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A navegação aérea:
Da astronomia à electrónica* 1ª parte
Introdução o problema de não disporem de horizon- pelo que foi sem surpresa que a navegação
te visível, que servisse de referência para aérea se começou a virar para a rádio. De
Esta comunicação resultou de um rep- a medição das alturas dos astros. facto, o advento da rádio no final do sécu-
to lançado pela Academia de Mari- lo XIX levara a que se tivesse começado a
nha para abordar a história da na- Para obviar a essa limitação, foi desen-
vegação aérea no pós-astronomia, nesta volvido o sextante de bolha, mas também estudar o desenvolvimento de sistemas de
sessão que celebra o registo dos Relatórios este apresentava problemas, pois os aviões navegação baseados na nova tecnologia.
da 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul por eram, na altura, plataformas bastante ins- Neste particular, o radiogoniómetro cons-
Gago Coutinho e Sacadura Cabral na Me- tituiu o sistema pioneiro, tendo tido a sua
mória do Mundo da UNESCO. Este repto génese quando o grande Heinrich Hertz
constituiu, compreensivelmente, um gran- se apercebeu que as ondas rádio possuíam
de desafio, pois – apesar de ter estudado propriedades direccionais.
navegação aérea no Reino Unido, mais Em 1888, Hertz constatou que, à medi-
concretamente na Universidade de Not- da que fazia girar uma antena receptora
tingham no âmbito do mestrado em Na- circular, o valor da corrente nela induzida
vigation Technology – não possuo qualquer variava, pelo que conseguia perceber a di-
experiência de navegação em aviões. E, recção em que se encontrava o transmissor.
sendo certo que a maior parte dos métodos A primeira forma de radionavegação con-
e dos sistemas de navegação que abordarei sistiu, portanto, na utilização de aparelhos
são comuns à navegação marítima, tam- – os radiogoniómetros – que permitiam de-
bém é verdade que nalguns casos existem terminar a direcção de onde provinham os
diferenças significativas entre as soluções sinais radioeléctricos emitidos por estações
adoptadas para a navegação no mar e no em terra – os radiofaróis, que na navegação
ar. Isso acontece, por exemplo, na radio- aérea são denominados por NDB’s (Non-
goniometria, que se desenvolveu bastan- -Directional Beacons).
te mais na navegação aérea, e nos sistemas A aplicação de radiogoniómetros em
diferenciais adoptados para colmatar as la- aeron aves começou, a título experimental,
cunas do GPS. No entanto, decidi aceder em 1918. Na altura, a tecnologia existen-
ao repto da Academia de Marinha, procu- te obrigava a possuir antenas de grandes
rando com esta comunicação contribuir, Capado“RelatóriodaViagemAéreaLisboa–RiodeJa- dimensões, que eram estendidas ao longo
de forma singela, para esta homenagem neiro,efectuadaporGagoCoutinhoeSacaduraCabral”. de toda a superfície da aeronave.
a duas das mais notáveis personalidades As antenas só viriam a tornar-se mais
do século XX português: Gago Coutinho táveis e a turbulência, muitas vezes pre- pequenas após a invenção das válvulas,
e Sacadura Cabral. sente durante o voo, provocava desvios que permitiam amplificar os sinais rece-
Com esse propósito, procurarei efectuar contínuos da bolha do sextante. Isso levou bidos. A partir daí a radiogoniometria
um breve excurso sobre a navegação aérea à incorporação de um relógio para deter- tornar-se-ia no método de navegação mais
desde o início do século XX, em que se es- minação da média das observações (que comum para os aviadores (e, por alguns
tava inteiramente dependente dos astros, mitigava os indesejáveis desvios da bolha anos, o único). Não obstante, estes radio-
até aos nossos dias, em que os sis- goniómetros, que funcionam em
temas electrónicos inundaram os LF (Low Frequency) e MF (Medium
cockpits, facilitando imenso a tare- Frequency), comportam erros de
fa de quem tem que navegar a bor- posicionamento muito elevados,
do de uma aeronave. Naturalmen- os quais aumentam muito com a
te, será impossível, por falta de distância à estação transmissora.
tempo, abordar todos os sistemas Acresce ainda que os erros tam-
electrónicos desenvolvidos para a bém dependem, entre outros as-
navegação aérea, desde o apareci- pectos, das condições atmosféri-
mento dos primeiros radiogoni- cas da zona (o erro aumenta com
ómetros em aeronaves, em 1918. o incremento da “electricidade” no
Assim, focarei apenas os sistemas ar, o que acontece tipicamente em
mais importantes, esperando po- zonas de trovoadas) e até da hora
der proporcionar uma boa pano- do dia. Além disso, a obtenção da
râmica da evolução dos sistemas posição era um processo comple-
electrónicos usados na navegação xo e moroso. Isso levou a que se
aérea, até aos nossos dias. fossem desenvolvendo técnicas
Gago Coutinho empunhando um sextante de horiz onte artificial. novas para tornar a radiogonio-
Medição de ângulos do sextante). Adicionalmente, havia ain- metria mais atraente para os aeronautas.
A navegação aeronáutica – tal como a da dificuldades na observação dos astros Um passo decisivo nesse sentido foi a in-
navegação marítima – começou por estar quando o céu se apresentava nublado na venção de receptores capazes de determi-
inteiramente dependente dos astros. De zona do voo. nar automaticamente a direcção da estação
facto, longe de costa, a astronomia era o Mesmo assim, a navegação astronómica emissora. Esses receptores têm a designa-
único método de navegação passível de nunca foi um método de navegação parti- ção de ADF (Automatic Direction Finder),
ser utilizado. Só que os aviadores tinham cularmente atractivo a bordo de aeronaves, sendo, ainda hoje, os receptores usados a
Revista da Armada • AGOSTO 2012 13