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VICE-ALMIRANTE SARMENTO RODRIGUES
O patrono do novo curso da Escola Naval
O patrono do novo curso da Escola Naval
anuel Maria Sarmento Rodrigues nasceu em Freixo de Mas em 1957 estava em perspectiva uma nova missão que iria pre-
Espada à Cinta, a 15 de Junho de 1899, fazendo os seus cisar do seu génio inovador e do sentido de organização próprio para
Mestudos secundários no liceu de Bragança. Em 1917 grandes empresas. A Escola Naval sofrera reformas nos anos de 1931 e
inscreveu-se na Universidade de Coimbra para fazer os estudos prepa- 36, mas estagnara num certo marasmo que não teve em conta a
ratórios de acesso à Escola Naval, onde viria a ingressar no ano evolução técnica que ocorreu durante a II Guerra e no período que
seguinte. Concluiu o curso em 1921 e, com o posto de Guarda imediatamente se lhe seguiu. As marinhas ocidentais deram um salto
Marinha embarcou no cruzador “República” vindo a acompanhar o qualitativo que não fora acompanhado pela portuguesa e, sobretudo, a
extraordinário feito de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, na sua tra- formação dos nossos oficiais estava completamente desajustada do
vessia aérea de Lisboa para o Rio de Janeiro. A emoção deste aconteci- momento presente, não permitindo que as renovações de meios
mento certamente que marcou a sua car- tivessem uma base sólida na formação do
reira naval, como exemplo da capacidade pessoal. Impunha-se, por isso uma reforma
portuguesa e moldando-lhe o carácter para profunda da Escola Naval e Sarmento
uma obra que não é fácil descrever em Rodrigues seria o homem que iria estar à
breves palavras. frente da mesma, lançando as suas bases e
Em 1941 decorria a II Grande Guerra – organizando os seus primeiros passos. Foi
onde Portugal não participou – e com ela a nomeado comandante da Escola Naval em
terrível batalha do Atlântico caracterizada 1957 e a reforma entrou em vigor no ano de
pelos constantes ataques de submarinos ale- 58, vindo a abranger os cadetes que então
mães aos comboios aliados que vinham dos começaram o curso. Todas as matérias
Estados Unidos para a Grã Bretanha. Um foram alteradas, foram introduzidos novos
desses ataques foi levado a cabo nas águas grupos de disciplinas e a formação tornou-
açorianas e vitimou os navios de transporte -se muito mais abrangente. Foi, também,
“Julia Ward Howe” e “City of Flint”. As con- nesta altura, dadas as necessidades de acor-
dições de mar eram terríveis e Sarmento Ro- rer ao Ultramar que começaram os cursos
drigues comandava o contra-torpedeiro “Li- da Reserva Naval (CFORN), destinados a
ma” que foi encarregue de dar ajuda aos oficiais que cumpriam o serviço militar na
náufragos em perigo. Foi uma acção dramá- Marinha e que iriam, igualmente, desem-
tica onde o navio registou um adernamento penhar funções a bordo dos navios. Quase
de 67º (o maior que alguma vez foi registado todos os que frequentaram a Escola naquele
a bordo de qualquer navio), deixando toda a tempo, recordam a figura do Almirante
tripulação perplexa e assustada, contudo a Sarmento Rodrigues, reconhecendo nele o
missão foi completamente cumprida. exemplo do Oficial de Marinha que mar-
Por moto próprio inscreveu-se em 1939 na cou profundamente a sua geração e que
Escola Superior Colonial e em 1945, com o posto de Capitão-Tenente ainda constitui uma importante referência.
foi nomeado Governador da Guiné. A sua acção neste cargo teve con- Quando deixou a Escola Naval, em 1961, foi ocupar as funções de
sequências imediatas a nível da organização do território e da estrutura Governador Geral e Comandante Chefe das Forças Armadas de Mo-
da rede interna de comunicações levando a um melhor entrosamento çambique. O momento era particularmente difícil para a afirmação
das populações. O desenvolvimento de projectos agrícolas, o combate portuguesa em África e Sarmento Rodrigues sabia bem que não iria
às doenças endémicas (como a malária e a doença do sono), a cons- ter uma vida facilitada. Contudo, tentou o que era possível tentar; he-
trução de uma rede básica de distribuição de água potável, foram sitando em continuar a missão que lhe fora confiada e em que acredi-
alguns dos muitos projectos que levou a cabo, sob o ponto de vista tavam muitos moçambicanos, ou pedir a demissão do cargo em face
social. Porém a sua actuação na Guiné teve uma particular incidência das dificuldades criadas pelo governo central, que o próprio Sarmento
de natureza cultural procurando fomentar e dar expressão a todos os Rodrigues classificaria como de “indiferença e sobranceria insu-
estudos que tivessem a ver com a Guiné, a África Ocidental e os seus portáveis”. Minava-o um precário estado de saúde, mas continuou a
habitantes. Foi criado em 1946 o Centro Cultural da Guiné que passou sua acção enquanto pôde. Só deixou o cargo em 1964.
a publicar um Boletim Trimestral e diversas “Memórias” que cons- Mas, em paralelo com toda a acção pública vocacionada, essen-
tituem um espólio de estudo histórico, etnográfico, político, social e cul- cialmente, para a administração ultramarina, Sarmento Rodrigues era
tural de elevado valor para a compreensão daquele sector de África. um humanista de sensibilidade apurada, apaixonado por todas as
Foi exonerado deste cargo a seu pedido, mas não abandonaria as questões culturais e pelos estudos. Quando abandonou o governo de
questões ultramarinas sobre as quais tinha uma visão muito própria. Moçambique já tinha alguns livros publicados e a ajuda que dera à
Em 1950 era Ministro das Colónias, sendo o primeiro a usar a desig- investigação histórica e social em todos os cargos que tivera era
nação de Ministro do Ultramar quando foi efectuada a reforma admi- notória. Foi presidir ao Centro de Estudos de História Marítima, mais
nistrativa de 1951. São inúmeras as realizações que se devem ao tarde designado apenas por Centro de Estudos de Marinha, núcleo
Almirante Sarmento Rodrigues, no exercício deste cargo. Nelas se con- cultural que veio a ter o seu feliz desfecho na actual Academia de
tam o plano de fomento para o Ultramar, de 1953-58, marcando uma Marinha. Sarmento Rodrigues foi, muito naturalmente, um dos
viragem completa da posição de quase abandono dos territórios ultra- primeiros dez académicos, eleito presidente pelos seus pares e ocu-
marinos, para a multiplicação de projectos de desenvolvimento a pando o cargo até que a morte o veio surpreender em 1 de Agosto
todos os níveis. A reformulação do Hospital do Ultramar e a constru- 1979.
ção do Instituto de Medicina Tropical, que tanta importância teve no
estudo das doenças endémicas que vitimavam as populações J. Semedo de Matos
africanas, devem-se à sua acção como Ministro do Ultramar. CTEN FZ
REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 99 15