Page 15 - Revista da Armada
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encurtar das ondas que se tornam mais agres- vieram dar-nos o testemunho do seu reconhe-     dois metros por cada mês após os seis meses de
sivas. Passados os baixos, às cinco da manhã, cimento pela missão que agora termina. Nas     missão. Ao atracar carregámos o pano de taca-
pudemos finalmente arribar e, com menos margens juntavam-se pessoas a acenar e nós           da e despachámos a faina para que o publico se
esforço, o motor imprimiu mais velocidade ao íamos tendo finalmente a verdadeira noção do    pudesse aproximar. Eram centenas, entre fami-
navio e a esperança voltou à ponte. Tinha sido impacte que a viagem tinha tido. O Almirante  liares, amigos e admiradores da barca.
sempre assim ao longo da tirada, alternando CEMA desembarcou após falar à guarnição e
frequentementeentreaconvicçãoeaesperança aos jornalistas, junto ao Terreiro do Paço, e nós      Volta à faina!
dechegara23eodesalentodeparecerimpossí- seguimosparaaBaseNavalondealgunsmilha-                  Fim da Missão!
velquandoeramosfustigadospelomautempo res de pessoas nos aguardavam para um beijo               Missão Cumprida!
e pelas fortes correntes.                       ou um abraço. Trazíamos apenas pano latino,
Contra as previsões, fomos conseguindo a bandeira nacional era a maior de todas e a flâ-                EPÍLOGO
progredir a boa velocidade na travessia do mula, seguindo a tradição antiga, tinha crescido
Golfo de Cádiz e, sabendo que a depressão                                                          O N.R.P. “Sagres” concluiu assim a sua terceira
cavada que nos estava a afectar se ia deslocar                                                   Volta ao Mundo, sendo esta a sua viagem de maior
para noroeste e provocar um forte temporal                                                       duração e extensão. Uma longa e difícil viagem em
daquele quadrante nas horas seguintes, ten-                                                      que, para além de ter cumprido a missão normal
támos adiantar-nos. Íamos caçar mais pano                                                        de formação dos futuros oficiais da Marinha, in-
mas desistimos quando vimos a gávea baixa                                                        cluiu a participação no evento “Velas Sudamérica
a começar a abrir uma costura. Ainda assim                                                       2010”, nas celebrações do “Dia de Portugal” nos
estávamos dentro da velocidade necessária                                                        EUA, dos 150 anos do “Tratado de Paz, Amizade
para chegar a 23 antes do anoitecer. O ven-                                                      e Comércio entre Portugal e o Japão” e dos 500
to forte e mar alteroso não nos permitiram                                                       anos da chegada dos Portugueses ao Oriente; vi-
aproar directamente ao Cabo de São Vicente                                                       sitaram-se as comunidades portuguesas e apoiou-
e aproveitámos para ganhar algum abrigo do                                                       -se a política externa nacional no Brasil, Uruguai,
mar que ia lentamente rodando para noroes- Entrando o Tejo.                                      Argentina, Chile, Peru, Equador, México, EUA, Ja-
te. Atingimos a costa do Algarve cerca das                                                       pão, Coreia do Sul, China, Timor Leste, Indonésia,
18:00 de dia 22, junto a Vilamoura, e depois                                                     Tailândia, Malásia, Índia e Egipto.
avançámos sem pano em direcção ao Cabo
mas o vento e a ondulação não paravam de                                                           O navio navegou cerca de 5 500 horas em 343
subir e sabíamos que pioraria na costa oeste.                                                    dias de missão, percorreu cerca de 40 000 milhas,
A vontade de chegar ajudava-nos a aguentar                                                       passou o mítico Cabo Horn e diversas zonas com
as difíceis condições que estavam a começar                                                      ameaça real de tempestades tropicais e de pira-
a atingir proporções a evitar. Ao sul do Bur-                                                    taria, atravessou vários oceanos, tocou os quatro
gau, com 50 nós de vento e ondas enormes,                                                        quadrantes, enfrentando a sua guarnição, vários
verificámos que os navios que iam à nossa                                                        riscos e violentos temporais e sofrendo as elevadas
frente estavam a progredir a apenas 2 nós!                                                       temperaturas e humidade da zona inter-tropical
Seria insensato continuar! E assim, com mui-                                                     e o frio extremo da Patagónia e Terra do Fogo no
ta pena, colocámos o mar na popa e fomos                                                         Atlântico Sul.
para o abrigo da Ponta da Piedade, frente a     Faina do leme.
                                                                                                   A “Sagres” recebeu, nos 26 portos visitados, cer-
Lagos. Eram duas da manhã!                                                                       ca de 300 000 visitantes e 4 000 convidados para
Apontávamos agora para a chegada no                                                              diversos eventos a bordo, nomeadamente altas
dia 24 de manhã, o que ainda nos obrigaria a                                                     entidades das quais se destacam Suas Excelências
suportar a fase final da tempestade. Às 11:00                                                    o Almirante Chefe do Estado-Maior da Armada e
estávamos de novo a passar o Cabo com uns                                                        seus congéneres, o Secretário de Estado da Defesa
“calmos” 30 nós de vento nor-noroeste e on-                                                      Nacional e Assuntos do Mar, os Presidentes do
das de 5 metros. Primeiro muito lentamente                                                       Equador e de Timor Leste, a Princesa Takamado
e depois a ganhar velocidade à medida que                                                        do Japão, Membros dos Governos e Corpos Di-
vento e mar caíam, passámos Sines às 23:00                                                       plomáticos, sendo sempre objecto de elogiosos
e entrámos na Barra do Tejo às 6 da manhã!                                                       comentários e rasgados elogios.
Terminou aqui o período mais stressante
da nossa viagem – inacreditavelmente pas-                                                          Em todas as acções em que o navio esteve envol-
sámos safos às tempestades permanentes Visita do ALM CEMA.                                       vido, soube a guarnição, mercê do elevado espírito
do Cabo Horn e aos tufões do Pacífico para                                                       de corpo e de vontade de bem-fazer, manter um
sofrer nos nossos conhecidos Atlântico e Me-                                                     elevado profissionalismo e aprumo que se revela-
diterrâneo. Não esquecemos também os dias                                                        ram na forma sempre impecável como o navio se
terríveis ao largo do Brasil onde se perdeu o                                                    apresentou, dignificando a Marinha e o País e sen-
Concórdia e depois junto à península Valdêz                                                      do motivo justificado de reiterado orgulho para os
já a meio da costa da Argentina.                                                                 portugueses que connosco contactaram.
Às 09:00, em Algés, entraram os primeiros                                                        Ao longo de mais de onze meses, vivendo num es-
jornalistas convidados para noticiar a nossa                                                     paço exíguo e num ambiente de elevada exigência,
chegada. Depois foi o VALM Comandante                                                            e com as privações próprias e inerentes dos que
Naval e o Almirante Chefe do Estado-Maior                                                        andam no mar por tão longo período, privados
da Armada. À nossa volta juntavam-se em-                                                         sobretudo dos familiares, de lhes dar apoio e de
barcações de recreio com amigos e admira-                                                        os acompanhar nos momentos mais singulares da
dores que, apesar de ser véspera de Natal, Chegada à BNL.                                        condição humana, os marinheiros da barca não
                                                                                                 negaram um sorriso a uma visita, a melhor das
                                                                                                 atenções aos milhares de convidados, nem o seu
                                                                                                 esforço nas manobras, na condução e na manu-
                                                                                                 tenção do navio que esteve sempre ao seu melhor
                                                                                                 nível.

                                                                                                   A guarnição foi contemplada com o privilégio
                                                                                                 da percepção do legado histórico, cultural e civi-
                                                                                                 lizacional de Portugal, ainda vivo no Mundo, o
                                                                                                 qual justificou parte desta Missão. Ficando mais
                                                                                                 uma vez plasmado que a Sagres é o melhor veicu-
                                                                                                 lo para alimentar a chama desse legado. Navegar
                                                                                                 continua e continuará a ser preciso.

                                                                                             Colaboração do COMANDO DO NRP“SAGRES”

                                                                                             15REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2011
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