Page 21 - Revista da Armada
P. 21
do serviço naval. Em 1909, havia na Marinha muitos deputados e senadores do Congresso. passou a ser estudado e compreendido. Re‑
418 oficiais combatentes (56% do total) e 322 Asua consciência social é arguta, as suas moti‑ fira‑se que o almirante americano teorizava
noutro tipo de funções, em áreas administra‑ vações cívicas e patrióticas ultrapassam mera‑ sobre as valências do poder naval ao serviço
tivas, número que representava 43 % do total. mente a sua afirmação corporativa, enquanto de uma comunidade de povos, dos cidadãos
Em 1916, nas vésperas da Marinha entrar na grupo de oficiais da Marinha de Guerra Por‑ de uma República Federal (dos Estados Uni‑
Grande Guerra, o número de oficias comba‑ tuguesa. O seu nacionalismo cultural, o seu dos). Nesse sentido, o ensino e o estudo do
tentes tinha descido para 339 (48,5% do total) e patriotismo inegociável, aliava‑se uma crença seu pensamento teve um impacte extraor‑
os que se encontravam em serviços de apoio já desmedida no progresso da ciência e da socie‑ dinário na Marinha Portuguesa durante a 1ª
ascendiamaos359(representando53%docon‑ dade e a um “muito difundido ideário de matriz República.Aliás, toda esta notável geração de
junto). Ou seja, durante a 1ª República faz‑se liberal ou democrático.”9 oficiais, elencada em passo anterior, irá desen‑
sentir a tendência para o crescimento do peso Para toda esta geração, adquirira indiscutí‑ volver o seu pensamento com base nos pres‑
dos oficiais que se encontravam em serviços vel autoridade os escritos e o pensamento do supostos mahanianos, discutindo ora na Liga
auxiliares e de apoio à esquadra8. almirante americano Alfred Thayer Mahan Naval, ora no Clube Militar Naval e na Sociedade
Os homens que durante a Primeira Repú‑ (1840‑1914). De facto, a obra de Mahan era de de Geografia o renascimento naval português,
blica estão à frente das fileiras da Marinha leitura obrigatória para estes homens, propi‑ no sentido de serem atingidas as finalidades
constituem uma geração de ouro da Institui‑ ciando um utilíssimo e rico aparelho teórico10 políticas nacionais definidas pelo Estado11.
ção. Não é por acaso que no campo cultural, na abordagem dos problemas e das temáticas O espaço de tempo que se estende de 1910
científico, ao nível do planeamento estratégi‑ de cariz estratégico e naval. As ideias do ofi‑ a 1926, é desse ponto de vista muito rico na
co e das operações, esta época irá marcar todo cial americano assentavam em pressupostos Marinha Portuguesa, no plano da reflexão es‑
o desenvolvimento da Marinha Portu‑ tratégica e política. Dois nomes, entre
guesa ao longo do século XX. Estamos muitos outros que plasmaram o seu
perante uma geração que se envolve pensamento nos Anais do Clube Mi‑
numa revolução política, e que tudo litar Naval e em outras publicações,
faz para que se criem as condições são ainda hoje referência obrigatória
para se incrementar a modernização nesses estudos: os almirantes Perei‑
técnica e científica da sua Corporação ra da Silva e Botelho de Sousa. A sua
e de Portugal. obra como que se completa, estando
Estes oficiais marcaram o seu tem‑ recheada de um manancial de propos‑
po, dentro e fora da Instituição, parece tas e reflexões sobre o poder naval e
restarem poucas dúvidas. Henrique o uso do mar por Portugal, enquanto
Quirino da Fonseca (1863-1939), Jai- comunidade atlântica.
me Leotte do Rêgo (1867-1923), Carlos
Viegas Gago Coutinho (1869-1959), Carlos Valentim
Abel Fontoura da Costa (1869-1940), 1TEN
António Ladislau Parreira (1869-1941), Um destacamento da Marinha passando no Rossio após a vitó- Fotos: “A Revolução Portuguesa 1907-1910”,
Vicente Bruto da Costa (1870— 1953), ria republicana. Machado Santos
Fernando Pereira da Silva (1871-1943),
Júlio Afonso Cerqueira (1872-1957), Luís de que defendiam, em caso de conflito, o aniqui‑ Notas
Magalhães Corrêa (1873-1960), António Perei- lamento do poder marítimo dos inimigos, ha‑ 1 CitadoporJoaquimRomerodeMagalhães(2009),Vem
ra de Matos, António Machado Santos (1875- vendo para isso a necessidade de uma pode‑
1921), Aníbal Sousa Dias (1875-1961), João rosa marinha de guerra, de projecção oceânica, Aí a República 1906‑1910, Coimbra, Almedina, p. 41.
Roby (1875-1904), João Belo (1876-1928), Álva- claro está, para negar ao adversário o domínio 2 Segundo Vasco Pulido Valente (1999), O Poder e o
Povo, 3ª Ed. Lisboa, Gradiva, p. 87.
3 Machado Santos (1911), ARevolução Portuguesa – Rela-
de pontos estratégicos, impedindo‑o assim de tório, Lisboa, Papelaria e Typografia Liberty, p. 17.
ro Nunes Ribeiro (1878-1933), José Carlos da tomar uma acção decisiva, ao mesmo tempo 4 Marinha de Campos, “ O Corpo de Marinheiros”
Maia (1878-1921) José Botelho de Carvalho de que poderia manter livre e aberta a navegação
Araújo (1880-1918), Alfredo Botelho de Sousa e o comércio marítimo. O poder naval deveria Jornal O Mundo, 18 de Fevereiro, 1910, p. 1.
(1880 -1960), Mariano Martins (1880-1943), Tito servir, nesta perspectiva, para obter o controlo 5 Rui Ramos(1994), “ASegunda Fundação (1890‑1926)
Augusto de Morais (1880-1943), José Mendes da actividade humana no mar, que tem, nes‑
Cabeçadas Júnior (1883-1965). sa óptica, uma influência decisiva em terra. ”, História de Portugal (Dir. José Mattoso), Volume Sexto,
Deveria ainda esse poder naval tornar‑se um Lisboa, Circulo dos Leitores, p. 379‑380.
Atente‑se no aparecimento destes homens 6 Machado Santos, Op. cit., p. 17.
notáveis, que a Marinha e o país foi capaz de 7 Vejam‑se os dados citados em Maria Carrilho, “Ori‑
gens sociais do corpo de oficiais das ForçasArmadas por‑
tuguesas ao longo do século XX”, Análise Social (1982‑83)
produzir e formar entre os anos finais da Mo‑ facilitador do desenvolvimento e da prosperi‑ Vol. XVIII, pp. 1155‑1164.
narquia e durante toda a 1ª República. Na sua dade das nações. 8 Estes números são referidos por A.H. Oliveira Mar‑
grande maioria têm entre vinte a trinta anos no Uma das valências destas teorias era a de as‑ ques(1991), Nova História de Portugal, Dir. de Joel Serrão
ano do Ultimato (1890), os restantes crescem já e A. H. de Oliveira, Vol. XI: Portugal da Monarquia para a
nesse ambiente de crispação social, crise polí‑ sociar os assuntos nacionais e internacionais, República, Lisboa, Editorial Presença, pp. 458‑461.
formando um vasto campo de análise, no seio
do qual o factor naval dispunha de um lugar 9 Como é salientado por Sérgio Campos Matos e Luís
tica e económica e falência financeira do Esta‑ proeminente. Em Portugal pensava‑se, por Aguiar dos Santos(2008), AMarinha e a Cultura História em
do monárquico, na viragem para o século XX. exemplo, nomeadamente entre os quadros mé‑ Portugal: Entre a Tradição e Modernidade (Século XIX-XX),
Muitos serão recrutados para funções políticas dios e superiores da Armada, ou em sectores Separata da Revista de História das Ideias, Vol. 29, p. 464.
e administrativas; outros lançam‑se na inves‑ a ela ligados, que a regeneração da esquadra Todo este trabalho contribui para uma pertinente refle‑
tigação científica; alguns dedicam‑se à escrita xão sobre o papel da Marinha na cultura e na sociedade
portuguesa nos séculos XIX e XX.
fomentaria a produção de riqueza: dos recur‑ 10 Que possibilitava, por sua vez, uma interpretação
e à investigação de temas históricos, marcan‑ sos marítimos, industriais e agrícolas do país. da realidade coeva quer se tratasse da feroz competição
do a historiografia portuguesa e reforçando a E seria no domínio do mar que se encontrava a entre poderes hegemónicos, que no mar mediam forças
memória nacional; outras ainda vão alcançar chave, a explicação para a ruína e o desastre de ou da própria situação interna ‑ de completo descalabro
os lugares de topo da Instituição onde se for‑ alguns impérios ou, pelo contrário, a glória e o e incúria em que haviam mergulhado as forças navais
maram, com base num trabalho de raciocínio poder de outros. portuguesas – era analisada também à luz do modelo
estratégico e numa actividade operacional ex‑ proposto por Mahan.
traordinária. O número de oficiais de Marinha O uso dos conceitos apresentados por Al‑
que desempenhou a função de Ministro na fred Mahan, estenderam‑se tanto à percep‑ 11 Veja‑se a este respeito a reflexão do Contra‑almirante
António Silva Ribeiro (2010), “Mahan e as Marinhas
como instrumento político”, Revista Militar, nº 5, pp.
1ª república é de 13%, não contabilizando os ção do presente como à forma no passado 465‑483.
Revista da aRmada • SETEMBRO/OUTUBRO 2010 21