a todo o destacamento, como foi junto com o congénere francês, e compre-

intervenções neurocirúrgicas ou ginecológi- o caso da meningite, que obrigou à profilaxia endia as áreas de bioquímica e bacteriologia,

cas, sendo enviados para um hospital role 3 antibiótica de todo o pessoal.                     para além do banco de sangue. Encontrava-se

Americano, em Bagram, a 80 Km de Cabul.                                                        bem apetrechado, com boas condições técni-

Os repatriamentos também eram frequentes, e CONSTITUIÇÃO DAS EQUIPAS                           cas, havendo ainda a possibilidade de enviar

facilitados neste caso pela própria localização   DE EMERGÊNCIA                                amostras dos doentes para um hospital central
do hospital, junto à pista do aeroporto interna-                                               em França, se necessário, onde seria possível

cional. Algumas vítimas afegãs, também rece- O destacamento médico português, entra- efectuar um maior número de testes. Durante

biam assistência numa primeira instância em va com um esforço adicional na constituição o período da rotação foram efectuadas cerca

Kaia, sendo posteriormente transferidos para das equipas de crash and rescue do hospital. de 8000 análises, repartidas pelos doentes da

um hospital civil em Cabul. O serviço nacional Havia três equipas (Med 1, Med 2, Med 3), urgência, internamento e consultas. Para além

de saúde afegão está em ruínas, com carências constituídas cada uma por um médico, um disso, o laboratório ainda prestava assistência

a todos os níveis, pelo que muitas vezes estas enfermeiro e um condutor, com um nível de na área, ao role 1 francês, existente em Camp

transferências constituíam uma an-                                                                    Warehouse, onde antes funcionava

tecâmara de um desfecho provável-                                                                     o hospital role 2 francês.

mente certo.                                                                                          A fisioterapia estava a cargo tam-

                                                                                                      bém da Marinha, com um técnico

CASUÍSTICA                                                                                            de fisioterapia, que inicialmente

                                                                                                      teve algumas dificuldades na sua

A enfermaria tinha desta forma pi-                                                                    acção clínica, pois ainda não ti-

cos de ocupação, sendo o quarto re-                                                                   nha sido enviado o material de tra-

servado aos militares e civis afegãos,                                                                balho, aquando do arranque de

o mais concorrido. Na totalidade dos                                                                  funcionamento do hospital. Uma

quatro meses, o serviço de interna-                                                                   vez obviadas estas contingências,

mento teve um total de 312 doentes,                                                                   os doentes iam engrossando a lis-

273 do sexo masculino e 37 do sexo                                                                    ta, cumprindo-se um total de 500

feminino, com 3 dias de média de du-                                                                  tratamentos. O desempenho era

ração de internamento. A população                                                                    realizado não só na reabilitação e

internada dividiu-se por militares da                                                                 tratamento, mas também na cinesi-

ISAF e ANA (138), civis afegãos e de                                                                  terapia respiratória e apoio à Unida-
outras nacionalidades (138), e milita- Garrote em vítima de atentado.                                 de de Cuidados Intensivos.

res da OEF (14). A diversidade do conjunto era prontidão variável, e todas com turnos de 24h.

tanta e tão heterogénea, que dos 312 doentes in- A equipa Med 1, tinha um nível de prontidão ADVERSIDADES

ternados, as respectivas nacionalidades distribuí- de 5 minutos, e dava apoio em caso de aci-

ram-se por um painel de 39 países! Muitas vezes, dente na pista de aterragem ou de alguma Apesar das condições de trabalho no hos-

era através destes doentes que íamos sabendo emergência no perímetro da base, a equipa de pital serem de um nível muito elevado, e da

notícias daquilo que se passava no verdadeiro Med 2 fazia os transportes electivos dos por- própria infraestrutura ser de qualidade supe-

afeganistão, pois tínhamos doentes oriundos de tões da base para o hospital, enquanto que a rior, nunca nos podíamos esquecer que está-

áreas de trabalho tão diferentes como militares, equipa de Med 3, concretizava as evacuações vamos circunscritos nas movimentações, ao

ONG´s, agências de segurança, ONU, EUPOL, de, e para os helicópteros, bem como do hos- perímetro da base. Esta era uma grande limi-

jornalistas, etc.                                 pital para os portões, com uma prontidão de tação, que aumentava a pressão sobre o grupo

As patologias mais frequentes eram do foro 20 minutos. Esta era normalmente uma tarefa e o obrigava a manobras de resolução interior

da traumatologia e cirurgia, mas também na desgastante e exigente, onde o grau de com- destas adversidades.

20 FEVEREIRO 2010 U REVISTA DA ARMADA
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