Page 17 - Revista da Armada
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A Marinha na Primeira República (1910-1926)
Revolução e Inovação 1ª PARTE
Uma Armada não se improvisa, “Forças” não constituem um arquipélago, iso- belar a precária situação financeira e das insti-
ainda mesmo quando o recrutamento lado, rodeado pelas instituições políticas dessa tuições do Estado. A Primeira República Por-
do seu pessoal fornece matéria prima mesma sociedade e por outros homens e mu- tuguesa (1910-26) surgiu, assim carregada de
de excelente qualidade. lheres que a compõem. Isto é, as Forças Arma- sonhos, de projectos, de entusiasmo. Tentou,
Apolítica naval dos últimos tempos das são o produto do poder dessa sociedade e de início estabelecer uma “verdadeira” demo-
da Monarquia, ou talvez a ausência da sua vontade política. Por outras palavras, cracia parlamentar. Todavia, apesar dos projec-
dessa política, tinha forçosamente nas sociedades industriais e tecnologicamente tos políticos generosos, a primeira experiência
que se fazer sentir nos primeiros avançadas, sem vontade política, capacidade in- republicana em Portugal, que durou dezasseis
anos da República. dustrial e poder financeiro é impossível equipar, curtos anos, resultou numa instabilidade polí-
doutrinar, treinar ou atribuir missões aos milita- tica permanente, com a pulverização do siste-
Maurício de Oliveira, res. Após a Revolução Industrial, nas democra- ma partidário e um total de quarenta e cinco
cias parlamentares, as grandes linhas de acção governos, oito eleições gerais e oito presidentes
“Armada Gloriosa, e actuação das ForçasArmadas são definidas e em quinze anos e oito meses. A Primeira Re-
AMarinha de Guerra Portuguesa no séc. XX (1900-1936)” avalizadas pelo poder político. pública Portuguesa foi um dos regimes mais
instáveis da Europa Ocidental, sem paz social
Lisboa, Livraria Editora, 1936, p. 47 É partindo deste pressuposto: o de que as e institucional, e desse ponto de vista não re-
Forças Armadas são um produto da socieda- solveu o problema político que transitava do
INTRODUÇÃO de onde se inserem, que teremos de analisar a século XIX e da Monarquia.
Marinha Portuguesa e a definição das políticas
AMarinha de Guerra Portuguesa co- para o uso e controlo do mar - na área de inte- As análises que muitas vezes se fazem da
nheceu ao longo dos séculos XIX e XX resse nacional - num período conturbado de 1ª República são geralmente apaixonadas, ora
transformações que, em diferentes con- transição de regime em Portugal, nas duas pri- demolindo toda essa “experiência” política de
junturas políticas e sociais, e distintos momen- meiras décadas do século XX. Aamplitude que dezasseis anos, ora exaltando o regime erguido
tos da vida nacional, foram modificando a sua tomaram então certos factos políticos e sociais em 1910. A análise crua e desapaixonada dos
estrutura orgânica, redefiniram as suas missões colocaram a descoberto as fragilidades de um acontecimentos coloca-nos em face de uma
e tarefas, obrigando dessa forma a um reequa- pequeno país, uma pequena potência, como complexidade política, social, financeira e eco-
cionamento do planeamento dos respectivos Portugal, que acalentava, num tempo instável nómica, devendo-nos levar a reflectir sobre as
meios e equipamentos, recursos humanos, en- de mudança do Sistema Mundial (1890-1930), condicionantes e as grandes tendências das so-
sino e dotações orçamentais. Porém, todas es- com algum fulgor por parte das suas elites, o so- ciedades dessa época. Nascida numa Europa
sas mudanças, todas essas vicissitudes, todas nho imperial, tentando seguir de perto as demais maioritariamente monárquica (com excepção
essas reformas, têm obrigatoriamente de ser potências que emergiam e competiam entre si. da França e da Suíça), sob um pano de fundo
analisadas, entendidas e inseridas numa outra social arcaico, rural e analfabeto, a República
dimensão, mais lata e complexa: a sociedade Por detrás da implantação da República es- Portuguesa que germinou em 1910 apostou
no seu todo. condia-se a vontade persistente, por uma parte em reformas que eram das mais avançadas
da sociedade portuguesa, que se concentrava desse tempo instável: educação para todos,
De facto, as Forças Armadas e os elementos nos centros urbanos, de fazer ressurgir a Pátria registo civil, separação da Igreja do Estado,
que as compõem são um produto da socieda- portuguesa. Os ideais republicanos contraria- voto universal, exclusão da censura, reforço
de onde se inserem. Ao contrário do que mui- vam militantemente a decadência portuguesa, da cidadania.Alguns destes princípios revela-
tas vezes se pensa e se quer fazer entender, essas e avançavam com propostas políticas para de-
Os cruzadores “S. Rafael” e “Adamastor” salvando a terra pelas 8 horas da manhã do dia 5 de Outubro.
Revista da aRmada • SETEMBRO/OUTUBRO 2010 17