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Almirante Alfredo Botelho de Sousa
Geopolítico erudito e historiador de referência
«A razão de ser da Armada na defesa do país deve estar sempre presente no espírito dos que detêm a governação»1.
Filho de António Botelho de Sousa e de Foi por esta altura que tomou contacto lharia da canhoneira Açor e, em agosto, foi
Thereza de Jesus Viveiros, Alfredo Bo- com a complexa realidade das províncias nomeado adjunto do Departamento Marí-
telho de Sousa nasceu na freguesia de ultramarinas portuguesas – fortemente con- timo de Oeste, tomando posse, em vésperas
Ajuda da Bretanha, ilha de S. Miguel,Açores, dicionada pelo facto do poder naval vigen- da implantação da República, como capitão
no dia 1 de dezembro de 1880. Frequentou te não dispor de capacidade para garantir do porto de Ponta Delgada. Em dezembro
a escola primária na vila das Capelas, tran- a salvaguarda dos interesses nacionais na- desse ano foi admitido a concurso para o
sitando em 1890 para Ponta Delgada, onde quelas paragens – mas também com a obra curso de Engenharia Naval, que devido à
prosseguiu os estudos no liceu da Graça. Ao e doutrina de Alfred Thayer Mahan (1840- situação não se chegou a realizar.
que parece, os intensos acontecimentos vivi- 1914). Em conjunto, terão constituído fon-
dos na última década do século XIX, Republicano convicto, no dia 29 de maio
fortemente marcada pelo Ultimatum de 1911 foi, a seu pedido, exoneradoArquivo Histórico da Marinha
inglês a Portugal, terão incutido em do cargo de capitão de porto. O seu
Alfredo Botelho de Sousa o interesse nome apareceria pouco tempo de-
pelo poder naval português, muito pois na lista dos 234 deputados das
embora na escola se distinguisse em Cortes Constituintes, eleito pelo cír-
particular na área das ciências. Nos culo transmontano de Vila Real. Em
tempos livres visitava regularmente virtude do respeito que entretanto
a mãe, que trabalhava como ajudante granjeara, o ainda Segundo-tenente
do diretor da farmácia do hospital de Botelho de Sousa encontrava-se en-
Ponta Delgada, Francisco Maria Supi- tre os 71 senadores eleitos que apro-
co (1830-1911), o que o levou a interes- varam a Constituição, funções que
sar-se pelas questões técnicas daquele exerceu até 1915. De permeio, publi-
serviço.Apesar da modéstia de recur- cou em 1912 a obra Marinha e Defe-
sos dos seus progenitores, a amizade sa Nacional, fortemente influenciada
de Francisco Supico terá sido decisiva pelas teorias de Mahan, onde releva
no apoio financeiro que o Marquês a sua preocupação para com os pro-
da Praia e Monforte lhe concedeu em blemas que por essa altura afetavam
1895, permitindo-lhe prosseguir os a Marinha, designadamente, na for-
estudos na Escola Politécnica, em Lis- ma como esta se encontrava organi-
boa, durante três anos letivos. zada nas províncias ultramarinas.
Muito embora não houvesse na Com esta obra lançou as bases dou-
família qualquer tradição militar ou trinárias do pensamento naval por-
marítima, a condição de ilhéu, alia- tuguês que vigorou na primeira me-
da ao interesse que nutria pelos feitos tade do século XX, na qual defendia
marítimos dos portugueses, a que se O Guarda-marinha Alfredo Botelho de Sousa. o domínio do mar como garantia da
manutenção das províncias ultrama-
somaram, em 1898, os eventos do programa te de inspiração às investigações que, dora-
de comemorações do quarto centenário do vante, dedicou às questões da geopolítica e rinas. Muito crítico da situação em que se
descobrimento do caminho marítimo para à presença portuguesa no Oriente. encontrava o país, tinha a noção de que a
a Índia, terão concorrido para que Alfredo Em 1906, com o intuito de integrar a Mis- sociedade civil – leia-se os políticos – seria
Botelho de Sousa optasse por entrar para são Hidrográfica de Lourenço Marques, se- incapaz de produzir um verdadeiro progra-
a Escola Naval a 20 de outubro desse ano. guiu para Moçambique, mas «foi obrigado ma de defesa nacional:
Terminou o curso como primeiro classifica- em virtude do despacho ministerial que elevou
do e foi promovido a guarda-marinha a 30 as 120 derrotas exigidas para o seu tirocínio a «[…] entre nós, com uma população desedu-
de setembro de 1901, iniciando um período 120 períodos de 24 horas, a requerer para seguir cada, quanto aos princípios em que assenta a
de embarque em navios como o cruzador viagem em paquete até encontrar o transporte doutrina da defesa nacional, num país onde os
D. Carlos I, as canhoneiras D. Luís, Tâmega e “África”, único meio que tinha de poder satis- assuntos que dizem respeito a essa defesa são es-
Sado, bem como no transporte Pero de Alen- fazer essa navegação dentro do tempo que lhe tudados, pode dizer-se que exclusivamente, pelas
quer, nos quais navegou pelos arquipélagos faltava para completar o tirocínio de dois anos». classes militares, não seria razoável exclui-las do
dos Açores e de Cabo Verde. Esteve embarcado na canhoneira Zambeze, Congresso, porque nos sujeitaríamos a não ter
A 7 de julho de 1903 partia para o Índico na canhoneira-torpedeiro Tejo e no cruzador aí quem tratasse com conhecimento tão impor-
e a 21 de agosto era nomeado vogal efetivo Rainha D. Amélia, nos quais dedicou «a maior tantes assuntos».
dos Conselhos de Guerra da Divisão Naval actividade, zelo e saber na missão hidrográfica,
em Macau, tendo sido promovido a segun- dando as mais apreciáveis provas de boa vonta- A 28 de agosto de 1912, após concluir o
do-tenente no dia 7 de fevereiro do ano se- de para que se realizasse com êxito tam árdua curso da Escola Prática de Torpedos e Ele-
guinte. Esteve embarcado na canhoneira Pá- quanto importante tarefa». tricidade, foi nomeado para fazer parte da
tria, onde efetuou uma viagem a Luanda no Por motivos de saúde, foi obrigado a re- comissão encarregada de estabelecer as
primeiro semestre de 1905, e ainda no trans- gressar a Lisboa em 1908, donde seguiu, condições de contrato da navegação entre
porte Salvador Correa e no navio depósito Ín- com licença da Junta de Saúde Naval, para Lisboa e os portos da América do Norte,
dia, nos quais visitou diferentes províncias Ponta Delgada. Em maio do ano seguinte tendo sido promovido a primeiro-tenente
portuguesas no Índico. assumiu as funções de encarregado de arti- no dia 30 de novembro.
Em janeiro de 1913 integrou a comissão
incumbida «de estudar a manutenção das esco-
las de alunos marinheiros e propor a sua reorga-
REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2012 13