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REVISTA DA ARMADA | 483

O uso da força

ao abrigo do Capítulo VII
DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS

INTRODUÇÃO                                                          A restrição jurídica – jus ad bellum

  Após o final da Guerra Fria, a Organização das Nações Unidas        O Pacto Kellog-Briand, assinado por quinze Estados em 27 de
(ONU) tem sido cada vez mais solicitada e, consequentemen-          agosto de 1928, em Paris, proibia a guerra, sem exceção, como
te, interventiva na mediação e gestão dos conflitos, dispondo,      instrumento de política nacional, excluindo a legítima defesa, a
agora, dos instrumentos, anteriormente indisponibilizados pelo      ação armada decidida pela Sociedade das Nações (SdN), os con-
veto, para a resolução pacífica de disputas internacionais. No en-  flitos entre os Estados não signatários, e entre um Estado sig-
tanto, e pese embora esta evolução contribua para evitar que        natário e outro não-signatário (Moreira, 2005). Face às limita-
os seus membros recorram à ameaça ou ao uso da força contra         ções evidenciadas, este Pacto viria a revelar-se um mecanismo
qualquer outro Estado, o contexto estratégico no pós-Guerra Fria    frágil, no que se prende com a capacidade de evitar um conflito
é significativamente diferente daquele que levou à conceção da      bélico, como se viria a verificar com a Segunda Guerra Mundial
Carta das Nações Unidas.                                            (IIGM), não só pela inexistência de um critério de causa justa, mas
                                                                    também em resultado das reservas impostas por algumas nações
  As novas dinâmicas securitárias vêm colocar em causa a vali-      à sua aplicação. Por consequência, terminado o conflito, era
dade das atuais conceções de legítima defesa, em resultado da       essencial integrar a legítima defesa na Carta das Nações Unidas,
fragilidade e ambiguidade demonstradas nas exceções à proibi-       o que veio a suceder, assim como legitimar a guerra de liberta-
ção do uso da força no capítulo VII da Carta, bem como no uni-      ção nacional e a ação internacional determinada pelo Conselho
lateralismo evidenciado por alguns Estados ao privilegiarem os      de Segurança (CS) ou pela Assembleia Geral (AG). Para esta deci-
seus interesses nacionais, em detrimento da segurança coletiva,     são, contribuiu igualmente a crescente interdependência que se
comprometendo a credibilidade da argumentação em torno de           vinha a verificar entre os conflitos surgidos após o final da IIGM,
uma causa justa. Daí que surgem os apelos para a necessidade        relevando a importância da legítima defesa coletiva contra uma
de revisão da Carta, em particular, o artigo 51º, sendo consensual  hipotética agressão, tendo sido invocada esta premissa, quer
que as suas disposições não são suficientes para resolver todo o    pela Aliança Atlântica, quer pelo Pacto de Varsóvia em diversas
tipo de ameaças à paz e segurança internacional. Neste sentido,     ocasiões.
vamos efetuar uma breve reflexão acerca dos motivos invocados
para o debate em torno desta controversa questão e concluir se        A evolução da ONU, relativamente à SdN, consistiu, assim, na in-
justificam de per se a alteração deste artigo.                      trodução do mecanismo jurídico que permite a legalização do uso da

                                                                    MARÇO 2014 17
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