Page 19 - Revista da Armada
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plina generalizada, o Major-General da Arma- Mal imaginava então que, só 4 annos depois, se militares era aquela em que o espírito de corpo
da, vice-almirante Francisco Joaquim Ferreira poderia levar à pratica o que n’esse momento se co- mais se desenvolvera. Uma tradição que vinha
do Amaral, teve de intervir, e entrou mesmo a meçou a esboçar.”3                   de longe, e que se prendia com a vida a bordo e
bordodoCruzador.Dirigiuumaimpressionan- A ditadura de João Franco, um governo as missões muito próprias a que estavam afec-
tefalaàguarnição,segundosostestemunhosno musculado e forte, cairá após o drama do tos os navios daArmada. Era também esta for-
local, e retirou-se em seguida para terra. A re- Regicídio, em Fevereiro de 1908. Para o subs- ça militar a que pugnava por mais meios, para
pressão da revolta, em julgamento de Tribu-                                        defender o Império, que se revoltava pela
nal de Guerra, foi contundente: 41 encarcera-                                      humilhação do Ultimato, e que pensava que
mentos de 15 a 20 anos, deportações para as                                        a Pátria estava em perigo, não havendo ou-
colónias e outras penas menores.                                                   tra solução se não o derrube do regime. A
Depois desta crise, nada volta a ser como                                          vontade de revolta vingava igualmente pela
antes. O executivo é destituído no mês se-                                         influência das ideias e comportamentos da
guinte e substituído pela ditadura de João                                         burguesia urbana entre os seus oficiais5.
Franco. O impacte político da revolta do                                           AMarinha desempenhou um papel fun-
cruzador “D. Carlos I”, em Abril de 1906,                                          damental em todo o processo revolucionário
juntamente com os outros navios, foi apre-                                         que culmina com a implantação da Repúbli-
ciável. Uma tal amotinação não só ilustrava                                        ca. O militar mais graduado dos revolucio-
o descontentamento dos escalões mais bai-                                          nários era o Almirante Cândido dos Reis,
xos da Marinha, embarcados numa grande                                             que participara na revolta falhada de 1908 e
unidade naval, a maior que a Marinha ja-                                           que lidera todo o processo de planeamento
mais mais alguma vez teve, a mais impor-                                           militar da Revolução.
tante da esquadra no princípio do Século XX,                                       Sublinhe-se que o processo revolucionário
como assinalava a progressão, no interior                                          que conduziu à implantação da República
da Armada, das ideias contrárias à política                                        foi complexo e muito irregular. Muitos dos
dos governos monárquicos, sob a influên-                                           militares que deveriam participar nas opera-
cia dos sectores urbanos civis mais radicais,                                      ções para derrube da Monarquia acabaram
que tendiam a organizar-se em sociedades                                           por não se envolver. Apenas três unidades
secretas para combater violentamente o re-                                         se mantiveram fiéis à causa republicana, o
gime instituído.                               O posto de TSF da Casa da Balança.  Quartel de Marinheiros, situado em Alcân-

A importante mobilização política levada a tituir, no Governo que ficou conhecido por tara,Infantaria16eArtilharia1.Dostrêsnavios
cabo pelos republicanos nos centros urbanos, “Acalmação”, o jovem rei D. Manuel II es- deguerrasurtosnoTejo,doisapoiaramdeime-
sobretudoemLisboa(ondesearregimentavam colhe o almirante Ferreira do Amaral, Par do diato a revolução: os cruzadores “Adamastor”
professores, caixeiros, lojistas, operários), tam- Reino. Os estudos que se têm elaborado sobre e “S. Rafael”. O cruzador “D. Carlos I”, o maior
bém atinge assim a Marinha. Grande número esta nomeação, não realçam um aspecto que navio da esquadra, foi tomado de assalto pelos
depraças,sargentoseoficiaissubalternosadere me parece bastante importante: é que o che- revoltosos,lideradospelo2ºTenenteJoséCarlos
àcausarepublicana,incorporando-seemmassa fe de governo indigitado é um almirante, um daMaia,tendoocomandantedonavio,Álvaro
naCarbonáriaPortuguesa.De1908emdiante,sa- oficial-general respeitado na Marinha, que ti- Ferreira, ficado ferido diante dos revoltosos.
be-se que trinta oficiais, desde o posto de guar- nha debelado sem derramamento de sangue Concentrando-se as principais forças repu-
da-marinha a almirante, trabalham com esta a perigosa revolta naval de 1906.       blicanas na Rotunda, os poucos oficiais que aí
organização secreta. Nos navios e no Quartel Uma proposta que o ministro da Marinha lideravam os revolucionários foram desistin-
dos Marinheiros - a grande unidade naval em se preparava para apresentar, nas cortes, nos do. Ficou apenas um: o Comissário Naval Ma-
terra - praticamente todos os sargentos e pra- inícios de 1910, era a extinção do Corpo de chado Santos. O papel deste jovem oficial de
ças tinham feito a sua iniciação nas Choças da Marinheiros, colocando em seu lugar “um Marinhafoideextremaimportânciaparaman-
Carbonária Portuguesa2. Em grupo conspiram, simples deposito de praças de marinhagem, apenas ter as forças, compostas por civis e militares,
arquitectam planos de derrube da Monarquia, constituído por recrutas e pelo pessoal que não ti- motivadas e coesas. A resistência na Rotunda
concebem operações para a cidade                                                                               iria garantir o sucesso da Revolu-
de Lisboa, nas quais os navios têm                                                                             ção. Mas para os republicanos as-
um papel fulcral e decisivo.                                                                                   sumirem o controlo da cidade era
Na revolta naval de 1906, são as                                                                               necessária a movimentação, na re-
praças que detêm um papel acti-                                                                                taguarda das forças monárquicas,
vo. A revolta não tem um plano                                                                                 dos cruzadores que se encontra-
assertivo, não tem um objectivo                                                                                vam no Tejo.
concreto, uma liderança clara. Mas                                                                             Os cruzadores “Adamastor” e
o descontentamento nas fileiras da                                                                             “S. Rafael”, que estavam nas mãos
Marinha vai continuar a aumentar                                                                               dos republicanos, tomam posição
como fogo em estopa. Nas primei-                                                                               frente deAlcântara, cerca das onze
ras páginas do relatório elaborado                                                                             da manhã do dia 4; disparam mais
por Machado Santos sobre a Revo-                                                                               de quarenta granadas sobre o palá-
lução de 5 de Outubro de 1910, fi-                                                                             cio real, e atingem a cornija da ca-
camos com uma ideia, justamente,                                                                               pela das Necessidades e o próprio
do clima de conspiração que se vi-                                                                             quarto de D. Manuel II; o mastro
via na Marinha no Verão seguinte      O Comissário Naval Machado Santos a cavalo junto dos revolucionários na  onde flutuava o pavilhão real é
à revolta do “D. Carlos I”, em 1907.  Rotunda. Reprodução de um quadro de Alberto de Sousa.                    cortado. O bombardeamento pro-

Escreve o revolucionário:                      ver colocação a bordo”4, o que ilustra a descon- voca a fuga do rei e lança a confusão nas for-
“Em Agosto de 1907 o capitão-tenente João José fiança que havia em relação à Marinha e à ças que defendiam o seu palácio. O resultado
Lúcio Serejo Junior procurou-me na commissão de sua mais que previsível actuação em caso de imediato foi o levantamento da pressão sobre
compras de Marinha, para me falllar sobre a mar- golpe militar.                    o Quartel dos Marinheiros de Alcântara.
cha dos negocios publicos e o desaforo da dictadu- É, sem dúvida, a Marinha um dos grandes Cerca das 16 horas, os navios moveram-se
ra de Franco.                                  bastiões do republicanismo. De todas as forças outra vez no Tejo, e foram-se posicionar em

                                                                                   Revista da aRmada • SETEMBRO/OUTUBRO 2010 19
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