Page 14 - Revista da Armada
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Por erro de cálculo nas dimensões da
         caldeira ou pelo estado de assoreamento
         em que se encontravam os braços da ria,
         originado pelo mau estado da barra, o
         moinho não produziria o resultado espe-
         rado e foi abandonado. Nesta época a
         barra de Aveiro estava completamente
         assoreada não existindo grande variação
         entre a preia-mar e a baixa-mar – a barra
         chegou mesmo a fechar, levando campos
         agrícolas a secar, arrasando colheitas,
         originando pragas de insectos, doenças
         etc.; o comércio foi prejudicado, por não
         entrarem navios e Aveiro mergulhou em
         período de grandes dificuldades.
           Sem possibilidade de rentabilizar o
         engenho, o proprietário tentou ainda
         aproveitar a caldeira para a construção de
         uma salina, mas a insignificância da pro-  A Escola Industrial cerca de 1912.
         dução e as dificuldades de colocação no
         mercado acabou por resultar na sua de-  milho e descascar arroz, e que movia dois  1903, estando presentes representantes do
         sactivação.                        moinhos que produziam 14 alqueires de  governo. A Escola era o melhor edifício de
           O moinho voltou a ser abandonado. Foi  milho por hora. A má administração desta  ensino industrial do país, depois das esco-
         Mendes Leite quem, posteriormente com-  pequena unidade industrial acabaria por  las Marquês de Pombal e Afonso Domin-
         prou toda a zona do ilhote e propriedades  levar ao seu encerramento.  gues, em Lisboa.
         anexas a Ferreira Pinto Basto, procedendo  A consciencialização por parte da classe  A distribuição interior do edifício, ante-
         ao aterramento da caldeira desde a casa  governativa portuguesa daquela época  riormente ampla, foi ajustada às novas
         dos moinhos até às da viúva de João Justino  para a necessidade de investir no ensino  necessidades: no rés do chão ficava o vestí-
         Gamelas, aproveitando para o efeito o  público e na criação de quadros técnicos  bulo de entrada, corredor, vestiário, aula
         entulho de novas construções. O espaço  capazes de dar resposta às novas exigên-  nocturna de instrução primária, aula de
         aterrado ainda foi aproveitado, anos mais  cias industriais, levou à criação de escolas  modelação, cerâmica e WC; no primeiro
         tarde, para o cultivo dos mais diversos  industriais e de desenho industrial em  andar, aula de desenho elementar, aula de
         produtos, inclusivamente de cereais para  vários pontos do país, a fim de que a mão  desenho ornamental, secretaria e biblioteca,
         posterior moagem no moinho.        de obra nacional pudesse ser rentabiliza-  museu, galeria e WC; na mansarda, arreca-
           O edifício teve, entretanto, utilização  da neste sector produtivo. Aveiro não foi  dação e depósito.
         variada. Serviu como depósito de sal. De  excepção, pelo que em 1893 foi criada por  Em 1912, por divergências entre o proprie-
         1856 a 1858 foi o depósito de chumbo das  Decreto a Escola de Desenho Industrial  tário e a Câmara Municipal, chegou a pôr-
         minas do Braçal e do Palhal; ainda em  Fernando Caldeira.             -se a hipótese de o edifício ser cedido para a
         1858 foi depósito de carvão e depois  Em 1896 era proprietário da casa dos  agência do Banco de Portugal, e várias ou-
         daquele ano serviu como armazém para  arcos o brasileiro João Pedro Soares que  tras instituições tentaram adquirir o imóvel
         embalagem de laranjas destinadas à  aí instalou uma tanoaria. Nesse ano,  A escola continuaria a funcionar no edifí-
         exportação para o Reino Unido. Entre  Francisco Silva Rocha (1864-1957),  cio até 1918, altura em que Silva Rocha foi
         1866 e 1875 esteve ali instalada a com-  arquitecto, professor de desenho e direc-  forçado a vendê-lo face às sucessivas desva-
         posição e tipografia do jornal O Districto  tor da referida escola industrial, casa com  lorizações do valor da renda paga pela Câ-
         de Aveiro, apesar de o jornal ter sido sus-  D. Diolinda Augusta Soares, filha do pro-  mara. A forte inflação e as dificuldades fi-
         penso em Dezembro de 1869.         prietário do edifício. Esta ligação irá per-  nanceiras geradas pela construção da actual
           Com o aparecimento em Portugal da  mitir-lhe concretizar o velho sonho de  Avenida Dr. Lourenço Peixinho, foram as
         industrialização, o edifício foi de novo alte-  construir um edifício para a Escola In-  causas deste desenlace.
         rado em 1888, pelo Dr. José Francisco  dustrial. A Escola seria mandada construir  Naquele ano de 1918 o edifício e o terreno
         Lourenço de Almada Negreiros que   pelo Ministro da Cultura António Arroio  anexo são vendidos a um comerciante,
         resolve ali instalar uma máquina a vapor  amigo e admirador de Silva Rocha.  António Alves Videira, por 5.000$00, e no
         com a potência de 80 cavalos, para moer  Para realojar a escola em habitação  ano seguinte é vendido à Companhia
                                                             condigna, Silva Ro-  Aveirense de Navegação e Pescas, SARL
                                                             cha transformou o  por 6.000$00.
                                                             velho casarão num   No mesmo ano é aumentada toda a parte
                                                             belo edifício, au-  posterior do edifício e construído um tor-
                                                             mentando-lhe um   reão. Esta parte do edifício ficou assente
                                                             piso e dando-lhe um  sobre o aterro e não sobre fundações em
                                                             ar apalaçado, sem  arcos como a parte mais antiga.
                                                             contudo, destruir os  Na mesma época é também acrescentada
                                                             arcos do moinho de  a varanda corrida no piso térreo e feitas
                                                             maré. O resultado  alterações na fachada, nomeadamente nas
                                                             foi um harmonioso  janelas centrais do primeiro piso e no fron-
                                                             conjunto de carac-  tão. Estas obras ficaram assinaladas com o
                                                             terísticas arte-nova.  azulejo colocado por cima da entrada prin-
                                                               A inauguração   cipal, com a indicação do ano de 1918.
                                                             fez-se com pompa e  Em 1921 esta empresa hipoteca o imóvel,
                                                             circunstância no dia  bem como outros bens (navios, etc.); o can-
         O Edifício da Companhia Aveirense de Navegação e Pescas. Notar no torreão
         o 2º corpo, bem como as varandas do rés do chão.    3 de Novembro de  celamento da hipoteca, com pagamento das
         12 JANEIRO 2000 • REVISTA DA ARMADA
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