Page 91 - Revista da Armada
P. 91

Wenceslau de Moraes,
                Wenceslau de Moraes,


                         Oficial da Armada
                         Oficial da Armada




           « …cidadão português, solteiro, ex-capitão-de-fragata da  de 8º para 9º lugar. Moraes, frustrada  uma tentativa de ir para
         Armada Portuguesa…», assim se identificou no seu testamento  Macau, embarca com o seu Curso no transporte «Índia» para uma
         “Moraes O-Okinasô (1)”, o “Nambam (2)” que se tornou no  viagem de instrução que os levará, em 19 dias, a Filadélfia, onde
         “Nihonjin Moraesu (3)” cuja carreira naval, hoje, aqui nos traz.  desembarcam produtos para a grande Exposição Internacional.
                                                                Após um mês na cidade americana, ei-los de novo na «D.
             e em 1935, seis anos após o seu falecimento, já na rádio japone-  Fernando».
             sa se defendia que “Seria bom chamar-lhe Morais do Japão,  Em 11 de Janeiro de 1877, depois de andar a saltitar de navio em
         Snascido em Portugal, em vez de se lhe chamar português.”, em  navio ruma no «África», na companhia do seu Curso, às Estações
         1980, volta a ser notícia quando os telespectadores nipónicos recla-  Navais de Angola e Moçambique.
         mam da súbita interrupção duma biografia sua que, durante meses,  Depois de Santiago de Cabo Verde, atinge Luanda, onde parte do
         haviam seguido apaixonadamente (4).                  Curso desembarca. Em 5 de Março dá fundo ao ferro na foz do rio
           De facto a sua vida, marcada por uma enorme solidão, oscila sen-  Maputo, diante da cidade Lourenço Marques (8), depois duma estada
         sualmente entre uma insaciável carência afectiva e uma indomável  de 6 dias no Cabo.
         ânsia de liberdade, que romances sem saída possível o levam a aber-  Aí passa ao pequeno vapor «Sena» para serviço nos rios de
         tamente admitir, na sua correspondência mais privada, uma persona-  Quelimane e também na costa. Um mês depois destaca, na Ilha
         lidade assaz complexa que de                                                   de Moçambique (9), para a
         todo escapa aos que com ele                                                    corveta mista «Mindello» do
         conviveram ao longo de uma                                                     comando do próprio coman-
         carreira naval de 26 anos.                                                     dante da Estação Naval e
           Nascido em 30 de Maio de                                                     logo acompanha uma expe-
         1854, Wenceslau José de Sousa                                                  dição luso-britânica (10) a
         Moraes, aos 17 anos, assenta                                                   provar a falsidade duma
         praça como soldado voluntário                                                  denúncia, lançada por uma
         no Regimento de Caçadores nº                                                   corveta inglesa, de que 200
         5, sendo no ano seguinte trans-                                                africanos se encontrariam
         ferido para a Armada como                                                      cativos para serem vendidos
         Aspirante Extraordinário.                                                      como escravos.
           Para tal podem ter concorrido                                                  O mesmo (11) se passará nos
         diversos factos.                                                               rios Moginquale e Matibane.
           Primeiro, a Armada vem                                                       Como a Guerra Anglo-Zulu
         sendo desde 1858, pela mão de                                                  tinha tornado a Ilha da Inhaca,
         Sá da Bandeira,  reconstituída a                                               vizinha de Lourenço Marques,
         partir da construção de grandes                                                alvo da cobiça inglesa, foi a
         corvetas mistas, o núcleo duma                                                 «Mindello», em que embar-
         força naval capaz de afirmar e                                                 cara, juntar-se à canhoneira
         defender os interesses de                                                      «Douro» para, sem qualquer
         Portugal no mar depois do seu                                                  oposição do gentio, se proceder
         poderio ter decaído, entre 1800                                                à ocupação da Inhaca onde,
         e 1823 (5), de 12 naus, 26 fra-                                                com uma salva de 21 tiros, é
         gatas, 24 brigues e 8 charruas                                                 içada a bandeira azul e branca
         para 2 naus, 5 fragatas, 7 corve-                                              no dia 14 de Setembro de
         tas e 9 brigues e, no termo das  Corveta “Bartolomeu Dias”.                    1878.
         ruinosas Guerras Liberais (6), baixar a 1 nau e 1 fragata. Depois, a  De novo na capital, vai a Quelimane e volta a cruzar a costa
         visível e insidiosa «escalada» que ingleses, franceses e alemães, a  em busca de negreiros.
         partir de 1870, levam a cabo nas costas africanas onde Portugal,  De Lourenço Marques, Augusto de Castilho, confirma a visita de
         apesar de históricos tratados, acabará por se ver obrigado a uma  cortesia(?) dum comodoro inglês que não podendo dar, na Inhaca,
         ocupação militar por força dos critérios que resultarão da  cumprimento à «política sagaz, persistente e pouco escrupulosa dos
         Conferência de Berlim de 1884.                       ingleses (de quem) tudo é lícito esperar (12)» determina a urgente pre-
           Finalmente, consideramos nós, ser natural que um jovem ciente  sença da «Mindello».
         dum objectivo nacional, materializado na defesa de interesses há  Afastado o perigo (13) torna ao «Sena» e daí ao «África» para, reu-
         muito assumidos, se sinta aliciado a participar na execução dum pro-  nido o curso, demandarem, em fins de Novembro,  depois de Aden e
         jecto dotado dos meios, ainda que escassos, que a vontade impunha.  Port Said, o Tejo.
           Concluído, em 1873, o Curso Preparatório na Escola Politécnica,  Em Lisboa há que enfrentar a «paixão louca, constante, das mais
         passa a Aspirante do Quadro e terminado o 1º ano do Curso de  intensas» duma criada a quem, cavalheiro, polidamente afirma nunca
         Marinha, percebendo já um soldo de 12.000 reis (7), embarca, com  ter correspondido, embora a proteja até ao fim da vida, e saciar a
         os seus 16 camaradas, para instrução de aparelho e manobra, na  paixão de uma vizinha, 8 anos mais velha e mal casada, que, de
         corveta «Bartolomeu Dias».                           carta em carta, se vinha, em francês, mutuamente inflamando.
           Em Julho de 1875, segue-se o tirocínio de Artilharia, na »D.  Depois duma breve passagem pela Escola de Alunos Marinheiros,
         Fernando II e Glória», dos 13 Aspirantes que concluem a Escola  então a bordo da corveta «Duque de Palmela», embarca de novo na,
         Naval. Promovidos a guardas-marinhas, Wenceslau de Moraes desce  entretanto regressada, «Mindello» onde vai, com outros oito guadas- ✎
                                                                                       REVISTA DA ARMADA • MARÇO 99  17
   86   87   88   89   90   91   92   93   94   95   96